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Leituras de Março de 2018

Março foi um mês de leituras diversificadas, mas com destaque para o inquietante romance de ficção científica Kindred: Laços de Sangue, de Octavia E. Butler, e para a polêmica avaliação das deficiências morais da literatura brasileira, feita por Martim Vasques da Cunha no estudo A Poeira da Glória.

 

Arte de capa de Dennis Beauvais.

Aliens Book 1: Earth Hive, de Steve Perry. Nova York: Bantam Spectra, 1992, 280 páginas. Capa de Dennis Beauvais. Paperback. Conheço Steve Perry da coluna que ele tinha no fanzine de Orson Scott Card, Short Form, em 2015 li um livro de sua filha, S. (de Stephani) D. Perry, Aliens: Criminal Enterprise — também parte dos tie-ins originais inspirados nas situações surgidas com o filme Aliens (1984, de James Cameron). Pai e filha têm uma escrita dura e feroz, como o assunto exige. Este romance, em particular, é inspirado pelo filme, cujas situações ele cita: um cabo veterano dos Colonial Marines e uma garota institucionalizada são os únicos sobreviventes de um surto dos aliens. Quando os militares decidem organizar uma expedição de coleta de espécimes em um mundo infestado por eles, o cabo é convocado e, no caminho, resgata a jovem do hospício. Ao mesmo tempo, na Terra um laboratório militar já trabalha no estudo dos organismos xenomorfos, quando uma seita fanática de adoradores dos alienígenas resolve invadi-lo e espalhar a infecção pelo nosso planeta. Só pelo resuminho dá pra sentir que a narrativa salta de uma situação para outra, o que resulta, quase que obrigatoriamente, numa certa superficialidade. Nem por isso o livro deixa de passar a impressão de retratar uma humanidade que, por razões militares, comerciais ou religiosas, caminha célere na direção do apocalipse alien. Há aí aquele problema de escancarar de um modo um pouco frugal a falência daquilo que os primeiros filmes tinham como objetivo maior: impedir que essa forma de vida infecciosa alcançasse o planeta Terra. E como vieram muitos outros romances originais de Aliens depois — eu li dois em 2015, para entrar no clima de terra devastada e de um confinamento claustrofóbico que tentei realizar no inédito “Mestre das Marés”, o segundo romance da série As Lições do Matador —, fica a sensação de que Steve Perry teria se precipitado ao entregar as joias da coroa tão cedo aos alienígenas.

De onde vem o interesse pelo universo criado por Dan O’Bannon e Ridley Scott, com Alien: O Oitavo Passageiro (1979)? Em grande parte, em razão do adversário da humanidade ser uma forma de vida que age cegamente, sem intenções, malícia ou razões estratégicas ou geopolíticas. Nem sequer uma civilização ela possui. A outra coisa é uma representação da humanidade atirada na galáxia arrastando consigo seus vícios e azares. Com Aliens: O Resgate (1986), Cameron introduziu o tema da FC militar e sublinhou ainda mais o cinismo criminoso da Companhia. Daí o naturalismo duro e cínico que predomina na série e nos livros e histórias em quadrinhos, destacando esse universo ficcional da idealização e do lado plástico e juvenil que temos em Star Wars, Star Trek, Guardiões da Galáxia e outras franquias. Os personagens parecem estar sempre espremidos entre o darwinismo brutal dos aliens, e o darwinismo social, empresarial, de uma humanidade que deveria ter aprendido alguma coisa de cá (o presente) pra lá (o futuro interestelar). São pontos de uma atitude crítica que vale tanto hoje, quanto valia em fins da década de 1970 ou durante a década de 1980. Talvez até mais.

P.S.: No Facebook, o tradutor Carlos Angelo lembrou que este livro é novelização da minissérie de quadrinhos Aliens: Outbreak, escrita por Mark Verheiden com arte de Mark A. Nelson e Ron Randall.

 

Sonetos do Amor Obscuro e Divã do Tamarit (Sonetos del amor oscuro; Divan del Tamarit), de Federico García Lorca. São Paulo: Folha de S. Paulo, Coleção Folha Literatura Íbero-Americana vol. 2, 2012, 88 páginas. Capa dura. Tradução e apresentação de William Agel de Mello. Falta poesia na minha dieta literária. Para diminuir essa deficiência, peguei outro dia este livro do celebrado Federico García Lorca, que oferece uma leitura rápida e intrigante, num livro de capa dura gostoso de manipular. Também dramaturgo, Lorca foi o poeta número um da Espanha no século 20, a vítima mais famosa do regime da facção anti-republicana da Guerra Civil Espanhola. O volume em questão abriga alguns dos seus últimos poemas escritos, distribuídos em dois livrinhos juntados aqui sob uma mesma capa. Consta que o primeiro, Soneto del amor oscuro (1936) só foi publicado parcialmente, por ter um conteúdo homossexual explícito. É um livro bilíngue.

O que salta aos olhos é a riqueza de imagens poéticas, às vezes de um certo hermetismo, e a intrusão o tema da morte e da violência no soneto de amor, de saudação do objeto de amor e de desejo. Há uma ironia dissonante aí, frente a doçura do soneto, e que compõe o principal efeito dos poemas. O mesmo teor persiste em Divan del Tamarit (1936), variando apenas os formatos de versificação — que incluem o gazel, uma forma de poema lírico-amoroso; e a casida, uma forma herdada da poesia árabe. Dessa última, “Da Mulher Estendida” se tornou minha favorita.

 

A Poeira da Glória, de Martim Vasques da Cunha. Rio de Janeiro: Editora Record, 2015, 628 palavras. Brochura. Ser um observador da ficção científica e outras formas de ficção de gênero no Brasil, como eu me imagino, significa também prestar alguma atenção a como a literatura brasileira se enxerga, se desenvolve e sente o papel da ficção popular. São poucos, é claro, os livros que realizam uma sondagem mais profunda e crítica da nossa literatura — e mais raros ainda aqueles que se debruçam sobre a ficção popular. Das minhas leituras, dá para citar exemplos como A Aventura Literária: Ensaios sobre Ficção e Ficções, de José Paulo Paes; O Espírito da Prosa: Uma Autobiografia Literária, de Cristóvão Tezza; e Muitas Peles, Luiz Bras.

Um modo de abordar a questão maior de onde se posiciona a ficção de gênero nacional nas nossas letras, é identificar e reconhecer as insuficiências da literatura brasileira como um todo, e confrontá-las com as faltas da literatura popular conforme percebidas pela crítica mainstreamA Poeira da Glória é um ensaio sobre o caráter da literatura brasileira, do século 19 ao presente, castigando suas tendências ao esteticismo e à falta de firmeza moral e do foco na liberdade interior da pessoa. É escrito num tom meio autocongratulatório e agressivo, mas o livro ainda é válido pelo que afirma e expõe. Cunha insiste que carece à literatura brasileira o foco em um eu íntegro que se expressa por um “fundo insubornável do ser”, expressão que ele toma do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, para indicar autor e personagem que rejeitam a postura do “quietismo político” e do “estetização da realidade”. Ele também condena aquela crença de que apenas a literatura salva o brasileiro da penúria existencial do país, mesmo enquanto ela se esquiva de encarar de frente a dura realidade da vida. No processo, acusa Machado de Assis de “dissimulado” e adepto do “quietismo político”; Lima Barreto de apegado ao “esteticismo”; e Mário e Oswald de Andrade de, a partir e obras omo Macunaíma (1928) e Serafim Ponte Grande (1933), terem colocado a literatura brasileira em um “beco sem saída”. O que não dá para negar, até por ser uma afirmativa feita antes, em linhas gerais, por gente como José Paulo Paes, é que as práticas modernistas instauram

“o divórcio entre o leitor e o escritor, a separação entre os intelectuais que deveriam produzir uma obra para aprimorar a nossa imaginação moral e o público comum que gostaria de entendê-la, justamente para compreender a si próprio.

“Esse divórcio de sensibilidades nasce em definitivo com o Modernismo, mas se tornaria uma espécie de método nos anos posteriores, até chegar ao ápice na obra de Guimarães Rosa. E acontece algo mais, algo que já não percebemos porque esta cisão está impregnada em nossa visão de mundo: no anseio de escrever numa ‘língua brasileira’, esquecemos que a literatura é antes de tudo uma forma de comunicação entre os nossos semelhantes — e trocamos os dilemas morais da condição humana, os que nos transformam em pessoas, por um lugar, por este ente abstrato, que nem sequer tem uma identidade nacional, chamado Brasil.” —Martim Vasques da Cunha, A Poeira da Glória.

Cunha isola alguns nomes que escapam da tendência que ele condena: Cecília Meireles, Nelson Rodrigues, Otto Lara Resende e outro punhado. Sua análise vem até momentos mais recentes, e aborda gente como Raduan Nassar, Daniel Galera e Bernardo Carvalho. Cunha é Mestre em Filosofia e seu enfoque parte desse campo do conhecimento, de modo que nem sempre a terminologia crítica bate com o que estou acostumado. A discussão se baseia na concepção platônica e aristotélica do Bom, o Verdadeiro e o Belo, trindade expressa na obra de arte. Por aí, a beleza deve conduzir às dimensões mais profundas do ser. Segundo Cunha, na literatura brasileira a ênfase estaria apenas no Belo, com o esteticismo levando ao desprezo pelo Bom e o Verdadeiro, e expressando aí a superficialidade da conjuntura cultural brasileira. Mas como entender a questão do “fundo insubornável do ser”? É o eu profundo do sujeito, que resiste aos julgamentos e às pressões do meio social. A leitura de Os Intelectuais e as Massas (1992) , de John Carey, me vacinou contra Ortega y Gasset, mas é possível chegar a uma aproximação via self-reliance — o apoiar-se em si mesmo de Ralph Waldo Emerson e outros Transcendentalistas da Nova Inglaterra. Mesmo porque a cultura popular está cheia de exemplos do homem self-reliant — em filmes de western como Da Terra Nascem os Homens (The Big Country; 1958), e em personagens como o detetive Philip Marlowe ou o astronauta Perry Rhodan. O conceito soa mais democrático do que Ortega y Gasset e os tons apocalípticos do seu pensamento modernista, e certamente vem me guiando nos meus próprios escritos. Daí minha simpatia pela coragem de Martim Vasques da Cunha em afirmar essa carência da literatura e da cultura intelectual brasileira, mesmo que eu não tenha tanta certeza quanto a sua extrapolação desse quadro para o contexto da militância intelectual de esquerda, simbolizada, para ele, pela figura do crítico Antonio Candido. É claro, nem de longe quero sugerir que Cunha encontraria na cultura popular uma alternativa possível para o quadro que ele expõe.

 

O Lobo do Espaço, de Fausto Cunha. Rio de Janeiro: Ciranda dos Livros, 1984, 80 páginas. Ilustrado. Brochura. A ficha catalográfica desta novela de ficção científica é de 1977, o que não deixa de compor uma advertência para os apressados escritores de hoje. Fausto Cunha é um dos três ou quatro grandes nomes da FC brasileira da Primeira Onda, junto com André Carneiro, Dinah Silveira de Queiroz e Rubens Teixeira Scavone. Ramiro Giroldo estudou a sua obra na tese de doutorado “Alteridade à Margem: Estudo de As Noites Marcianas, de Fausto Cunha” (2012). Ele andou morando nos Estados Unidos e se metendo com a NASA. Nesse sentido, tanto esta novela quanto a fabulosa noveleta “Última Stella” (1981) demonstram que ele poderia ter sido um dos mais significativos autores nacionais de FC hard, se tivesse sido mais produtivo nessa área. Um dos aspectos interessantes da sua abordagem, é que, como conhecedor do gênero, Cunha não abria mão das lições da New Wave.

Uma concessão que O Lobo do Espaço faz à literatura juvenil é embutir aquilo que é basicamente uma história de aventura espacial como uma narrativa que um avô (o Capitão Argo) faz ao seu netinho, contando como foi uma expedição em particular, nos bons e velhos tempos em que ele pertenceu a uma organização explorador anônima, como parte da tripulação internacional da nave O Cão Prateado. A aventura se passa fora da Via Láctea, na galáxia Messier 101, a 20 milhões de anos-luz da Terra. Em um planeta em particular, eles descobrem uma agressiva forma de vida que se pendura como móbiles na atmosfera. São seres luminescentes que manipulam a luz para, por exemplo, destruir o módulo de pouso do herói e seus companheiros. Depois de tentar um contato com uma máquina telepática que projeta conceitos, o Capitão Argo deduz que qualquer tentativa de comunicação teria de se basear menos em ideias e mais em imagens, em cores. Eles descobrem que as criaturas recuam diante da cor amarela, e mais tarde se escondem no fundo do mar, protegidos por uma camada de plâncton vermelho. A partir da manipulação das cores, uma operação de resgate é organizada. É esse truque em particular que parece dar o toque de New Wave à aventura pulp da novela. A arte de capa é creditada a Guilherme Camarinha Martins, “sobre uma concepção de Fausto Cunha”, e tem cara de ser uma colagem a partir de ilustrações apanhadas em revistas da época. O livro é ilustrado com desenhos não-creditados, de estilos diferentes, mostrando astronautas, sondas e satélites artificiais, que também parecem ser resultado de apropriações semelhantes.

 

Kindred: Laços de Sangue (Kindred), de Octavia E. Butler. São Paulo: Editora Morro Branco, 2017 [1979], 446 palavras. Capa dura. Tradução de Carolina Caires Coelho. Um dos principais lançamentos do ano passado no Brasil, certificado pelos jornais O Estado de S. Paulo e Quatro Cinco Um, que o incluíram nas suas listas dos melhores lançamentos literários de 2017. Essa distinção, somada ao fato de ser um romance original de 1979, também puxa a orelha daqueles fãs que eternamente reclamam das editoras por publicarem clássicos da FC ao invés das novidades. Assim como O Livro do Juízo Final, de Connie Willis, é uma história de viagem no tempo, violenta e dedicada a expressar o nosso despreparo em lidar com a dura realidade do passado. As diferenças estão no fato de que, no livro de Willis, a viagem no tempo é algo muito institucionalizado e científico, enquanto que em Butler ela é involuntária e sem explicação. A escritora já havia aparecido no Brasil com um par de histórias na Isaac Asimov Magazine, e a Editora Arte & Ciência do escritor de FC Henrique Flory já havia tentado publicar Kindred aqui, no começo do século. Meu exemplar foi comprado na feira do livro da USP, ano passado.

O romance é narrado por uma mulher afro-americana de 1976, Dana, que, por esse processo misterioso, é projetada no passado anterior à Guerra da Secessão. Isso acontece toda vez que um garoto branco chamado Rufus se encontra em perigo mortal. O livro abre com ela retornando acidentadamente em uma dessas viagens, para perder o braço em uma parede — como no conto do brasileiro Jeronymo Monteiro, “Um Braço na Quarta Dimensão” (1964). Antes disso acontecer, Dana salva Rufus seguidamente. Ela passa semanas e meses em uma época em que a cor de sua pele a tornava vulnerável ao arbítrio dos brancos, mas, quando ela mesma está em perigo, retorna ao seu presente para descobrir que pouco tempo havia se passado. Em algumas ocasiões,  viaja com o marido Kevin, um caucasiano. Os dois acabam separados, e quando se reencontram no passado, retornam a 1976 juntos. Mas Dana ainda tem missões a cumprir no perigoso século 19. Butler é sensível não apenas ao sofrimento da sua heroína, mas também à desorientação de Kevin, que tem dificuldade para se readaptar ao presente, depois de passar anos no passado. O centro do romance, porém, é a relação dela com Rufus, uma pessoa que, mesmo enquanto reconhece a importância de Dana em sua vida, está tão ciente do poder que a ordem escravagista lhe dá, que não hesita em usá-la para obter o que deseja: Alice, a outra antepassada da heroína. A protagonista que colabora, de maneiras diferentes, embora a contragosto, em situações sexuais envolvendo outras pessoas também está presente na série Xenogenesis de Butler (cujo primeiro livro, Dawn, saiu em Portugal como Madrugada). Espelha, certamente, a situação dos escravos submetidos a um contexto de casamentos arranjados pelos senhores. Por tudo isso, o romance, embora não narre cenas tão fortes e degradantes quanto aquelas de The Underground Rairoad, de Colson Whitehead, e nem se dedique a uma panorâmica do escravismo nos Estados Unidos, é emocionalmente escruciante, com uma tensão presente página a página, resultando em uma narrativa de força rara e até superior ao premiado livro de Whitehead.

Assim como o conto em tom de crônica da brasileira Zora Seljan, “O Carnaval do Ano 2170” (1978), Kindred nos lembra de que a única máquina do tempo disponível para a humanidade é o aparelho reprodutor feminino, que conecta passado, presente e futuro. Essa viagem temporal está sujeita a todas as vicissitudes da condição humana. Como eu mesmo me dei conta, ao escrever meu romance A Corrida do Rinoceronte (2006), sobre um afro-descendente brasileiro que vai trabalhar nos EUA, onde se depara com a política racial local, é duro nos darmos conta de que, para estarmos aqui, foi preciso que uma mulher fosse abusada em algum momento do passado histórico e familiar. Butler enfrenta essa dura realidade de frente, como a sua heroína. Mas ela também se lembra da lição dos contos de Richard Wright (1908-1960), de que a violência contra o opressor é o primeiro sinal de que não se está completamente subordinado. A melhor leitura que fiz neste ano, até o momento.

 

Jean Nouvel, de Marco Casamonti. São Paulo: Folha de S. Paulo, Coleção Folha Grandes Arquitetos Vol. 8, 2011, 80 páginas. Capa dura. Tradução de Marcos Maffei. Minhas leituras sobre arquitetura não pararam no mês passado. Com este perfil do arquiteto francês Jean Nouvel, elas caem por completo no futurismo/pós-modernismo, com uma conexão, apontada pelo autor Marco Casamonti, com a abordagem historicista de Le Corbusier, em que o arquiteto retorna constantemente às soluções do passado para encontrar inspiração para seus projetos. Esteticamente, é um dos mais ricos exemplos, com um pendor para o detalhe que filtra a luz e colore o ambiente interno e a fachada externa de tons, reflexos pontilhistas e texturas — como se vê pela sugestão mourisca dos painéis externos do Instituto do Mundo Árabe, em Paris (e na capa do livro). Os interiores da ampliação do Centro de Arte Reina Sofia também são um grande exemplo, assim como a cúpula da Torre Agbar, ambiente de ficção científica no topo de um arranha-céu bem feio por fora. As fotos do Museu do Quai Branly, em Paris, sugerem uma concepção desarticulada, mas as do Teatro Guthrie (EUA) e as do Auditório Danish Radio (Dinamarca) comunicam a aura de projetos inspirados, em que há uma dança de planos e de subtons que impressiona. As concepções artísticas de alguns projetos — como o do Centro de Espetáculos de Seul e o da Filarmônica de Paris — lembram o toque surrealista do artista de FC Paul Lehr, enquanto o do Louvre de Abu Dhabi parece um disco voador pousado sobre um espelho d’água. A seção “O Pensamento” é composta de excertos do seu “Manifesto Lousiana” (2005), que evoca a física do macro e do micro, e denuncia que

“a arquitetura está aniquilando os lugares, banalizando-os e violando-os.” —Jean Nouvel, “Manifesto Louisiana” (2005).

Ao mesmo tempo, Nouvel clama por uma arquitetura que transcenda ao revelar geografias, histórias, cores, paisagens e horizontes. Palmas.

—Roberto Causo

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Leituras de Fevereiro de 2018

Fevereiro foi um mês em que fiz leituras rápidas sobre arquitetura e artes plásticas, mas com espaço para ficção científica brasileira e estrangeira, e um gênero do qual eu estava afastado há algum tempo: o horror.

 

Down River, de Stephen Gallagher. Londres: New English Library, 1990 [1989], 362 páginas. Paperback. São raros os casos em que me identifiquei imediatamente com a prosa de um escritor, como aconteceu quando li a noveleta de Stephen Gallagher, “Ribbon of Darkness, Over Me”, em The Magazine of Fantasy & Science Fiction de agosto de 1989. Justamente um excerto deste Down River, em que dois tiras ingleses perseguem um carro roubado por um bando de garotos. Essa história representou também uma das poucas vezes em retornei ao texto de um outro autor para aprender, fixar e empregar alguns dos seus recursos — exatamente a sequência de perseguição, com os movimentos do carro da frente interpretados pelo ponto de vista subjetivado, de um personagem no carro de trás (que usei no meu Mistério de Deus). Gallagher é um escritor e roteirista de talento na cena britânica, tendo trabalhado em Doctor Who e e seriados de ficção de crime. No seu romance, a dupla Johnny Mays e Nick Frazier fazem a perseguição, levada extremos pelo obcecado Mays, um detetive de polícia meio fascistoide, que tem um livro negro no qual anota desafetos como uma garota num carro chique que não lhe deu bola, ou a socióloga que o entrevistou para um projeto sobre a polícia inglesa. A certa altura, Nick não suporta mais e desce do carro. Mays vai em frente e acaba com o carro em uma represa. É dado como morto, mas ressurge, salvo por um fazendeiro solitário que morreu do coração depois de tirá-lo da água. Mays herda dele uma remota base de operações, para ir à desforra mortal contra os marcados no seu caderninho.

O Johnny Mays ressurgido é um serial killer com um pé no horror focado na figura do monstro. Veste-se com as roupas rotas do fazendeiro, dirige a sua caminhonete caindo aos pedaços, abriga-se em uma casa  assombrada pelo cadáver do fazendeiro, ainda sentado em uma poltrona perto da lareira. Ele mesmo se move como um zumbi, atordoado por tudo o que aconteceu (deve ter perdido uns neurônios, no afogamento). Essa esqualidez transborda para o retrato de uma Inglaterra de classe média baixa da Era Thatcher (1979 a 1990), de alienação e decadência social e humana, compondo um clima melancólico e angustiante. É um dos efeitos mais poderosos do livro, mais texturado e vívido do que aquele de O Jardim de Cimento (The Cement Garden; 1978), de Ian McEwan. Demora para que caia a ficha junto a Nick e seus colegas, de que Mays está de volta e num rompante de assassinatos. Quando Nick, o protagonista do romance, vai até a cidade litorânea em que os dois nasceram, os fatos começam a fazer sentido. Nesse ponto, a narrativa reconstrói relacionamentos e aprofunda a caracterização dos dois, ao mesmo tempo em que aumenta o suspense: Nick passa a se interessar por uma ex-namorada de Mays que certamente está na mira dele. O tema do livro passa a ser a infância e a memória, e como a vida nos transforma, frequentemente se não sempre, em algo que nos desaponta ou desagrada. Os diálogos são ótimos mas sem remeter a uma estrutura de roteiro ou drama teatral. Há espaço para uma reflexão mais sociológica sobre o abuso de poder e a violência policial. Os protagonistas são bem desenhados e os coadjuvantes têm solidez, especialmente Alice, a ex de Mays. A prosa é firme e clara e densa, com o tipo de textura que lembra Stephen King mas de personalidade própria. É conduzida com um toque sutil até um desfecho que só não é hollywoodiano no confronto derradeiro entre os amigos de infância em seu terreno natal, porque o sentimento presente na cena soa verdadeiro e humano. Por tudo, Down River é um romance de dark suspense que deixa uma forte impressão, fazendo o leitor habitar o seu mundo pelo tempo da leitura, e que, depois de a encerrar, deixa aquela sensação de termos vivenciado uma experiência dura e inquietante.

 

Arte de capa de Stephen Hickman.

Brother to Dragons, de Charles Sheffield. Nova York: Baen Books, 1992, 262 páginas. Capa de Stephen Hickman. Paperback. O físico e matemático inglês Charles Sheffield teve um bom momento no Brasil, no início da década de 1990. Ronaldo Sérgio de Biasi, o editor da Isaac Asimov Magazine, então publicada pela Editora Record, era fã dele e não apenas selecionou suas histórias para a revista, como propôs a publicação de seus romances pela poderosa editora carioca. Na década de 1990, portanto, saíram aqui os dois primeiros livros da série O Universo dos Construtores: Maré de Verão e Divergência. Stephen Hickman, um regular da Baen Books, é artista de estilo próprio, adepto de cores fortes e imagens complexas. A arte dele aqui descreve um dos momentos finais do romance, mas pode sugerir erroneamente que se trata de uma FC militar.

Na verdade, Brother to Dragons é um intenso romance de futuro próximo, mais sociológico do que qualquer outra coisa, que dramatiza uma América extremamente degradada. Nela, em um contexto de superpopulação, os ricos vivem encastelados e os pobres desassistidos, com a polícia dedicada a oprimir. Pra piorar, o herói nasceu de uma  viciada em drogas, e só sobreviveu às primeiras semanas de vida pela dedicação de uma enfermeira que, de algum modo, apostou nele apesar de suas deformidades faciais. Por sorte, o menino, batizado de Job (o Jó, da Bíblia) pela enfermeira, foi agraciado por uma inteligência superior, que o ajuda a sobreviver primeiro ao orfanato administrado por mafiosos que desviavam até a comida dos garotos; e depois, à vida nas ruas, onde passa a trabalhar como aviãozinho de prostitutas e traficantes. É uma espécie de Oliver Twist futurista, até esse ponto da narrativa. Quando se dá conta do risco que corre, muda de ramo, fazendo algum sucesso como vendedor ambulante. É nesse ponto que entra em sua vida uma garota rica que foi cair no gueto, enganada por um cafetão. Ela é sinônimo de encrenca, e ele acaba nas mãos das autoridades. Um espertalhão da polícia política percebe o quanto ele é inteligente e pleno de recursos, e o recruta para espionar uma espécie de lixão tóxico/nuclear para onde são enviados os mais indesejados. Mais grave para os poderosos: os cientistas foram banidos pelos fundamentalistas religiosos e luditas que puseram neles a culpa da degradação do meio ambiente. Essa prisão ao ar livre congrega o maior número de cientistas de peso, que, paradoxalmente, conseguem trabalhar ali sem intervenção dos poderosos. Eles estão tramando alguma coisa, e o herói deve sair de lá com essa informação. Por felicidade do autor, Brother to Dragons é mais do que um drama darwiniano sobre um herói que se firma como self-made man na adversidade. Tem boa textura e um andamento preciso, com situações que soam coerentes, e num sentido talvez cristão (o título saiu do Livro de Jó, na Bíblia), é retrato da sobrevivência de um caráter sólido e bondoso, em um ambiente pouco propício ao seu surgimento. Desse modo, Job emerge da sua provação na terra de ninguém de lixo tóxico com uma solução que vira a mesa da elite corrupta e dá uma chance ao cansado planeta Terra.

Brother to Dragons agradou os jurados do John W. Campbell Memorial Award, que o escolheu Melhor Romance em 1993. Provavelmente pelo seu retrato de uma América em que as forças conservadoras e retrógradas colocaram o país e o mundo contra a parede. As tendências políticas que levaram à presidência de Donald Trump parecem ter sido denunciadas nesse romance. Eu tive o privilégio de incluir a novela premiada de Sheffield, “Georgia on my Mind” (1993), na minha antologia Estranhos Contatos: Um Panorama da Ufologia em 15 Narrativas Extraordinárias (Caioá Editora, 1998). Sheffield morreu em 2002, de um tumor cerebral.

 

Arte de capa de James Warhola.

Tales from the Spaceport Bar, de George H. Scithers & Darrell Schweitzer, eds. Nova York: Avon Books, 1.ª edição, 1987, 236 páginas. Capa de James Warhola. PaperbackMeu conto de Shiroma, Matadora Ciborgue “Cheiro de Predador”, é o mais perto que cheguei de uma história do tipo “contos da taberna”, passado justamente em um bar frequentado por astronautas. Estava pensando em escrever outro, mesmo que o ambiente de bar não seja exatamente a minha praia (sou abstêmio). A dupla de editores lembra daquela situação popularíssima da Cantina de Mos Eisley, em Guerra nas Estrelas (Stars Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança). Apesar dessa evocação e da capa muito sugestiva de James Warhola — o sobrinho mais esperto de Andy Warhol —, a maioria das histórias não é de ficção científica espacial ou ambientada no futuro. As histórias também não se referem exclusivamente a bares, sendo que algumas se passam em clubes. Muitas delas fazem parte de séries escritas por grandes nomes como Arthur C. Clarke, Isaac Asimov, Lord Dunsany, Larry Niven (que tem dois contos no livro). Prova de como esse tipo de narrativa é popular nas revistas americanas.

Algo que parece ser exigência desse formato é a história contada a partir da dinâmica dos frequentadores do bar, mas as melhores do livro são aquelas que escapam disso. É claro, os diálogos também são determinantes. “Hands of the Man”, de R. A. Lafferty, é uma história curiosa porque o comentário do autor, embutido no texto que se segue ao conto, é mais intrigante e divertido do que a própria história. “A Pestilence of Psychoanaysts” é uma divertida história sobre alienígenas infiltrados, linguagem e psicanálise, é claro, pela analista Janet O. Jeppson — a viúva de Asimov. “The Regulars”, de Robert Silverberg, é um conto bem bacana, estilo Além da Imaginação e podendo se passar em uma espécie de dimensão além da vida. A melhor história do livro deve ser, porém, a premiada noveleta “Unicorn Variation”, de Roger Zelazny, em que um sujeito tem que lidar com um unicórnio e suas demandas (o bicho é beberrão) no saloom de uma cidade fantasma. Hilariante. Histórias de Darreel Schweitzer, Gardner Dozois, L. Sprague de Camp & Fletcher Pratt, Grendel Briarton, Steven Barnes, John Gregory Betancourt, Spider Robinson, Margaret St. Clair, Avram Davidson, Algis Budrys, Randall Garrett, Barry B. Longyear, John M. Ford & George H. Scithers completam essa antologia tão irregular que acabou sendo uma leitura meio morna. Ou talvez seja apenas eu, o abstêmio, e minha aversão ao botequim. Ainda sobre James Warhola, consta que o tio Andy Warhol ficou triste, tadinho, quando ele escolheu se tornar um artista de ficção científica. Aquelas coisas…

 

Oscar Niemeyer, de Guilherme Wisnik. São Paulo: Folha de S. Paulo, Coleção Folha Grandes Arquitetos Vol. 2, 2011, 80. Páginas. Capa dura. A convivência com Taira Yuji, fundador do Estúdio Desire e arquiteto de formação, aliada à necessidade de aprofundar as descrições das histórias do Universo GalAxis, me levaram a um esforço de conhecer alguns nomes da arquitetura de cunho futurista. Sendo brasileiro, o primeiro arquiteto futurista de que tomei conhecimento, ainda criança, foi o nosso Oscar Niemeyer. Nada mais justo que eu começasse esse esforço lendo o volume dedicado a ele, na Coleção Folha Grandes Arquitetos, distribuída nas bancas.

Os livros da coleção trazem sempre uma apresentação do arquiteto, uma cronologia de biografia e obra, a discussão das suas principais construções, uma seção com seus desenhos, e, fechando, algo do seu pensamento. A introdução faz um apanhado da sua importância, depois trata dos seus primeiros passos na formação e seu trabalho com Lúcio Costa, e o contato com o arquiteto franco-suíço Le Corbusier em 1936. Ainda, a primeira obra de destaque na Pampulha; o projeto de Brasília; a questão política e a perseguição sofrida durante o regime ditatorial militar; e o lugar da beleza na sua concepção arquitetônica, com ênfase na leveza das formas. A discussão das obras começa com o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, e termina com o Centro Cultural Internacional Niemeyer, em Avilés, na Espanha. O Edifício Copan, em São Paulo, ficou de fora — talvez por ser uma obra que acabou descaracterizada pela construtora. Também está lá o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (na capa do livro), um favorito meu, por razões óbvias. A seção com os projetos é divertida porque deixa claro que o desenho de Niemeyer sempre teve aquele traço incerto tipo delirium tremens. A seção com o pensamento do arquiteto reproduz um trecho do seu livro Meu Sósia e Eu, de 1992. Niemeyer deixa claro que Pampulha é a obra que o definiu como arquiteto, e reforça o seu compromisso com os valores que sua arquitetura incorpora, de beleza, harmonia, leveza e monumentalidade. A partir daí ele abandonou a arquitetura racionalista para abraçar a versatilidade plástica do concreto. O texto tem um tom de crônica mas adota aqui e algo de defensivo, ao responder às críticas que o arquiteto recebeu ao longo dos anos.

“Poucos projetos de caráter social realizei, e confesso que ao fazê-lo sempre me senti como que conivente com o objetivo demagógico e paternalista que representam: enganar a classe operária, que reclama melhores salários e as mesmas oportunidades. […] Por outro lado, a monumentalidade nunca e atemorizou. Afinal, o que ficou da arquitetura foram as obras monumentais, as que marcam o tempo e a evolução técnica. As que, justas ou não sob o ponto de vista social, ainda nos comovem. É a beleza a se impor na sensibilidade do homem.” —Oscar Niemeyer.

 

Arte de capa de Vicente Abreu.

Viagem Interplanetária, de Soares de Faria. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1956, 174 páginas. Capa de Vicente Abreu. Brochura. Apesar do título e da ilustração de capa, este é basicamente um romance brasileiro de ficção científica de mundo perdido, escrito originalmente em 1938 mas só publicado em 1956. Eu me pergunto se há algum fenômeno embutido nisso, já que A Destruição do Mundo, de Vero de Lima, visto nas minhas leituras de janeiro, também foi escrito na década de 1930 e só publicado na de 1950. Coincidência? Razões econômicas? Razões políticas? O fato é que os dois livros trazem marcas bastante acentuadas da FC brasileira da década de 1930, e ambos partilham de um pensamento católico que colore a sua escrita.

O romance acompanha um imigrante alemão que, depois de uma desilusão amorosa, vem ao Brasil e acaba se dando conta de que continua desconfiando das mulheres em geral. Talvez por isso mesmo ele desenvolve um fascínio pela lenda das Amazonas. Sua pesquisa a respeito, nos corredores da Biblioteca Nacional, lembra o ótimo conto de Gastão Cruls, “Meu Sósia” (1938), que incluí na minha antologia Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica (2007). Também há um duplo no romance de Soares de Faria, uma espécie de manifestação do demônio, que deixa o herói espantado e angustiado. O fascínio pela lenda das mulheres guerreiras leva o protagonista Karl (ou Carlos) à selva amazônica. Lá, ele prontamente encontra um inglês enfurnado na selva. Aqui, a literatura de costumes cede à aventura, e esse segundo personagem, parceiro na aventura, conhece tanto as amazonas quanto os índios que as servem, e a dupla, acompanhada de um curumim extremamente inteligente e despachado, acabam chegando até uma cidade perdida. A narrativa de como os três expedicionários penetram num chapadão, seguindo um rio subterrâneo, é muito boa e tem o tipo de imagética exótica e fascinante que a gente encontra no ótimo O Rei do Mundo Perdido (1944), de Hamilcar de Garcia. A cidade, Salóndia, foi erigida em tempos idos a mando do Rei Salomão. Os salondianos são cristãos, porém, e quando os heróis observam com os seus cientistas, a superfície de Marte, também encontram lá igrejas cristãs:

“Cristo não veio salvar apenas a terra. Na verdade, aqui lhe foi pior a tarefa, porque nêste planeta, de baixa civilização, devia morrer, para redimir os demais. Nos outros mundos não encontraria Judas. Tinha que ser mesmo aqui. Outras terras, nos espaços, já adiantadíssimas, tiveram notícia dessa morte — viram mesmo o desenrolar do drama no Calvário. E bastou-lhes saber que assim foi, para abominarem os grandes pecados. […] Continua, só a Terra, num cáos de sofrimento, porque é insensível ao bem e adóra o mal. Ainda agora, ceifa o canhão insaciável, as vidas que o Cristo deseja para o amôr e a glória.” —Soares de Faria, Viagem Interplanetária.

Bem se vê que Soares de Faria não é C. S. Lewis, pela falta de uma sofisticação argumentativa ou alegória, apesar da coincidência temática. Também não é H. Rider Haggard, pois a mulher que reina na sua cidade perdida, a venerável Salandina, mulher imortal que vive ali desde os tempos das expedições do Rei Salomão, não é a sensual e tirânica Ayesha, mas uma versão cristianizada, pura e distante. (O próprio leitmotif de Salomão lembra Haggard, não esqueçamos.) Assim como em A Filha do Inca ou A República 3000, de Menotti Del Picchia, os salondianos estão cansados da ignorância e da violência humana, e se preparam para empregar seu avanço tecnológico ímpar para abandonar a Terra e se instalarem em Marte (daí o título do romance). Não apenas o romance de Soares de Faria repete recursos de obras precedentes, como o discurso cristão, o mito das amazonas e a figura do duplo maligno não se costuram com o fraco exotismo do mundo perdido carola que os heróis encontram. Como outras obras brasileiras desse subgênero da FC e fantasia, o autor abre mão da aventura em favor do discurso moralizante e pacifista.

Uma Lista de Obras de Mundo Perdido, no Período Pioneiro:

A Amazônia Misteriosa, de Gastão Cruls. 1925.

A República 3000 ou A Filha do Inca, de Menotti Del Picchia. 1927.

Kalum, o Mistério do Sertão, de Menotti Del Picchia. 1936.

O Irmão do Diabo, de Jeronymo Monteiro. 1937. Farsa atribuída a “Walter Baron”, republicada em 1970 como O Ouro de Manoa.

A Serpente de Bronze, de Ronnie Wells (Jeronymo Monteiro). 1938?

O Rei do Mundo Perdido, de Hamilcar de Garcia. 1944.

A Cidade Perdida, de Jeronymo Monteiro. 1948.

Viagem Interplanetária, de Soares de Faria. 1956.

 

Le Corbusier (Le Corbusier), de Stefania Suma. São Paulo: Folha de S. Paulo, Coleção Folha Grandes Arquitetos Vol. 5, 2011, 80 páginas. Tradução de Wally Constantino. Capa dura. Le Corbusier foi um dos pais intelectuais e artísticos de Oscar Niemeyer, que estagiou com ele durante uma visita do arquiteto franco-suíço ao Brasil, na década de 1930. Le Corbusier foi um dos primeiros amantes do concreto armado, na arquitetura modernista. Ele foi o homem do “brutalismo” na arquitetura, por conta da sua adoção de materiais sem acabamento (especialmente o concreto bruto), a partir de fins da década de 1920. Sua inovação de erguer prédios sobre pilones, suavizando o peso dos caixotões modernistas, foi refinada por Niemeyer no edifício do Supremo Tribunal Federal em Brasília, por exemplo. Um aspecto interessante sobre ele foi ter começado como artista plástico, antes de ir para a arquitetura. Por conta disso, seus desenhos e projetos têm uma qualidade artística nas linhas e na tonalidade.

Quanto às obras, os especialistas concordam que o seu projeto da Maison Dom-ino ditou a tendência de linhas simples e retas que definiria o modernismo na arquitetura, no que chamam de estética purista. O concreto armado pré-fabricado interessou o arquiteto como possibilidade de viabilizar construções modulares, ampliáveis e a baixo custo como moradia popular (algo que não se realizou na prática). Um de seus projetos mais ousados, com essas características, foi o de uma cidade para três milhões de habitantes, modular, nunca construída. Seu manifesto da poética purista buscava abraçar o modernismo na arquitetura, incorporando nela expressões do espírito científico, da praticidade e da energia da era industrial, traduzidos poeticamente como uma busca pela pureza. Sua construção mais famosa deve ser a Capela de Notre-Dame-du-Haut, em Ronchamp, França (aparece na capa do livro), mostra que sua estética pode ser relativamente complexa e manter o antigo compromisso com a captura de formas básicas mas expressivas, e que, em meados da década de 1950, parece ter prenunciado o pós-modernismo na arquitetura. Avança mais no futurismo, portanto, e é interessante notar que algumas imagens da fachada norte e oeste da capela parecem sugerir o tipo de solução simples mas futurista das construções de Tatooine, de Star Wars.

 

Arte de capa de Edvard Munch.

Expressionismo (Expressionism), de Ashley Bassie. São Paulo: Folha de S. Paulo, Coleção Folha O Mundo da Arte vol. 8, 2017, 68 páginas. Capa de Edvard Munch. Tradução de Gil Reyes. Capa dura. Meu cérebro não lida bem com oposições binárias, e por isso sempre confundi o Impressionismo e o Expressionismo nas artes. Este livrinho certamente dissolve essa minha confusão. Mesmo assim, Bassie começa lembrando que o Expressionismo não foi um movimento coerente, e sim uma tendência difusa na pintura do início do século 20, primeiro associada a artistas como Gauguin, Van Gogh, Matisse e Cézanne — certamente não identificados com o Expressionismo como ele é conhecido. Acaba sendo que a corrente passa a se identificar mais com a vanguarda alemã, principalmente durante e depois da Primeira Guerra Mundial. Sem apresentar recursos inovadores, é uma arte que emprega o já conhecido para tratar da experiência subjetiva, individual, a partir de distorções de anatomia e perspectiva, simplificação de formas e detalhes, redução de paleta de cores, e interpretação geométrica de formas.

Me interessou em particular a adoção da xilogravura pelo grupo Ponte de Artistas, na Alemanha, porque eu já enxergava uma conexão com as ilustrações de xilogravura de João Mottini (1923-1990) na FC brasileira 3 Meses no Século 81 (1947), de Jeronymo Monteiro, e o Expressionismo. (Mottini também ilustrou, com um estilo completamente diferente, O Rei do Mundo Perdido, de Hamilcar de Garcia.) É uma pena que o livro não explore mais as xilogravuras e litogravuras expressionistas, reproduzindo apenas e en passant um cartaz de Käthe Kollwitz.

Os principais pintores examinados no livro são Max Beckmann, Otto Dix, George Grosz, Wassily Kandinsky, Ernst Ludwig Kirchner, Paul Klee (que incluía elementos gráficos nas suas pinturas), Oskar Kokoshchka, Franz Marc, e Edvard Munch — cujo O Grito,quadro em têmpera e pastel sobre madeira, é a obra mais famosa do Expressionismo.

—Roberto Causo

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