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Leituras de Agosto de 2019

O pânico do leitor compulsivo é terminar uma leitura em situação que não permite engatar a seguinte. Uma vez, terminei um livro enquanto aguardava uma reunião que sofreu atraso, e corri até um sebo próximo, para garantir uma nova leitura no metrô de volta. A outra agrura do leitor compulsivo é começar muitos livros quase ao mesmo tempo, perdendo o foco e deixando de completar nenhum deles. Em agosto, comecei meia dúzia de livros. Um deles foi um título de não ficção para complementar uma pesquisa, sendo que li cerca de 100 páginas até entender que ele não me seria útil. Noutro caso, comecei um romance de ficção científica ambientado no futuro próximo e tendo um velho genioso como protagonista. Ele era tão chato que peguei outra FC, esta ambientada no futuro distante — mas também com um velho genioso como protagonista. Como acho que estou a caminho de me tornar eu mesmo um velho ranzinza, abandonei os dois. Então as minhas anotações deste mês correspondem aos poucos títulos que consegui terminar.

 

As Águas-Vivas Não Sabem de si, de Aline Valek. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2019 [2016], 294 páginas. Brochura. Este é um elogiado romance brasileiro de ficção científica, todo ambientado nas profundezas do mar — uma absoluta raridade no contexto da nossa FC, embora, se a memória não falha, Jorge Luiz Calife tenha explorado esse ambiente em suas histórias do Universo da Tríade. Eu estava de olho no livro de Aline Valek há algum tempo, e durante a Flipop 2019 meu filho Roberto Fideli me conseguiu um exemplar autografado.

As Águas-Vivas Não Sabem de si é um dos romances de melhor reputação, dentro da atual produção da Terceira Onda da FC Brasileira. Como acontece com vários outros exemplos da escrita desse período, me espanta a naturalidade com que a autora estabelece um tom agradável e introspectivo. Os diálogos marcados por aspas certamente contribuem para essa introspecção — que culmina com um segmento final em primeira pessoa.

A narrativa acompanha a mergulhadora Corina, seu colega Arraia, o cientista Martin e outros tripulantes de um submersível em missão de teste de um traje de mergulho profundo. Esse é o objetivo declarado, porque o interesse secreto de Martin é encontrar formas de vida inteligentes, lá embaixo. Isso é segredo não por questões científicas ou comerciais, mas porque o assunto pareceria excêntrico demais para a “ciência séria”. Mas, de fato, Corina e os outros se aproximam de um contato real com uma civilização submarina. Ao contrário daquela do filme de James Cameron, O Segredo do Abismo (The Abyss, 1989), a imaginada por Valek evoluiu incógnita aqui mesmo na Terra. O leitor fica sabendo detalhes muito sugestivos da evolução e da cultura desses seres. Como não há um esforço de estranhamento que distancie a experiência deles da nossa, os trechos que os acompanham — e a vários animais marinhos — têm às vezes um quê de fábula. Sem muito enredo, as complicações surgem em torno de uma doença que pode impedir Corina de mergulhar. Enfim, eu teria apreciado mais o romance se a sua técnica de personagem-ponto de vista fosse mais estrita, e com transições mais marcadas. Parece, porém, que sou o único que reclama desse tipo de coisa, considerando que essa é uma técnica amplamente desprezada pelos autores brasileiros.

 

Arte de capa de Jussara Gruber.

O Livro dos Seres Imaginários (El libro de los seres imaginários), de Jorge Luis Borges & Margarida Guerrero. Porto Alegre: Editora Globo, 1981 [1979], 214 páginas. Arte de capa de Jussara Gruber. Brochura. Parte da coleção da minha esposa Finisia Fideli, este é um livro de não-ficção do mitógrafo Jorge Luis Borges (1899-1986), um dos ficcionistas mais cultuados da América Latina e influentes do mundo, escrito com Margarita Guerrero.

Consta que a sua primeira versão chamou-se Manual de zoología fantástica e foi publicado originalmente em 1957. A versão comentada aqui foi expandida na Espanha e publicada primeiro em 1979. O título original sublinha a fusão frequente em Borges, da ficção e da não ficção, ou da ficção e do ensaio. O livro descreve seres imaginários dos mundos da religião, do mito, do folclore, e da literatura. Os verbetes ou entrada aparecem fora de uma ordem alfabética ou qualquer outra discriminação evidente, como a clássica, nórdica ou oriental. O primeiro ser é o dragão e o último. a “lebre lunar”. Entre um e outro, existem 114 seres, entidades ou monstros. Extraídas da literatura de fantasia e ficção científica há criações de C. S. Lewis, Edgar Allan Poe, Franz Kafka (o “odradek” e outros), H. G. Wells e Lewis Carroll. Há seres africanos, americanos, europeus e orientais. Os textos são críticos e levemente irônicos, descrevendo mas também dedicando algum comentário sobre o sentido de cada ser. Criaturas vistas comumente na literatura de fantasia, como trolls, gnomos, elfos e dragões, bem como golens, sereias, unicórnios, harpias e djins, merecem a atenção do leitor e do autor do gênero, para um entendimento mais aprofundado de cada uma, para além — ou sugestivamente distante — das suas explorações ficcionais costumeiras. As esparsas xilogravuras de Jussara Gruber (que mereciam reprodução mais caprichada) coroam esta edição que foi para a minha prateleira de livros de referência e de estudos.

 

Arte de capa de Anne Sudworth.

Enchanted World: The Art of Anne Sudworth, de Anne Sudworth & John Grant. Paper Tiger, 2000, 112 páginas. Capa dura. Minha esposa Finisia Fideli adquiriu este livro da Paper Tiger há alguns anos, em uma Virada Nerd na loja Terramédia — hoje Omniverse. A artista inglesa Anne Sudworth é uma pintora de galeria que ocasionalmente produz ou produziu capas de livros de fantasia. É um caso raro de coincidência temática de arte de fantasia (geralmente concentrada na ilustração editorial) e belas artes, lembrando a gente do conceito de arte mítica que o ramo da fantasia mítica de Charles de Lint e Terri Windling explora desde a década de 1980. É exatamente essa coincidência o que o escritor John Grant discute no texto que acompanha as reproduções. A primeira coisa que impressiona é que Sudworth realiza os efeitos de clareza e luminosidade próprios da tinta acrílica com o uso, muito incomum na pintura de quadros, de tintas pastéis. 

O capítulo 1, “Of Fantasy and Reality” apresenta Sudworth e traz paisagens, com os efeitos peculiares de luz que caracterizam a artista, e alguma pintura equestre (inclusive natureza morta) feita por ela. Mas ele começa apontando o conteúdo fantástico das obras de nomes de peso como Salvador Dalí e René Magritte, e a qualidade artística de ilustradores de FC com Ron Walotsky, Bob Eggleton, John Harris e Richard Powers que dobram ou dobraram como pintores de galeria ou que poderiam fazê-lo. O trabalho de Sudworth tende para o hiper-realismo e a fantasia está, muitas vezes, presente na atmosfera. Suas paisagens, frequentemente tomadas de lugares reais, formam uma defesa muito forte da conexão entre geografia física e histórica, folclore e fantasia. Trata-se, é claro, das ilhas britânicas. O capítulo “Of Leaf and Tree” explora árvores à noite, marcadas por luzes irreais que, para qualquer um que tenha dirigido ou caminhado, como eu, à noite em estradas de terra batida, capturam uma frutífera tensão entre a verdade do olhar e a da imaginação. Uma qualidade etérea tão discreta, que é como o seu hálito mal percebido em uma noite mal iluminada. Não tenho problemas em admitir que as imagens desse capítulo inspiraram o meu conto “Escultura Negra em Noite Escura”, na antologia Histórias (Mais ou Menos) Assustadoras (2019), da Agência Magh, editada por Grabriela Colicigno & Roberto Fideli.

“Of Dragon and Dreams” agrupa pinturas que se aproximam mais da pintura narrativa da fantasia como campo editorial, às vezes com alguma deficiência fisionômica de heróis e magos, ou simplificação na figura de quimeras e dragões. Mas sempre com muita atmosfera, como na pintura do lindo unicórnio que também vemos na capa. De fato, mesmo com a iconografia do gênero, a proposição subjacente, na sua arte, de que magia ou sobrenatural estão mais na atmosfera é sempre sublinhada. A força das suas paisagens retorna em “Of Spirit and Stone”, com duas pinturas estasiantes de Stonehenge e outros outros monumentos paleolíticos, além de castelos e ruínas. Nessa modalidade, a alternância das superfícies suaves e homogêneas dos pastéis, e os efeitos mais granulados, imbuem as pinturas da aura fantástica. A iconografia do gênero retorna com mais eficácia no último capítulo, “Of Visions and Views”, mas misturada com paisagens e naturezas mortas. É interessante que a qualidade épica das artes de capa de uma trilogia da escritora Storm Constantine é atenuada pela atmosfera noturna, que ampara a composição estática, evocativas da pintura de capa de livros de horror, mas sem nunca penetrar de fato nesse gênero. Torno a destacar a qualidade das análises de John Grant em cada um dos capítulos, mas os comentários da artista, dispostos como legendas das reproduções, não fica atrás na sua capacidade de iluminar os sentidos e os processos por trás de cada uma das pinturas.

 

Quadrinhos

Arte de capa de Chris Scalf.

Star Wars Legends: Boba Fett Está Morto (Star Wars: Blood Ties: Boba Feet Is Dead), de Tom Taylor (texto) e Chris Scalf (arte). São Paulo: Panini Comics, 2014, 170 páginas. Arte de capa de Chris Scalf. Brochura. Mês passado eu li Boba Fett: Inimigo do Império, e neste mês decidi ficar com o mermo personagem de Star Wars. Desta vez, um sujeitinho chamado Connor Freeman, que tem uma cantina em Coruscant, partindo do planeta para investigar a morte de Fett, que o teria ajudado no passado. Pontuando a chegada dele ao planeta Sathiemon, há uma série de situações que mostram pessoas que testemunharam o suposto assassinato de Fett sendo mortas. Freeman entra na mira do Império, acaba ferido e resgatado por um cara que se revela como sendo o próprio. Fett conta o que aconteceu com ele, e os dois se juntam para visitar uma caçadora de recompensas chamada Sintas Vel, que Fett deseja proteger. Por trás da intriga em torno do grupo que deseja ver Fett morto e de como eles tentam caçá-lo, há a revelação de que o famoso caça-prêmio de armadura mandaloriana tem uma família. É um toque interessante por ser, justamente, humanizador do personagem. A arte digital de Chris Scalf tem pontos fortes, mas eu a achei de “pinceladas” meio frouxas e uma certa rigidez dos personagens, talvez por conta de algum apoio fotográfico na criação dos desenhos. Freeman retorna em outras histórias de Fett da sequência Blood Ties.

Em “Sacrifício”, Cam Kennedy, novamente ilustrando roteiro de John Wagner, por outro lado é preciso, solto, dinâmico e vigoroso em uma narrativa de quadrinhos que funciona bem mesmo sem balões. Além disso, o trabalho de colorização de Chris Blythe é bonito e inspirado, com um contraste entre tons quentes e frios que traz muita personalidade aos ambientes noturnos. Junto com o estilo de Kennedy, que diverge bastante do hardware e da visualidade de Star Wars, tem-se nesta HQ uma experiência estética mais européia. É claro, não há nada que humanize Boba Fett no roteiro cínico de Wagner, na história de como o caça-prêmio acaba auxiliando, por força das circunstâncias, um grupo de revoltosos. O filosófico líder dos rebeldes, por outro lado, é um personagem sólido e humano, que nos diz:

“Ele [Fett] não é maligno… É pouco mais que uma máquina, uma ferramenta para realizar um trabalho. Ele é um homem sem coração, sem sentimentos, sem nenhum interesse além do preço sobre a cabeça de outro homem. Nós, pelo menos temos alguém por quem vale a pena viver e morrer. Eu tenho pena de Boba Fett.” —John Wagner, “Boba Fett: Sacrifício”

Fecham o livro uma história de Ron Marz com desenhos da brasileira Adriana Melo; e uma quarta, bem estilizada, com roteiro de Thomas Andrews e arte de Francisco Ruiz Velasco.

 

Arte de capa de Moebius.

Graphic Novel 11: Surfista Prateado, de Stan Lee (texto) & Moebius (arte). São Paulo: Editora Abril, maio de 1989, 64 páginas. Revista. Há pouco tempo, a Panini reeditou esta colaboração entre dois monstros sagrados dos quadrinhos internacionais em formato gigante e em capa dura. Eu encontrei esta primeira edição no Brasil em uma caixa de papelão e resolvi reler. A introdução de Stan Lee trata de como ele e Moebius (Jean Giraud) almoçaram juntos durante a Comic Con de San Diego em , quando surgiu a ideia de uma colaboração entre os dois. Moebius (1938-2012), então famoso por desenhar o Incal de Alejandro Jodorowski, se mostrou interessado no heróis Surfista Prateado, criação de Lee e Jack Kirby. Segundo os textos de apoio da publicação, o roteiro de Lee (1922-2018) tinha apenas seis páginas e era totalmente dissertativo, sem aquelas divisões de praxe entre texto dos balões e descrição da cena. O resultado é um comentário bem década de 1980 sobre tele-evangelismo, democracia de “massa”, distúrbios civis generalizados e, o mais importante, o fetiche do poder que está por trás de muito das organizações religiosas e políticas dos nossos tempos. Especialmente agora que a política, em várias partes do mundo, regrediu para a extrema direita.

Na história, o Surfista Prateado vive incógnito nas ruas de Nova York quando o seu antigo mestre, o superser Galactus retorna à Terra. Tendo prometido ao seu ex-batedor nunca mais usar o seu poder de destruição em nosso planeta, Galactus recorre a um estratagema: tudo o que ele lança sobre a humanidade é a sua presença e um discurso de anarquismo hedonista radical. O mundo moderno é o mundo do oportunismo, com os espertos sempre subindo no “bonde” do momento, não importando os estragos lá embaixo no nível da sarjeta. O super-herói filósofo se lança à defesa da humanidade disposto a um martírio quase crístico, conquistando o coração bem intencionado da jovem irmã de um tele-evangelista especialmente canalha. A narrativa é muito eficiente e põe um dedo necessário em certas feridas, mesmo enquanto mantém as estruturas narrativas pulps que fundamentam tanto das HQs de super-heróis, e a mitologia do Universo Marvel. O desenho de Moebius varia um pouco ao longo da história, que é relativamente curta. Ele racionaliza essa irregularidade, num dos textos que acompanham a publicação.

 

Príncipe Valente 1942, de Hal Foster. Editora Planeta deAgostini, 2019, 62 páginas. Tradução de Carlos Henrique Rutz. Introdução de Pablo Kurt Rettschalg Guerrero. Capa dura. Na introdução deste volume, o prefaciador Pablo Guerrero faz uma interessante defesa da arte e da cultura da Idade Média, declarando:

“A Idade Média, diferentemente do que se pode pensar, não foi um período estéril ou obscuro no desenvolvimento da intelectualidade.” —Pablo Kurt Retschalg Guerrero.

Na história em quadrinhos propriamente, o Príncipe Valente vai à Africa, depois de se associar ao pirata viking Boltar, que chegou a aparecer na adaptação dessa história em quadrinhos para o cinema, em 1954. No volume anterior, ele enfrentou uma tripulação de aloprados para evitar que eles se dedicassem à pirataria, e aqui ele segue com os piratas vikings. Esse é um dos pontos de contradição da saga criada por Hal Foster — seu herói é um herói cristão, quer dizer, ele promove civilização, lei e ordem sempre que pode, mas é ao mesmo tempo um aventureiro que topa o que aparece. O que importa é manter a aventura girando. Desse modo, o que era para ser um ataque dos vikings a uma aldeia dos nativos da África equatorial se transforma providencialmente no resgate dos nativos, quando Valente e os outros afastam de lá um grupo de gorilas que assustava os moradores. Improvável, já que os gorilas dificilmente se meteriam com humanos e suas lanças, zarabatanas e flechas. Mas o que importa é que o possível massacre dos nativos se transformou em um acerto em que eles foram livrados de um incômodo e recompensados com ouro.

Quando partem da África e chegam ao primeiro porto europeu, por uma dessas coincidências espetaculares que povoam a aventura como modo ficcional, Valente fica sabendo que seu amigo Sir Gawain foi feito prisioneiro por um lorde local, que quer cobrar o resgate por Gawain, da corte do Rei Artur. Ele paga o resgate, mas Boltar tem os seus próprios planos para reaver o ouro entregue ao vilão. É claro, a primeira coisa que o recém-libertado Gawain faz é flertar com uma senhora casada, o que leva a situações cômicas envolvendo o marido. O próximo encontro fortuito leva a dupla a se pôr a serviço de um nobre sitiado por um barão rival — e a uma situação do tipo Romeu & Julieta envolvendo a filha de um e o filho do outro, além de uns truques defensivos que Valente puxou da manga. A situação dramático-romântica sai de cena e entra uma outra, cômica, envolvendo dois cavaleiros idosos em uma ridícula justa, e as suas esposas. A dupla mal sai dessa situação, e se deparam com uma dama em apuros, que os leva a uma trama sobrenatural. A transição aqui é muito sutil, com as sombras do desenho e as árvores desgalhadas sugerindo o novo “clima”, em nova sugestão da versatilidade de Foster como artista. Virando a página, painéis sombrios, intrincados, fabulosos, e mais tarde um jogo de luz e sombra digno do cinema expressionista da época. A trama é trágica, genuinamente, e termina apropriadamente com o incêndio das ruínas. Tudo se clareia em antecipação ao reencontro com Boltar e Lancelot, precedendo, enfim, o retorno a Camelot — onde encrencas na fronteira norte, no que seria futuramente a Escócia, aguardam o herói. As peripécias são mais sérias, e incluem Val sendo feito prisioneiro pelos pictos, que o entregam a invasores vikings. Antes de ser resgatado por Gawain, para variar, ele sofre tortura e passa por longa convalescença. De volta a Camelot mais uma vez, ele expõe suas cicatrizes à corte em um dramático painel, motivando os bretões para uma incursão contra os vikings. Desse modo, o volume termina com uma das sequências de ação mais impactantes e cruéis desse período das aventuras do herói, o duelo de Val contra o guerreiro viking Thundaar e o seu machado de batalha.

Têm-se neste volume em particular um exemplo consumado das dinâmicas de leitura da página dominical, com curtos arcos desenvolvidos com rapidez, alternados com outros mais curtos e episódicos, e um mais longo de abertura mais lenta e intensidade superior. Desse modo, o leitor da época era apresentado a situações diversas, amparadas pelo lapso de atenção entre uma semana e outra, mas com o herói sempre conservando o foco e o interesse.

—Roberto Causo

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Leituras de Julho de 2018

O destaque deste mês foram dois romances brasileiros recentes que se debruçaram sobre um momento da história no qual o Estado adotou medidas extremas motivadas pelo contexto da Segunda Guerra Mundial. O mês também trouxe espaço para não ficção, arte e quadrinhos.

 

Universo Alien: Se os Extraterrestres Existem… Cadê Eles? (Alien Universe), de Don Lincoln. São Paulo: Editora Cultrix, 2017 [20313], 320 páginas. Brochura. Tradução de Humberto Moura-Neto & Martha Argel. Em de 25 de maio, participei, com a pesquisadora Cláudia Fusco e o editor Adilson Silva Ramachandra, de uma mesa durante o laçamento do livro de não ficção de Adam Roberts, A Verdadeira História da Ficção Científica, pelo selo-irmão da Cultrix, Seoman. Fui presenteado com o titulo em lançamento, e com A Vida de Philip K. Dick: O Homem que Lembrava o Futuro (Philip K. Dick: The Man who Remembered the Future), de Anthony Peake — e também este Universo Alien. Seu autor, Don Lincoln, é um físico e divulgador, já tendo escrito para a famosa e longeva revista de ficção científica Analog. Presume-se de saída que ele conheça os assuntos do livro, a ciência da exobiologia e a própria FC — em como o gênero influencia a consciência coletiva no assunto OVNI e ufologia. E de fato, Lincoln demonstra grande conhecimento de todos os assuntos. Assim como Carl Sagan antes dele, sua preocupação é limpar um terreno científico do folclore, do misticismo e da má fé. A diferença é que ele é mais moderado em sua abordagem, e o resultado é um texto de grande clareza e precisão, leve e — ao mesmo tempo que dotado de uma medida exata dessa didática muito particular — respeitoso com as posições opostas. Mais um professor, portanto, e menos um cruzado fundamentalista científico. Note-se ainda, que se encontra em uma excelente tradução do casal Humberto Moura-Neto e Martha Argel.

A primeira obra de FC discutida é A Guerra dos Mundos (1897), mesmo porque esse romance de H. G. Wells fundamentava-se em ideias do século XIX acerca da possibilidade de vida em Marte. Lincoln também trata do Marte de Edgar Rice Burroughs, e, mais adiante, menciona nomes importantes da FC. As franquias Star Trek e Star Wars são igualmente mencionadas. A história da ufologia, a partir do relato de Kenneth Arnold em 1947, é explorada e logo o autor estabelece paralelos entre a questão dos discos voadores e a ficção científica popular da época, especialmente no cinema. Qualquer um que, como eu, tem interesse pela FC e pela ufologia, deve ter notado que tais paralelos existem — vejam, por exemplo, minha antologia Estranhos Contatos: Um Panorama da Ufologia em 15 Narrativas Extraordinárias (1998). Don Lincoln discute muito bem esse fato, até encerrar o livro com uma reflexão bem embasada sobre como seria a vida extraterrestre a partir do que se sabe sobre química, física e a vida na Terra. Universo Alien torna-se, portanto, uma obra de divulgação científica de interesse tanto para fãs e escritores de FC (que podem fundamentar melhor suas especulações sobre o assunto), quanto para quem deseja entender melhor a ufologia como fenômeno cultural dos nossos tempos.

 

Arte de capa de Paula Cruz.

Sobre a Imortalidade de Rui de Leão, Anônimo, ed. Pontes Gestal, SP: Plutão Livros, 1.ª edição eletrônica, 2018, 2784KB. Capa e ilustrações internas de Paula Cruz. Prefácio de Roberto de Sousa Causo. Eu tive a honra de ser procurado pelo editor André Caniato, da Plutão Livros, para escrever o prefácio deste e-book — certamente por conta de ter incluído a história de Machado de Assis, “O Imortal”, na antologia Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica (Devir Brasil, 2007), então uma indicação de Marcello Simão Branco.

O e-book reúne não apenas “O Imortal”, que é de 1882, mas também “Rui de Leão” (1872). Um conto deu origem ao outro; isto é, dez anos depois da primeira publicação, Machado viu impressa a segunda versão da história do aventureiro português Rui de Leão, que se torna imortal depois de beber uma poção indígena, entre os tamoios, durante o período colonial, e vive os eventos de séculos futuros. Ostensivamente, Machado afirmou que reescreveu o conto para “ganhar uns cobres”, mas entre uma e outra há uma evolução interessante. A segunda é mais sofisticada, de ironia mais fina e menor comicidade, com uma espécie de parêntese abraçando a narrativa do fidalgo — envolvendo seu filho a narrar as peripécias do pai, a um número de figuras da sociedade local, em noite de chuva. A edição da Plutão Livros tem uma capa marcante por Paula Cruz e um sólido tratamento editorial, que, salvo engano, a coloca um pouco acima dos e-books que eu andei vendo por aí. Chamou a atenção nas redes sociais. Note-se ainda que o livro saiu, oportunamente, no aniversário de 110 anos da morte do escritor. Você pode ler o prefácio, por cortesia de André Caniato, aqui.

 

 A Segunda Pátria, de Miguel Sanches Neto. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2015, 318 páginas. Brochura. Este é um romance brasileiro de ficção científica de história alternativa, província de Gerson Lodi-Ribeiro, Roberval Barcellos e uns poucos outros, apesar do steampunk, mais popular, às vezes resvalar por essa modalidade de FC recursiva. O enredo aqui margeia um dos temas mais explorados do subgênero: a variação em torno da II Guerra Mundial. Provavelmente, A Segunda Pátria não existiria sem que antes fosse publicado Complô Contra a América (Plot Against America; 2004), do recentemente falecido Philip Roth, agora em maio. Por sua vez, acredito que o romance do importante escritor judeu-americano não teria sido escrito não fosse o clássico O Homem do Castelo Alto (The Man in the High Castle; 1962), de Philip K. Dick. Em todos os casos, temos uma visão distópica do home front, no aftermath (no caso de Dick) ou pouco antes e durante o conflito. No seu livro, Sanches Neto explora o fato de Getúlio Vargas ter nutrido simpatias fascistas para sugerir que ele teria, nessa linha temporal alternativa, facultado uma presença nazista mais ostensiva no território brasileiro.

A narrativa alterna seções vividas pelo ponto de vista de dois personagens diferentes. Um deles, o engenheiro Adolpho Ventura, é um germanista afro-brasileiro. O outro é uma jovem, Hertha, espécie de fêmea prototípica germânica, hipersexualizada como a posterior Laura de Dezoito de Escorpião (2014), de Alexey Dodsworth, e como a anterior Vera Blumenau de Santa Clara Poltergeist (1991), de Fausto Fawcett. Adolpho aparece primeiro entregando seu filho bebê aos pais, antes de desaparecer após se apresentar a uma delegacia, como exigem as novas leias. Ele é encaminhado a uma fazenda para trabalhos forçados, enquanto seus pais fogem do Sul do Brasil, rumo ao Sudeste, como refugiados raciais — em andanças angustiadas e aflitivas como as da heroína de The Underground Railroad (2016), de Colson Whitehead. Enquanto isso, na fazenda modelo nazista tropical, seu filho tem a pele marcada como uma rês e trabalha como escravo, literalmente. Na outra linha narrativa, Hertha é contratada, como uma cortesã das antigas, para entreter um convidado especial vindo da Alemanha. Basta pensar no pior, dentro do contexto, para antecipar quem é essa figura misteriosa. A Segunda Pátria é modernista na estrutura e em boa parte da escrita — com diversas seções do romance tendo andamentos diferenciados —, mas flerta com a literatura pulp em vários momentos e situações. Na linha de Adolpho, que cai em si e abraça sua herança afro ao adotar o nome Trajano, há uma revolta dos negros escravizados e emboscadas nas florestas sulistas, com guerreiros despencando de árvores sobre a milícia nazista que os persegue. Mas é o frisson erótico politicamente incorreto em torno de Hertha nos primeiros momentos da sua linha narrativa, que se beneficia mais do pulp e se configura como o ponto mais interessante de se acompanhar, no romance. O encontro das duas linhas é intrigante, embora menos intenso, e reafirma justamente a qualidade mestiça da formação do brasileiro. A questão que o romance coloca acabou, pela superposição de fatos da vida real, política e social, do Brasil de hoje, ganhando uma relevância maior do que a denúncia velada do racismo presente na história do Sul. Afinal, o Brasil atual marcha cadenciado e convicto, rumo ao passado. A imagem da capa eu peguei na www. Aparentemente, no país a produção gráfica não é uma arte exata, e a imagem do mapa brasileiro, de ponta cabeça e apenas num tom mais escuro de vermelho, praticamente não aparece no exemplar que eu li.

 

Malditas Fronteiras, de João Batista Melo. São Paulo: Benvirá, 2014, 280 páginas. Texto de orelha de Luiz Bras. Brochura. A coincidência temática me fez pegar de novo este que é o segundo romance do multipremiado escritor mineiro João Batista Melo, também um festejado contista. O primeiro romance foi Patagônia, de 1998, uma espécie de western ambientado na América Latina de fins do século XIX, com um brasileiro que caça por vingança a famosa dupla de assaltantes Butch Cassidy e Sundance Kid no seu exílio sul-americano. Malditas Fronteiras é um romance mainstream de época, ambientado em Minas Gerais nos anos da eclosão da II Guerra Mundial. Ganhou o concurso Prêmio Nacional Cidade de Belo Horizonte. É narrado pelo ponto de vista de uma família germânica envolvida com produção de cerveja artesanal, com agregados que incluem uma pintora judia que fugiu dos nazistas, e um menino brasileiro que tem ligação muito forte com Sophie, neta do cervejeiro Konrad Petersen. A condição de cegueira de Sophie a torna uma personagem que convoca a nossa ternura, e que simboliza a inocência de quem não enxerga divisões sociais.

Em Malditas Fronteiras, a situação é inversa à de A Segunda Pátria, e em mais de um sentido. A história aqui é aquela que conhecemos, e que insistimos em esquecer. Imigrantes alemães, italianos e japoneses sofreram a repressão do Estado e a desconfiança da sociedade brasileira, depois que o país entrou na guerra em 1943. Boa parte da tensão que a narrativa fomenta vem dos extremos que orbitam em torno dos Petersen, com um tio que vê oportunidades em aderir ao extremismo nazista, e com o pai do brasileirinho Valentino, que vê oportunidades em agredir a família alemã, fomentando o ódio popular contra ela e os alemães em geral. “Oportunidades” aqui é no sentido de sublinhar o oportunismo social e financeiro que surge nesses momentos de reorganização da sociedade. Se Miguel Sanches Neto misturou pulp e mainstream na narrativa do seu romance, João Batista Melo — que como contista já escreveu várias narrativas de ficção científica (inclusive a história alternativa “A Moça Triste de Berlim”), fantasia e realismo mágico — se mostra aberto para a ficção de gênero nas muitas epígrafes do seu. Nelas, J. R. R. Tolkien e Ray Bradbury aparecem juntos, por exemplo, com Clarice Lispector e Ian McEwan. E o tom que João Batista estabelece no livro é mais consistente do que o de Sanches Neto. Às vezes melancólico, às vezes pungente, sublinha com perfeição o sentimento trágico que sobrevém quando uma sociedade cede a posições extremistas. Ao mesmo tempo, esse tom é a marca de um estilo límpido e humano, um deleite para o leitor.

“Neste seu segundo romance, João Batista Melo prova mais uma vez que é um dos prosadores mais talentosos da geração 90.” —Luiz Bras (no texto de orelha de Malditas Fronteiras).

 

Arte de capa de Leo Pinheiro.

Sketchbook, Leo Pinheiro. São Paulo: edição do autor, s.d., 36 páginas. Capa de Leo Pinheiro. Brochura. Aqui está mais um sketchbook para a minha coleção, que inclui um material muito bacana de Gio Guimarães, Jeffrey Catherine Jones, Arthur Suydan (dois volumes) e Daniel HDR.

Eu comprei esse sketchbook do paulistano Leo Pinheiro no finzinho do mês na banca da Praça da Liberdade, o bairro oriental localizado aqui na região central de São Paulo. E o traço fino de Pinheiro de fato puxa para o mangá, o quadrinho japonês. Mesmo quando o artista faz, aparentemente, encomendas (requests) de super-heróis da Marvel ou da DC Comics. Inclusive, Leo Pinheiro dá aula na AreaE Escola de Arte, especializada em mangá e localizada lá mesmo na Liberdade. As suas figuras humanas são elegantes e bem proporcionadas, de rostos e poses expressivas, puxando para o juvenil. Há apenas uma página de quadrinhos no livro, porém. Alguns desenhos são bem infantis, expressando a versatilidade do artista. Gostei especialmente do desenho em que aparecem Groot e Rocky Racoon, inspirado no filme Guardiões da Galáxia. E este do dragão que a gente vê na capa, arte-finalizado a nanquim. Seu sketchbook acaba sendo, porém, uma edição bastante amadora e não traz muitas informações sobre o artista, mas cumpre a sua função. Pretendo, inclusive, acompanhar o trabalho de Leo Pinheiro no futuro.

 

Animais Fantásticos e Onde Habitam: Guia dos Personagens (Fantastic Beasts and Where to Find Them: Character Guide), de Michael Kogge. Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores, 2016, 144 páginas. Capa dura. Traduzido por Regiane Winarski. Já afirmei aqui que Animais Fantásticos e Onde Habitam foi meu filme favorito de 2016, e já tratei de um outro livro-guia do filme dirigido por David Yates. Este tem como foco os personagens, e também foi adquirido em uma unidade das Lojas Americanas aqui perto de casa, por um preço bem razoável.

O autor Michael Kogge estrutura o livro como fichas dos personagens, mas fornece alguma contextualização das situações do filme. Ele se esforça para não revelar demais, ao mesmo tempo em que menciona personagens que não entraram no corte final. Isso é interessante por alargar as relações dos heróis. Obviamente, o livro foi preparado antes do lançamento do filme. A tradução parece divergir um pouco do que eu me lembro de ter visto na telona, talvez também por isso. As fotos são o ponto forte do livro, assim como o material de design gráfico, já que a produção criou toda uma expansão do conteúdo do filme sob a forma de folhetos, cartazes, documentos e publicações. É um material muito rico, sugestivo — e também irônico, com uns trocadilhos bem sutis. Eu gostei especialmente da foto dos atores/personagens, cada um diante do seu painel personalizado no estilo art déco. O livro deixa de agregar uma ficha técnica do filme, justamente com os nomes dos atores e dos desenhistas de produção, provavelmente por ser dirigido a um público muito jovem que, supostamente, não se interessa por esses detalhes.

 

Quadrinhos

Arte de capa de Gustavo Vícola.

Star Wars Infinitos: O Retorno de Jedi (Star Wars Infinities: Return of the Jedi), de Adam Gallardo (texto) e Ryan Benjamin (arte). São Paulo: Panini Comics, 2018, 106 páginas. Capa de Rodolfo Migliari. Tradução de Gustavo Vícola. Brochura. Este é o livro que fecha uma exploração alternativa das situações da trilogia inicial de Star Wars (1977, 1980 e 1982) no cinema. A divergência é imediata: Leia Organa é desmascarada de saída, no palácio de Jabba the Hutt em Tatooine. O resgate de Han Solo é protelado, Boba Fett foge levando-o preso no bloco de carbonita para vendê-lo diretamente ao Império, e o retorno Luke a Dagobah também é adiado. Por conta disso, quando Han sai da carbonita, tempo demais se passou e ele acaba cego permanentemente. Ao mesmo tempo, Luke perde o adeus do moribundo Yoda — que depois aparece espiritualmente a ele junto com Ben Kenobi, para dar alertas mais extensos do que os do filme. Essa cena é um ganho, assim como a ação tática em Endor, que não envolve os heróis perdidos na superfície do planeta para fazer contato com os ewoks. Lando Calrissian tem mais tempo de cena e participa do resgate nos últimos instantes da Estrela da Morte 2.0. O ponto de reorganização mais importante do enredo é afastar Leia da sombra de Han e colocá-la no local do duelo entre Luke e Vader, de modo que os dois irmãos participem do virada moral do vilão de armadura negra. O imperador escapa, e a conclusão da trilogia fica em aberto — o que até pode ser interessante. A conversão de Vader é que soa absolutamente inverossímil e em desequilíbrio com os seus crimes anteriores.

A narrativa em quadrinhos de Ryan Benjamin é competente, mas ele não é um bom fisionomista nem lida particularmente bem com o conhecido hardware de Star Wars. Ainda assim, este episódio de Infinitos vale a leitura para aguçar o nosso senso crítico deste que é o pior dos filmes da primeira trilogia criada por George Lucas. O filme poderia ter sido muito melhor.

 

Arte de capa de Ricardo Delgado.

Age of Reptiles: Tribal Warfare, de Ricardo Delgado. Milwalkie, OR: Dark Horse Comics, 1996, 132 páginas. Introduções de Ray Harryhausen e John Landis. Capa de Ricardo Delgado. Brochura. Este é um livro de quadrinhos que eu vinha namorando há um bom tempo — desde que a loja Omniverse ainda se chamava Terramédia. Ele foi danificado por uma tempestade que se abateu há anos sobre o bairro do Cambuci, em São Paulo, daí a minha hesitação. Deu para ler sem problemas, de qualquer modo, e para apreciar o rico desenho do artista de storyboard Ricardo Delgado. Daí, inclusive, ele ter alguns grandes nomes da FC e da fantasia no cinema fazendo a apresentação deste que é o seu primeiro livro de quadrinhos: os diretores e produtores Ray Harryhausen e John Landis.

As tribos em guerra, que aparecem no subtítulo, são um bandos de velocirraptores e alguns tiranossauros. Seu conflito eterno é como aquele entre leões e hienas, nas savanas da África. A narrativa de Ricardo Delgado abre mão de balões com texto e de onomatopeias — é composta exclusivamente por imagens. Seu desenho é expressivo, de texturas precisas e dinamismo nas figuras. Lembra bastante o do famoso William Stout, que também se dedicou ao desenho de dinossauros, inclusive aparecendo no Brasil com o livro de contos de Ray Bradbury, Contos de Dinossauros. Delgado deu uma cara própria a cada um dos personagens animais, sem apelar para a sua humanização. Como artista de storyboards, ele sabe contar com precisão e competência uma história com imagens, buscando ângulos sugestivos e situações e atmosferas diversas. Obcecados com a sua luta constante, as duas tribos dão mole para uma terceira força: uma espécie de pró-símio pré-histórico, sublinhando aí, como foreshadowing engenhoso, a sucessão dos grandes lagartos  pelos mamíferos e pelo Homo sapiens. Há algo de bem pouco científico, porém, na descrição que Age of Reptiles faz dos dinossauros. A razão dos elefantes, o maior animal terrestre do planeta, não galoparem — a mesma razão de um tiranossauro, que tinha várias vezes o peso de um elefante, não poderia sobreviver a uma queda de sessenta metros.

—Roberto Causo

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Leituras de Janeiro de 2018

O ano começa como o ano anterior havia terminado com um livro de Ana Cristina Rodrigues, e começo este com outro livro da mesma autora. A fantasia foi bem representada nas minhas leituras de janeiro, que também incluíram, porém, FC cyberpunk e feminista.

 

Arte de capa de Frede Tizzot.

Fábulas Ferais: Histórias dos Animais de Shangri-lá, Conforme Relatadas no Atlas Ageográfico dos Lugares Imaginários, de Ana Cristina Rodrigues. Curitiba: Arte & Letra Editora, 2017, 86 páginas. Capa de Frede Tizzot. Capa dura artesanal. O último livro que li em dezembro do ano passado foi Minicontos de Fadas (Aquário, 2017), de Ana Cristina Rodrigues, e o mês de dezembro foi substancialmente dedicado à leitura de livros da Arte & Letra Editora, de Curitiba. Então eu começo 2018 lendo outro livro de Ana Cristina, e um lançado pela Arte & Letra. Trata-se de um livro particularmente bem cuidado nos seus aspectos gráficos, com uma maravilhosa capa dura artesanal de Dani Shuster & Patricia Jaremtchuk.

O título já nos diz que se trata de uma montagem de fábulas de animais, mas o reino de Shangri-lá, por agrupar bichos de todos os cantos e de espécies de continentes diversos, tem  uma qualidade própria de Nárnia, a imortal criação de C. S. Lewis. Inclusive, apresenta animais fabulosos como quimeras e minotauros. O livro é o primeiro título de um universo maior, o do “Atlas Ageográfico de Lugares Imaginados”, que já tem página no Facebook. A estrutura de Fábulas Ferais é episódica (valendo aí um índice, algo que o livro deixou de fora) e envolve as encrencas políticas e guerreiras dos bichos na cidade fortificada, de como a quimera Gilgamesh chegou ao poder e como foram as primeiras lutas contra os seres humanos. Ao final de cada episódio tem-se excertos de verbetes do atlas em questão (existe uma disparidade, atribuída não sei ao que, no título do atlas, entre o que aparece no livro e o que vemos no Facebook). A sugestiva capa de Frede Tizzot, feita sobre a arte “The Haunt of the Troll” (1910), de Reginald L. Knowles (1879-1951), tem movimentos sutis e foge do óbvio. Tizzot também assina o elegante projeto gráfico, que valoriza muito o livro.

 

Arte de capa de Steve Gilberts.

The Long Look, de Richard Parks. Detroit: Five Stars, 1.ª edição, setembro de 2008, 298 páginas. Capa de Steve Gilberts. Hardcover. Há alguns anos, contei a Christopher Kastensmidt que gostava muito das histórias de fantasia do escritor americano Richard Parks, e encontramos nisso algo em comum. Eu até havia tentado, sem sucesso, selecionar uma história de Parks para aparecer na série Asas do Vento, a coleção de livros de bolso da Devir Brasil. Christopher me presenteou, então, com dois livros de Parks. Este romance de alta fantasia, The Long Look, e a coletânea de histórias The Ogre’s Wife (2002).

O romance é o primeiro de uma trilogia apresentando Tymon the Black, um mago adepto da ilusão, do uso de golens e de uma vidência precognitiva conhecida como “long look“. Conhecer o futuro faz com que ele se mexa para minimizar a dor e a miséria da guerra, e corrigir injustiças (quando possível). É acompanhado pelo anão e aspirante a cronista Seb — um tipo inteligente e que, pelas indicações respingadas no texto, é tão bom de briga quanto Bruce Lee. A eles se agrega, lá pelo meio do livro, um aprendiz de feiticeiro que a dupla salva de um matador de aluguel. Outros personagens secundários também aparecem e têm um bom tratamento — especialmente as mulheres: a Princesa Ashesa em particular. As mulheres são retratadas como firmes em suas posições e o feminismo que projetam não soa estridente, parecendo pessoal e natural a elas. Ao contrário de muita fantasia por aí, os personagens de Parks, heróis ou vilões, têm motivações compreensíveis e ancoradas nas circunstâncias sociais e políticas que, embora apenas esboçadas, parecem bastante concretas ao leitor. A ficção de Parks se caracteriza pela inteligência, sutileza, simpatia pelos personagens e eficiência enganadora em todos os fundamentos da composição literária. De fato, o romance tem uma aura tanto de alta fantasia tolkieniana quanto de contos de fadas, o que em si já uma realização. Mas há traços subversivos costurados em cada elemento — a começar pelo herói, Tymon, que, para ser efetivo dentro da política palaciana do seu mundo, precisa se apresentar como vilão.

 

Arte de capa de John Everett Millais.

Pré-Rafaelismo (Pre-Raphaelites), de Robert de la Sizeranne. São Paulo: Folha de S. Paulo, Coleção Folha O Mundo da Arte volume 27, 68 páginas. Capa de John Everett Millais. Tradução de Gil Reyes. Capa dura. Existiu uma arte de fantasia, antes da fantasia como gênero literário existir — ou enquanto os elementos que viriam a dar forma à fantasia ainda eram peneirados nos agitos do século 19. Essa arte, especialmente na Inglaterra, foi a pintura Pré-Rafaelita, surgida a partir de 1846 e galvanizada em torno da Irmandade Pré-Rafaelita, um grupo de jovens artistas descontentes com o academicismo e o Neo-Classismo da época. Pregavam a atenção ao detalhe e à natureza, a recuperação de temas da Idade Média e do Renascimento (anteriores a Rafael), da cultura clássica e do folclore, e a pintura in loco — uma prática que chegou a render imagens de precisão fotográfica. É fácil reconhecer sua influência na ilustração realista de fantasia feita por Kinuko Y. Craft, Janny Wurts, Stephen Youll, Donato Giancolla e dúzias de outros artistas.

Uma disposição interessante dos pré-rafaelitas — especialmente no seu agitador, Ford Madox Brown (1821-1893) — estava no interesse de popularizar a arte, em um país eminentemente elitista. É adequado, portanto, que tenham tido impacto na ilustração de um gênero popular como a fantasia. O movimento Arts & Crafts, do qual alguns pré-rafaelitas foram fundadores (como William Morris) ou membros, também deve se conectar com essa postura. (O Arts & Crafts também tem suas digitais na arte de fantasia, como no trabalho muito romântico de Thomas Canty.) O autor, de la Sizeranne, lista outros três nomes além de Brown, como importantes para a primeira hora do movimento: Dante Gabriel Rossetti, William Holman Hunt e John Everett Milais. Mas ele também aponta o trabalho do crítico John Ruskin, como essencial para o estabelecimento da nova escola. Os livros dessa série tem uma seção que discorre sobre os principais artistas de cada escola ou movimento, e aqui os selecionados são Hunt, Millais, Rossetti, Brown, Edward Burne-Jones, e William Morris. Certos nomes da segunda hora do movimento acabaram ficando de fora, embora tenham pintado algumas das obras mais conhecidas e influentes do pré-rafaelismo: John William Waterhouse e Edmund Blair Leighton (que aparecem em outras partes do volume). De qualquer modo, este é um livro acessível e bem interessante para o fã de fantasia e de sua ilustração editorial. Para sublinhar ainda mais a conexão do seu assunto com a arte de fantasia, veja este ótimo artigo no blog de Terri Windling (em inglês), que enfatiza a vinculação da escola com o Romantismo.

Lady of Shallot, baseado no poema arturiano de Alfred, Lord Tennyson, é uma adorável pintura de John William Waterhouse, ausente do livro.

 

The Peripheral, de William Gibson. Nova York: Putnam’s, 1.ª edição, 2014, 486 páginas. Hardcover. Aqui no Brasil, a Editora Aleph, de São Paulo, retomou a sua publicação de ficção científica no século 21 com a obra de William Gibson, que se tornou um dos seus carros-chefes. Mas este romance de FC de futuro próximo e viagem no tempo (tema novo para Gibson) ainda não apareceu por aqui. Estava comigo há algum tempo e o que me fez tirá-lo da estante foi uma entrevista feita com Gibson, publicada por Elizabeth Hand na edição de ressurgimento da revista OMNI. O que me chamou a atenção foi a hipótese de se tratar da primeira narrativa de viagem no tempo, escrita por Gibson. Não é bem, mas chega perto.

Apenas dois personagens detêm o ponto de vista narrativo, cada um se ocupando de um linha do livro: Flynne Fisher, uma jovem americana do futuro próximo; e Wilf Netherton, um inglês do futuro não tão próximo. Os dois começam a se aproximar depois que Flynne é recrutada por seu irmão, Burton, um veterano de guerra, para substituí-la naquilo que ela acredita ser o beta-teste de um game de realidade virtual. Isso enquanto Burton vai dar um pau num grupo fundamentalista cristão numa cidade vizinha. Ele é preso e demora para voltar. No ínterim, a garota testemunha uma espécie de assassinato usando agentes nanitas, numa Londres estilizada do futuro. Acaba sendo que não era um game, mas o modo que os aristocratas das cleptocracias europeias frequentadas por Wilf encontraram para se divertirem “viajando no tempo”. O rationale científico é de que se a viagem no tempo é impossível, o fluxo de dados do passado para o futuro não o é (uma noção que Gibson tirou do colega cyberpunk Rudy Rucker, um matemático). A consciência de Flynne é levada ao futuro para atuar lá tripulando uma espécie de robô ou androide chamado de periférico (daí o título). Esse futuro é descrito como o resultado das agressões ambientais e sociais que estamos armando agora, após um evento conhecido ironicamente como “Jackpot” (o grande prêmio do caça-niqueis). É mais ou menos o que Bruce Sterling chamou de “heavy weather” no romance Tempo Fechado: condição de vida global, marcada pelas consequências da crise climática. Pode ser que o objetivo dos aristocratas com o truque temporal fosse inicialmente só a recreação exclusivista, mas ao longo do romance vai surgindo a hipótese de intervenções seletivas no passado (o nosso futuro próximo) que tornem o Jackpot menos grave. Para isso, manipulações financeiras e de compra e venda de empresas coloca Flynne e seus associados sentados na grana, mas tendo que se defender do crime organizado e de policiais e federais (chamados lá de “Homers”: de Homeland Security) corruptos. Obedecendo a um certo padrão estabelecido desde Neuromancer, em 1984, The Peripheral firma logo cedo algumas encrencas para os protagonistas e alguns mistérios, colocando-os em movimento lento até revelações que assustam pelo seu retrato tanto de uma aristocracia que parece monstruosa, quanto de desenvolvimentos tecnológicos que nos fazem encolher em nossa condição humana. No caminho, toma-se contato com uma plêiade de personagens estranhos, excêntricos, bizarros mas quase sempre camaradas. A construção do futuro (ou futu-ros, aqui) é, como de hábito, um ponto forte de Gibson. Tanto o degradado futuro próximo de Flynne, que vive em uma América rural meio desértica e sem perspectiva, quanto o futuro pós-humano de Wilf. Mas as descrições muitas vezes brilhantes são alternadas com uma exposição por meio de diálogos rápidos que acabam recorrendo ao cacoete de um personagem sempre dizendo algo do tipo, “Hã, o quê?”, para se tornarem mais claros. A prosa de Gibson está mais minimalista neste romance, e algo da densidade e das suas marcas de estilo foi perdido com isso. Existe um papo de que The Peripheral vai virar uma série de TV, com o envolvimento do diretor Christopher Nolan.

 

Arte de capa de Qiu Ying.

Arte Chinesa (Chinese Art), de Stephen W. Bushell & Pierre Emmanuel Klingbeil. São Paulo: Folha de S. Paulo, Coleção O Mundo da Arte vol. 30, 2017, 68 páginas. Arte de capa de Qiu Ying. Tradução de Gil Reyes. Capa dura. O primeiro romance de Shiroma, Matadora Ciborgue tem como título provisório “Cerco em Ulaambaatar”, e nele a heroína se envolve com uma organização criminosa interestelar semelhante às tríades chinesas: a T’ien-Ti-Hwey da Era Galáctica. Para explorar alguma coisa da cultura chinesa no romance, comecei a minha pesquisa com este livro. A primeira coisa que se pode dizer sobre ele é que não se fixa em um movimento, estilo ou escola, como a maioria dos títulos da coleção. Isso provavelmente é inevitável, e o aspecto panorâmico se destaca.

A introdução abre com a interessante afirmativa de que a China não é um país tão fechado quanto se imagina. Não obstante, o livro parece ser composto tanto do material selecionado para o passeio panorâmico, quanto de ausências, já que é uma adaptação, por Klingbeil, do trabalho de Bushell — que morreu em 1908. Mesmo assim, o livro, belamente ilustrado com fotografias de primeira categoria, fornece uma visão geral das direções que a arte chinesa tomou desde a antiguidade, com seções sobre arquitetura, entalhes e artes de lapidação, materiais manufaturados e arte pictórica. A característica da “geomancia” (ou feng-shui) na arquitetura é das mais interessantes. Por outro lado, o único artista chinês nomeado contando com reprodução de obra de sua autoria na seção de arte pictórica é Qiu Ying, que aparece na capa. A atualização mais óbvia é a inclusão dos Guerreiros de Xian, do Exército de Terracota descoberto em 1974, bem depois da morte de Bushell.

 

A Destruição do Mundo, de Vero de Lima. São Paulo: Editora Cacique, s.d. [1955?], 182 páginas. Brochura. Mais uma leitura de ficção científica brasileira do Período Pioneiro (1857-1957), visando a versão “revista e ampliada” de Ficção Científica, Fantasia e Horror no Brasil. Trata-se de um romance curto ambientado nos Estados Unidos em futuro próximo, escrito originalmente em 1936. Na nota inicial, Vero de Lima conta que o apresentou inicialmente a Monteiro Lobato. (O próprio Lobato havia ambientado um romance nos EUA, o infame O Presidente Negro ou O Choque das Raças, de 1925.) A primeira parte do romance apareceu como uma novela, no jornal A Época, sob o pseudônimo de “J. Allan Patrick”.

O protagonista é o jovem herdeiro milionário Richard Write, que, depois de voltar da guerra, abandona a vida loca e resolve empregar seu capital e interesse científico para o avanço da humanidade. O arrazoado científico é confuso: a princípio, fala-se de que o segredo da “desintegração nuclear” trará uma revolução à humanidade. Mais tarde, fala-se de um “raio condutor” e de uma placa com propriedades energéticas capaz de ser usada tanto como arma quanto como promotora da fertilidade do solo e das plantas. Depois que suas intenções vazam para a imprensa, ele é convidado para falar em um evento da elite novaiorquina, na sede da Liga Anti-Guerreira, organização que remete aos movimentos pacifistas do entre-guerras), mas seus discurso evita o comentário científico, para assumir uma retórica pacifista e moralizante, e se dedicar à defesa do direito natural, uma escola jurídica que, no Brasil, alimentou o pensamento do Movimento Integralista. Ao final do discurso, White diz:

“Esperavam ouvir de minha boca alvíssaras novas, anunciando-lhes maravilhosas descobertas científicas para salvar o mundo. Mas a salvação do mundo não será obra da ciência. A ciência, quando muito, descobre e utiliza o conteúdo da natureza, mas a salvação da humanidade pertence ao domínio do espírito. Convençamo-nos do seguinte: As elites são como as plantas pujantes e úteis; se porém o solo em que medrarem fôr inculto e sáfaro, seus frutos serão, por isso mesmo, raquíticos e até nulos. Cultivemos, portanto, o solo, se desejamos que as elites produzam bons frutos. E, na vida social de uma nação, o povo é o solo. Humanizemos o mundo, dando-lhe o direito humano e mínimo natural, e que garanta uma existência decente a todos […]” —Vero de Lima, A Destruição do Mundo.

É um artifício do herói para sair da mira de Mr. Ember, “a maior força político-industrial da América”, que pretende fazer dinheiro com qualquer inovação high-tech que possa usar na próxima guerra. Mas também expressa a desconfiança da FC brasileira quanto à ciência e a tecnologia, e adesão a um humanismo moralizante e católico. Essa desconfiança foi uma das marcas locais dominantes no gênero até a eclosão da Segunda Onda da Ficção Científica Brasileira (1982 a 2015), e continua vigente. O discurso e o anúncio do novo conflito encerram a primeira parte do livro, que também expressa outra tensão característica da FC brasileira do Período Pioneiro (1857 a 1957), aquela entre a narrativa de aventura e a de observação social ou de costumes, presente desde, por exemplo, A Rainha do Ignoto (1899), de Emília Freitas. Assim, a intriga alterna traições de funcionários, assassinatos, ações de gangsters à mando do industrial vilão, e militares invasores asiáticos (perigo amarelo!), com observações sobre o amigo poeta do herói, sobre seus empregados, namorada e familiares. Obviamente, Vero de Lima tem familiaridade com as convenções da ficção pulp da década de 1930, e com algo da realidade americana de então. Mas não em profundidade, e os desvios e subterfúgios que adota para se esquivar do detalhe específico são evidentes. A certa altura, e de modo interessante, o texto denso do autor parece adotar essa sinuosidade como marca de estilo, aproximando-o do understatement sofisticado característico da ficção americana da época. Mas o fato é que a qualidade da sua imaginação tropeça seguidamente, e em especial no denouemant, no qual White é capturado pelos invasores asiáticos e obrigado a construir seu raio da morte e visor remoto (recurso visto tanto em Monteiro Lobato quanto nos contos de Berilo Neves, nas décadas de 1920 e ’30). O pacifista White, assim como o pacifista Campos, no romance de Jeronymo Monteiro 3 Meses no Século 81 (1947), resolve que o único meio de dar fim à guerra é o extermínio dos povos conflitantes ou da humanidade como um todo. Aí a narrativa se encontra com o título do livro, e o romance com o seu conteúdo católico, com missionários sobreviventes vindo redimir White na ilha solitária, depois que ele realizou o Armagedom.

Vero de Lima — eu me toquei depois de ler o livro — tornou-se em 1956 o editor (ou “redator-chefe”) da versão brasileira da lembrada revista americana de FC Fantastic. Publicou nela, inclusive, pelo menos um conto. No Brasil, a revista durou de 1955 a 1960, sendo a revista nacional de FC que circulou por mais tempo. O autor foi, portanto, um daqueles raros nomes brasileiros que teve uma atuação relativamente dedicada ao campo da FC, antes da inserção da Geração GRD a partir de 1960.

 

The James Tiptree Award Anthology 3, de Karen Joy Fowler, Pat Murphy, Debbie Notkin & Jeffrey D. Smith, eds. San Francisco, CA: Tachyon Publications, 2007, 274 páginas. Trade paperback. O Prêmio James Tiptree é  voltado para o reconhecimento de obras que desafiam os papeis sexuais. E já há um tempinho. Um dos lados mais divertidos da iniciativa é a venda de bolos pelas moças do comitê em convenções de ficção científica, para levantar fundos para o prêmio. Esta antologia dedicada a ele e aos seus vencedores e destaques me foi presenteada pelo Prof. Alfredo Suppia, autor de Atmosfera Rarefeita: A Ficção Científica no Cinema Brasileiro (Devir Brasil), que a trouxe de um dos congressos de que participou, nos EUA.

O livro combina histórias de ficção científica e fantasia, textos de não-ficção e listas com os resultados do prêmio, ao longo dos anos (ele foi fundado em 1991). As histórias são ganhadoras ou finalistas do prêmio. Mas um dos textos que mais me tocou foi justamente um ensaio: “Shame”, de Pam Noles, sobre a questão da representação na FC e fantasia, escrito antes da questão se tornar determinante, nos últimos anos. Noles, uma afro-americana, recorda com muita graça, como foi finalmente encontrar personagens de cor na série de fantasia Terramar, de Ursula K. Le Guin. A própria Le Guin, falecida agora em 2018, está no livro com a bela novela “Mountain Ways”, sobre uma idílica comunidade poli-amorosa que tem os seus próprios desajustados. “Have not Have”, de Geoff Ryman, é excerto do seu elogiado romance Air (2006), e trata de uma mulher que vive em uma vila no “Karzistão” e que tem como negócio guiar visitas a centros comerciais com outras mulheres, para organizar casamentos. No processo, ela funciona como um pilar da comunidade, cuidando do povo da vila de diversas maneiras. Mas tudo está ameaçado por uma inovação tecnológica que fará com as pessoas possam receber a internet diretamente em suas cabeças. Ryman é o líder do movimento Mundane-SF, e o texto dele aqui é um bom exemplo dessa corrente. Uma das narrativas mais longas da antologia é “Little Faces”, de Vonda N. McIntyre: uma utopia feminina do futuro distante e composta por mulheres aristocráticas e fashionistas vivendo solitárias em naves vivas e se reproduzindo com o concurso de pequenos alienígenas que vivem como parasitas em seus corpos — uma ideia que emana quase que diretamente da noveleta “Bloodchild” (1984), de Octavia E. Butler. A história de McIntyre, que vai na direção oposta à Mundane-SF de Ryman, me alienou na sua maior parte, soando artificial e sem enredo. Butler mereceu um ensaio muito interessante sobre a sua obra, “The Future of Female: Octavia Butler’s Mother Lode”, de Dorothy Allison.

Outras histórias no livro são “The Glass Bottle Trick”, da afro-canadense Nalo Hopkinson; “Wooden Bridge”, da australiana Margo Lanagan; “Dearth”, da americana Aimee Bender; e “Liking What You See: A Documentary”, de Ted Chiang — história que já discuti aqui ao resenhar o livro de Chiang, Story of your Life and Others. Como o prêmio homenageia o pseudônimo de Alice B. Sheldon, “James Tiptree, Jr.”, a antologia traz “Dear Alice Sheldon”, de L. Timmel Duchamp, um texto de não-ficção que explora, numa estrutura epistolar, as características da ficção da autora. E também a pioneira e premiada noveleta pré-cyberpunk “The Girl Who Was Plugged In” (1973), intrigante e violenta narrativa meio beatnik sobre uma jovem fisicamente deformada mas de coração romântico que recebe um extreme makeover pela ciência de uma empresa de publicidade, que a fabrica como figura do jet-set internacional que promova os seus produtos e tendências. A narrativa, muito irônica e às vezes nonsense, ao mesmo tempo que denuncia a fabricação de imagens femininas, descreve a heroína como sem noção e entregue aos seus devaneios, telecomandada por computadores. Cabe assim numa postura feminista que se firma pela crítica do estereótipo e do comportamento feminino frívolo e não-esclarecido, muito presente, inclusive, na ficção pós-modernista americana. Eu me pergunto se essa perspectiva teria algum futuro no Brasil em tempos de demanda por retratos positivos da mulher, e com um público leitor com grandes dificuldades para entender ironia.

—Roberto Causo

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Leituras de Setembro de 2017

Uma gripe forte e vários compromissos em setembro derrubaram o meu ritmo de leitura. Mesmo assim, o mês contou com alguns livros interessantes, incluindo o reencontro com um dos meus primeiros amores,  Pat Conroy, e com um dos meus contemporâneos mais reconhecidos, Braulio Tavares.

 

Arte de capa de Bruce Jensen.

For Those Who Fell, de William C. Dietz. Nova York: Ace Books, 2005 [2004], 410 páginas. Capa de Bruce Jensen. Paperback. Este é o sexto romance da série Legion of the Damned, de Dietz, e o primeiro que li. A ficção científica militar tem muitas caras, boa parte delas pouco a ver com o futuro e mais com o passado. Especificamente, momentos históricos aos quais a composição de tecnologia, estrutura e comportamento militar remete, às vezes de modo bem ostensivo: batalhas navais napoleônicas, a guerra de independência ou a guerra civil americana, a guerra do Vietnã e conflitos coloniais. É o caso desta série, já que a tal legião dos desgraçados é a própria Legião Estrangeira da França, lançada a um futuro distante em que uma Confederação de Seres Sencientes usa seus serviços como um sucedâneo de forças armadas nacionais. A intriga diz respeito a uma potência rival coletivista, os ramanthianos, uma espécie insetoide, que descobre em um planeta remoto povoado por colonos humanos e uma espécie nativa, como construir um comunicador mais rápido que a luz. Isso dará uma vantagem determinante para a rainha que comanda os ramanthianos, em sua empreitada expansionista pela galáxia.

No tal planeta, um batalhão de legionários acaba se dividindo, precisa formar alianças com os colonos humanos para enfrentar tanto os nativos quanto os ramanthianos, e depois de ligar as duas forças separadas, pôr as mãos do tal hipercomunicador para que haja equilíbrio tecnológico entre as duas potências rivais em batalhas futuras. Boa parte da ação é descrita pelo ponto de vista do Tenente Antonio Santana, veterano de outros volumes da série. O elenco de personagens é grande e a ação se alterna consideravelmente, de personagem em personagem (apesar do narrador onisciente) e de lugar em lugar, incluindo outros mundos. Tudo é muito chão-chão, apesar disso, e o romance não explora muitas ideias científicas. Inclusive, a própria necessidade de capturar fisicamente o hipercomunidor é frágil — não bastaria capturar os dados do projeto? Os próprios romanthianos não precisariam enfrentar tantas perdas para defendê-lo, bastando usar o próprio aparelho para enviar o projeto a algum lugar seguro…

De fins do século 19 até meados do século 20 histórias da Legião Estrangeira foram uma febre na ficção militar e de aventura. Em grande parte, em razão do sucesso do romance inglês Beau Geste (1924), de P. C. Wren, que eu li quando era garoto depois de ver duas ou três versões para o cinema. Mais recentemente, li um conto de H. Bedford-Jones (1887-1949) na brasileira Contos Magazine. Até Mickey e Pateta foram legionários… A mística da Legião na literatura inclui a dinâmica entre soldados de várias origens nacionais e étnicas, as encrencas de criminosos que se escondem nela, e batalhas sangrentas contra inimigos tecnologicamente inferiores, que empilham cadáveres nos perímetros defendidos pelos legionários. Tudo isso a gente vê no livro de Dietz, temperado também pela experiência americana no Velho Oeste e no Vietnã. Essa distância histórica permite ao autor explorar uma ficção militar que seria contrária a sensibilidade atual, caso  escrita com elementos contemporâneos. A arte de Bruce Jensen é muito característica, fundindo elementos bi e tridimensionais — nesta capa apenas sugeridos pela escotilha que cerca a figura da mulher.

 

Arte de capa de Gio Guimarães.

Sketchbook II, de Gio Guimarães. Rio de Janeiro: Bohemian Fox, 2016, 40 páginas. Capa de Gio Guimarães. Brochura. Comprei este sketchbook da artista brasileira Gio Guimarães no dia 23 de setembro, na convenção TrekkerCon, do Trekker Club, que aconteceu nas dependências do SENAC da Liberdade, aqui em São Paulo. O que me cativou foram as ilustrações digitais dela com tema de Star Trek — naves, planetas e personagens — em full color e muita atmosfera e iluminação dramática. O sketchbook, porém, traz uma amostra interessante do trabalho da artista, apenas a nanquim direto, sem qualquer intermediação digital. A qualidade técnica é muito boa, com uma hachura vivaz, uma linha de valores sempre corretos, e personagens que vão do mais acadêmico até o infantil, passando por muitos animais humanizados e situações de fantasia, com direito a dragões e evocações do Oriente Médio e do Japão. Você pode ter uma ideia da versatilidade de Gio Guimarães no blog dela (em português e inglês). Gio está baseada no Rio de Janeiro, mas toda a sua formação aconteceu na Universidade Federal de Minas Gerais, incluindo Belas Artes e Animação para o Cinema. Como este não é um livro que você vá encontrar nas livrarias, é pelo blog que poderá adquiri-lo, se tiver interesse.

Sketchbooks autografados e vendidos em eventos de fãs formam um tipo intrigante de investimento. Este é apenas o meu segundo — o primeiro foi Request (Editora Argonautas, 2014), de Daniel HDR, do qual tratei em um artigo para o site Who’s Geek. Eles certamente promovem e aproximam os artistas do seu público. E são mais pessoais e humanos do que conjuntos de pixels baixados da internet. Tenho alguns estrangeiros que apareceram por aqui na loja Terramédia, com os de Arthur Suydam, The Art of the Barbarian, em dois volumes autografados, e o meu favorito (mesmo sem autógrafo): Jeffrey Jones: Sketchbook. Legal saber que estão chegando a eventos de fãs de Star Trek e de ficção científica.

 

The Literary Mind, de Mark Turner. Nova York/Oxford: Oxford University Press, 1996, 188 páginas. HardcoverApareceu por aqui convite para falar em um painel sobre ficção científica e ciências da cognição. Isso me deu o empurrão para rever minha leitura deste elegante livro de divulgação de Mark Turner, cocriador, com Gilles Fauconnier, da Teoria dos Espaços Mentais e da Mesclagem Conceitual (conceptual blending). Nessa teoria, eles contestam a ideia prevalecente de que a propensão para o desenvolvimento da linguagem e da fala nos humanos se deveria a um órgão desconhecido presente no cérebro. Para eles, e paradoxalmente a princípio, a narrativa (story) vem antes da linguagem — isto é, a mente humana estaria fundamentalmente preparada para enxergar o mundo a partir de pequenas narrativas espaciais, antes mesmo de aprendermos a falar. Isso é contra-intuitivo, mas o argumento de Turner é sólido e soa correto e instigante para mim. Antes da linguagem, percebemos agentes e ações no espaço, no que Turner e outros teóricos chama de esquemas de imagens. Esses esquemas são recombinados constantemente com outros. Quando uma história se projeta sobre outra, tem-se uma parábola, conceito central para Turner, que enxerga nela o elemento cognitivo maior da mente, compondo nossa capacidade de atribuir sentidos. O espaço de percepção que permite a combinação de uma ou mais histórias com outras é o espaço de mesclagem conceitual. Não vou fingir que entendi todos os conceitos da teoria — e vou confessar que, na faculdade, Linguística para mim foi sempre uma tortura. Uma rápida pesquisa que fiz denotou que a teoria de Turner & Fauconnier não parece ter tido um impacto muito amplo, mas de qualquer modo chegou às universidades brasileiras. Soa mais consistente para mim, do que me pareceram as ideias de Noam Chomsky quando passei por elas na faculdade (há um capítulo em que Turner se opõe a Chomsky e outros da mesma linha).

Em literatura e em outras artes narrativas como o cinema e os quadrinhos, muitas vezes há uma posição entre estilo (linguagem) e enredo (narrativa). Estilo/linguagem possui muito mais reconhecimento intelectual. Isso foi reforçado com a chamada “virada linguística” nas ciências humanas, na década de 1960 ou por aí. Eu tinha esperança de que as ideias de Turner e Cia. equilibrassem as coisas para o lado do enredo/narrativa — mas isso seria esperar demais do contexto da cultura do nosso tempo. E, de qualquer modo, não é essa a preocupação de Turner no seu livro.

“A narrativa é um princípio básico da mente. A maioria das nossas experiências, do nosso conhecimento e do nosso pensamento é organizado como narrativas. O escopo mental da narrativa é ampliado pela projeção — uma narrativa ajuda a fazer sentido de uma outra. A projeção de uma narrativa sobre uma outra é a parábola, um princípio cognitivo básico que aparece em todo lugar, de ações simples como ver a hora até criações literárias complexas…” —Mark Turner, The Literary Mind.

 

Arte de capa de Drew Struzan.

Blade Runner (Do Androids Dream of Electric Sheep?), de Philip K. Dick. Nova York: Del Rey, 2007 [1968], 266 páginas. Capa de Drew Struzan. Posfácio de Paul M. Sammon. PaperbackVem aí o novo filme de Denis Villeneuve, Blade Runner 2049, e Gabriela Colicigno & Roberto Fideli, do Who’s Geek, me pediu um artigo sobre o original de 1982, dirigido por Ridley Scott. No processo, decidi ler pela primeira vez em inglês o romance de Philip K. Dick que deu origem ao filme — até por conta do assunto cognição e ficção científica. Eu tinha lido a tradução de Ruy Jungman, pela Francisco Alves, em 1983. Existe uma nova edição pela Editora Aleph, Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, com tradução de Ronaldo Bressane. Esta aqui foi lançada por ocasião do aniversário de 25 anos do filme, e traz na capa ilustração de Drew Struzan, o famoso cartazista americano, criada para o lançamento da versão “corte do diretor”. Struzan capturou todo o charme melancólico e urbano do filme. O livro é bem diferente: a “Guerra Mundial Terminus” depopulou o planeta, que vive assolado por uma poeira tóxica. Quem pôde, emigrou para Marte e outros planetas. Quem tem saúde ruim ou QI baixo fica na Terra, como um dos personagens-ponto de vista do romance, J. R. Isidore (Sebastian, no filme). Nosso mundo não permite a presença de androides, todos destinados às colônias. Mas oito deles vêm clandestinamente para cá, e o caça-prêmios número 1 se dá mal com um deles, dando chance para que Rick Deckard entre em ação. Mais do que no filme — no qual os androides são chamados de “replicantes” e os caça-prêmios de “blade runners” —, Dick exercita sua marca-registrada, a instauração da dúvida cognitiva a respeito de identidades e relacionamentos. Começa com o status social que o dono de um animal possuí depois que a guerra atômica dizimou a fauna planetária: quem não tem dinheiro para ter um bicho de verdade adquire clandestinamente uma réplica mecânica. O mercerismo, religião baseada num martírio virtual compartilhado por todos os que empregam uma máquina de empatia ao mesmo tempo, transformou o contato com animais num exercício necessário de empatia — à qual os androides são imunes. Quando Deckard entra em ação, depara-se a todo instante com androides fingindo ser policiais como ele. Quer matar os androides para ter dinheiro para comprar um bicho real e elevar seu status. O uso dos bichos para isso é uma “coisificação” da vida; pouco empático, na verdade, e matar seres sencientes por dinheiro também não parece muito empático. Deckard começa a se questionar. Ele, a certa altura, vai parar em uma central de polícia alternativa, desconhecida daquela em que ele trabalhava, e vice-versa. Esse é outro tema que Dick empregou em contos e romances: de onde vem a ação, a autoridade, o protagonismo histórico? Pergunta que fazemos hoje na era da “pós-verdade”…

O trecho final aborda o desmascaramento de Wilbur Mercer, o criador do mercerismo, mas incorpora um momento metafísico muito enigmático que faz o leitor se perguntar o que foi mesmo desmascarado. Do Androids Dream of Electric Sheep? é um romance consistente e realizado dentro de um clima próprio e engenhoso, que faz o leitor coçar a cabeça do começo ao fim. De fato, torna o ato de coçar a cabeça uma experiência de leitura essencial. A ficção científica e as questões de cognição, sobre o que percebemos da realidade, têm uma longa história juntos, desde o século 19. Mas Philip K. Dick foi o autor da FC moderna que mais sistematicamente explorou essa relação. Esta edição, além da deslumbrante ilustração de Struzan, traz um artigo do jornalista Paul M. Sammon sobre a relação do escritor com a produção de Blade Runner, repleto de informações de bastidores sobre como os direitos do livro foram adquiridos e como Dick reagiu aos scripts e às primeiras imagens do filme.

 

Arte de capa de Wendell Minor.

South of Broad, de Pat Conroy. Nova York: Dial Press, 2010 [2009], 526 palavras. Capa de Wendell Minor. Trade paperback. O escritor sulista americano Pat Conroy me interessou desde que, criança, vi na TV o filme Conrack (1974), baseado no seu livro de não ficção The Water is Wide (1972). O primeiro dele que li foi The Prince of Tides (1986), em 1992, que virou o filme premiado O Príncipe das Marés, dirigido por Barbara Streisand. Este South of Broad, é o último romance publicado por Conroy, com a cidade de Charleston na bela aquarela de Wendell Minor na capa. Minor fez toda uma série de capas para os romances de Conroy disponíveis quando do lançamento deste. A edição é para clube de leitura, e traz entrevista com o autor e perguntas essenciais sobre o enredo. Há uma edição brasileira, como A Mansão do Rio, pela Record.

Conroy me conquistou para a ficção sulista americana. Fiquei chocado ao saber da morte dele em 2016 aos 70 anos. Resolvi desencavar este romance e matar as saudades. Quem narra é Leopold Bloom King, batizado assim em homenagem ao protagonista de Ulisses de Joyce, o livro favorito da mãe do personagem. O romance se passa em Charleston, na Carolina do Sul, indo dos anos da integração racial nas escolas, até fins da década de 1980 e a epidemia de AIDS, terminando pouco depois do flagelo do furacão Hugo, que atingiu a cidade em 1989. Traumatizado em criança pela perda do seu irmão mais velho, que cometeu suicídio, Leo passou maus bocados com a mãe e com a justiça. Mas quando um casal de gêmeos se muda para a rua dele, os dois perseguidos pelo pai psicopata e criminoso contumaz, Leo começa a reunir em torno de si os gêmeos, um casal de negros, um casal de irmãos caipiras das montanhas e órfãos, e um trio de aristocratas locais. Juntos eles enfrentam os preconceitos raciais e aristocráticos de Charleston e do Sul, com muito humor e valentia. O Leo adulto, sua mulher Starla (a garota órfã), os gêmeos e outros personagens são pessoas emocionalmente lesadas, que nem sempre alcançam o equilíbrio. Embora incompleto, o grupo se reúne e se fortalece que Sheba, a garota gêmea transformada em estrela de Hollywood, recorre a eles para resgatar seu irmão gay Trevor, que está morrendo de AIDS em San Francisco. O romance é episódico, mas a saga da turma em SF é um dos seus melhores episódios, enveredando de modo positivo para a ficção de crime, com direito aos diálogos agudos de Conroy moldando-se ao padrão hard boiled. Com Trevor, o grupo volta a Charleston, onde ele se recupera e o pessoal se fortalece bem a tempo de enfrentar o furacão que vem revirar ainda mais o lodo do terrível passado de alguns deles, que inclui abuso infantil e traições de gente muito próxima. Conroy não doura a pílula ao tratar desses assuntos graves, mas também não chafurda neles. Ele pode até estar atenuando traumas e tragédias, assim como se esquiva de levar o modo ficção de crime até o final. O que parece lhe interessar mais é a reafirmação da amizade e do amor pela vida, da força interior que seus personagens encontram um no outro e na cidade que eles amam. Essa foi a tônica da escrita de Conroy, às vezes dura e macabra o bastante para identificá-lo com o “gótico sulista”. Seu estilo sempre exuberante, exagerado, foi um dos fatores que me fez enxergar no estilo “superescrito” (dele, de Stephen King, Anton Myrer, Cormac McCarthy, William Faulkner e outros) um transbordamento que assinala o amor pela vida na literatura. Se o romance é desigual, ele como a obra final de Conroy reforça o “módulo” que ele buscou em sua obra toda, centrado na sobrevivência do trauma e no reconhecimento das ambiguidades centrais de família, amizade e comunidade. Parafraseando o nosso Guimarães Rosa, viver exige coragem.

 

Arte de capa de Fernando Issamo.

Sete Monstros Brasileiros, de Braulio Tavares. Rio de Janeiro: Fantasy, 2014, 114 páginas. Capa e ilustrações de Fernando Issamo. Brochura. Braulio Tavares é um dos melhores escritores que a Segunda Onda da Ficção Científica Brasileira (1982-2015) produziu. Seu primeiro livro de contos, A Espinha Dorsal da Memória (1989), ganhou o Prêmio Caminho Ficção Científica, de Portugal, e ele recebeu um Prêmio Jabuti em 2009 pelo livro para crianças A Invenção do Mundo pelo Deus-Curumim. Este Sete Monstros Brasileiros é, se a memória não falha, sua quarta coletânea de histórias. Eu certamente gostaria de ter sabido do seu lançamento mais cedo.

Braulio traz para uma perspectiva adulta de horror o tema folclórico que vinha explorando como literatura infantil. Na introdução, ele observa que há uma tendência na direção do uso do folclore brasileiro na ficção especulativa nacional, e cita Simone Saueressig, Christopher Kastensmidt e Felipe Castilho. Entre os monstros reunidos por ele neste livro estão o lobisomem, o bradador e o corpo-seco, o papa-figo, a Iara e o capelobo — às vezes intencionalmente misturados. Há um tom de história contada que perpassa as sete narrativas, e em alguns casos, uma aproximação econômica mas calorosa, da condição de vida dos personagens. Esse mesmo tom aparece numa construção mais complexa, como costumavam ser os contos da primeira fase de Braulio, em “A Expedição Monserrat”. Já “Os Mortos-VIPs” brinca com a moda dos zumbis na literatura e no cinema. O conto “Bradador” tem uma força incomum, oferecendo também uma condenação da corrupção endêmica da sociedade brasileira, e acabou entrando em As Melhores Histórias Brasileiras de Horror — uma importante antologia montada por Marcello Branco & Cesar Silva, que deverá sair ainda este ano. Outras histórias saídas deste livro de Braulio Tavares, como “Gotas de Sangue”, também poderiam entrar nessa que deve ser a primeira antologia retrospectiva do gênero, no Brasil. A introdução e o posfácio do autor são interessantes e a arte digital de Fernando Issamo na capa e no miolo de Sete Monstros Brasileiros são muito fluidas e competentes, mas a diagramação do livro e a reprodução sem contraste meio que matou a maioria delas. O que vale mesmo são os textos, que eu recomendo vivamente. 

 

Quadrinhos

Arte de capa de Will Conrad & Ivan Nunes.

Comunhão, de Felipe Folgosi (texto) e J. B. Bastos (arte). São Paulo: O Instituto dos Quadrinhos, 2017, 144 páginas. Capa de Will Conrad & Ivan Nunes. Álbum. Comprei este álbum gigante na TrekkerCon 2017. É mais uma bonita história em quadrinhos escrita e produzida pelo ator e roteirista Filipe Folgosi, a partir de campanha de crowdfunding feita com o Catarse. A primeira, Aurora (2014), eu resenhei no Who’s Geek. As duas realizam roteiros de cinema que ele desenvolveu depois de estudar nos Estados Unidos, na UCLA. Esta é uma história de horror, sugestão de um colega de Folgosi no curso. Ela segue a americana Amy e seu grupo de amigos, praticantes de um reality show de sobrevivência e corrida em trilhas localizadas em diversos países. Depois de uma tragédia de inverno, quando alguns amigos morrem ao atravessar um rio, ela se volta para a religião. Mais tarde, Amy e sua equipe estão no Brasil para uma etapa da competição, onde ela encontra um ex-namorado brasileiro, Dani. Todos resolvem fazer um treino na Mata Atlântica, onde se deparam com um reverendo que é uma figura tipo Kurtz (de Coração das Trevas, de Joseph Conrad) com a cara de Bryan Cranston em Breaking Bad, dominando uma tribo indígena instalada junto a um pátio ferroviário abandonado.

Amy terá sua fé testada por atos brutais motivados pela loucura mística do vilão, e seus amigos passarão por um teste ainda mais cruento de sobrevivência. Brigas de facão, empalamento, rituais de canibalismo sincretizado com a eucaristia — o leitor está no terreno dos filmes de Sexta-Feira 13 e de Halloween, com a diferença da ambientação tropical e da profundidade dada aos dilemas de Amy. Inclusive, com uma bela virada no final. A narrativa mantém um ritmo intenso o tempo todo. Por isso, provavelmente, ela foi cruel com os índios engabelados pelo reverendo, o detalhe que mais me incomodou. A arte em preto e branco de Bastos privilegia a linha, com tracejados e meios-tons apenas no fundo, e uma linha mais valorizada no contorno externo das figuras — lembrando a arte de Mike Allred ou de Geof Darrow. O formato é bem grande, aproximadamente 22 x 31 cm. Isso o torna meio perecível nas bancas de revista, mas traz ao leitor o prazer especial de ver tantos quadrinhos na página, resultando num ritmo incomum da narrativa. Coisa rara, hoje em dia.

 

Outras Leituras

The Imagitron: The Simon Stalenhag Art Gallery on the World Wide Web. Por intermédio da rede social Pinterest, fui parar no site do artista sueco Simon Stålenhag, agora exibindo artes digitais de seus livros ilustrados criados por ele e financiados via crowdfunding: Tales from the Loop (2015) e Things from the Flood (2016). Neles, um experimento de acelerador de partículas dá errado e aparentemente abrindo portais para a vinda de máquinas e criaturas fantásticas, a uma década de 1980 alternativa. Muitas das imagens revisitam a paisagem da Suécia, transformada pela presença desses objetos e criaturas, mas também há cenas que exploram outros lugares no mundo — tudo em uma atmosfera de melancolia, solidão e estranhamento. Algumas imagens dessa estranha “invasão” sugerem também uma invasão cultural americana e de um consumismo desastroso. Há um pouco de fotorrealismo e de surrealismo nessa arte de ficção científica, por si mesma perturbadora e instigante.

 

Arte de Simon Stalenhag.

 

 

Locus 673: Arte de capa de Francesca Myman.

Locus—The Magazine of the Science Fiction & Fantasy Field 673 (volume 78, N.º 2), fevereiro de 2017. A Locus é a trade magazine do campo da FC e fantasia desde que seu criador, Charles N. Brown, rodou o mimeógrafo pela primeira vez em 1968. Uma espécie de Publishers Weekly desse campo. Sou o “correspondente brasileiro” desde 1987 ou por aí. Boa parte do pagamento pelas minhas contribuições são em extensão da minha assinatura, por isso tenho a felicidade de receber a revista em casa, embora quase sempre alguns meses depois de baixar a edição em PDF a que os assinantes estrangeiros têm direito. A revista agora tem o miolo colorido, tornando-a ainda mais simpática.

Uma das suas grandes atrações é a cobertura do estado anual da arte, o “ano em resenha”, que aconteceu nesta edição de fevereiro. Mas antes eu li a entrevista com o galês Alastair Reynolds, o grande nome da new space opera. Eu já tinha enfrentado um livro dele antes, e a entrevista renovou meu interesse. A revista tem muitos resenhadores interessantes, e normalmente eu leio com maior interesse as colunas de Gary K. Wolfe e Russell Letson, que, desta vez, cobriu a antologia original Bridging Infinity (sobre super-engenharia), de Jonathan Strahan, ed., que pretendo adquirir se tropeçar nela em alguma livraria. Também resenhou dois romances do escocês Ken McLeod (escritor que não pretendo revisitar) e um do americano Greg Bear, Take Back the Sky, parte da primeira série de space opera militar de Bear. Wolfe resenhou, entre outros, Ken Liu, de quem nosso amigo Christopher Kastensmidt é grande fã. Noutra seção da revista, Rich Horton faz um bom apanhado das questões por trás da entrada da FC e fantasia nas antologias anuais “Best American” da editora Mariner, importantes no mainstream. A antologia que ele resenha, Best American Science Fiction and Fantasy 2016 foi editada por Karen Joy Fowler & John Joseph Adams. A escritora Kameron Hurley tem uma coluna eventual na revista, mas geralmente me esquivo dela por achá-la meio insossa. Só que desta vez ela acertou na mosca, com “If You Want To Level Up, Get Back to the Basics”, que me obriguei a copiar inteirinha, no meu caderno de escritor.

“Há poucas coisas para mim que são igualmente tão deprimentes e energizantes, quanto ler um livro realmente ótimo. Grandes livros são a razão de eu ter entrado nesta área em primeiro lugar, daí o motivo de eu ficar tão frequente chocada quando ouço de outros escritores profissionais que eles não leem mais.” —Kameron Hurley, “If You Want To Level Up, Get Back to the Basics”.

Hurley reveza a coluna “Commentary” com o canadense Cory Doctorow (sobre FC e cultura digital). Esse espaço já tinha existido antes, mas eventual e sem um titular. Na edição de abril de 1999, cheguei a publicar nela o meu texto “The Next Wave”, em que chamava a atenção para a importância e o crescimento de uma FC de cunho étnico e internacional: “A próxima onda na ficção especulativa provavelmente trará novas cores para o campo, e todo um conjunto de visões perturbadoras para confrontar o futuro de consenso”, afirmei. É claro que (conforme a piada vigente desde a década de 1990 no fandom paulista) eu estava errado. Antes do reposicionamento de uma FC mais internacional e diversa junto ao mainstream da FC, surgiram outras “ondas” ou “movimentos” que chamaram a atenção — como a new space opera e o New Weird, talvez não tão interessantes para a interpolinização e a abertura do gênero para outras perspectivas. (Nesse sentido, apenas o movimento da “mundane SF” pode ter chegado perto.) A julgar pela cobertura de 2016 na Locus, essa “onda” finalmente chegou. Liz Bourke trata da diversidade sexual no seu texto, Colleen Mondor saúda a instauração do novo paradigma no campo da literatura jovem adulta (como o pessoal do Manifesto Irradiativo aqui no Brasil já anunciava), e Rich Horton lamenta que a FC tradicional não esteja engajada contra a Era Trump, mas celebra o aumento da FC traduzida. Finalmente, Geoff Ryman (o fundador da mundane SF) trata da eclosão da FC africana (em língua inglesa).

No meu artigo, eu dizia que um grande obstáculo à integração das muitas FCs internacionais ao mundo de língua inglesa era o comercialismo inerente ao gênero, que impedia as editoras de investir em traduções: “quando você pensa na FC como uma ficção comercial para exportação, parte de uma tentativa de controlar a economia do lugar que importa, qualquer estratégia que contemple a troca cultural ou a interpolinização não tem razão de ser.” Eu estava citando gente como Bruce Sterling e Gwyneth Jones, mas o interessante do texto de Mondor, por exemplo, é que exatamente o comercialismo do campo que representaria uma fragilidade das editoras a ser explorada pelas demandas de público e grupos de pressão:

“A diversidade se tornou um tópico significativo de discussão no meio editorial e especialmente quanto a livros para crianças e adolescentes. Leitores, bibliotecários e livreiros estão exigindo mais representação não apenas de quem assina os livros e nos personagens, mas ambientação e enredo também, e a indústria se arrisca se ignorá-los.” —Colleen Mondor, “YA in 2016”.

Ao mesmo tempo, ler o texto de Ryman me deu o insight de que a FC africana e outras de Terceiro Mundo estão sendo favorecidas pela integração da ficção publicada na internet, às considerações editoriais do mundo de língua inglesa. A internet acaba tendo impacto não só na articulação dos grupos de pressão, mas até pelo amadorismo das suas publicações, que parcialmente igualam o campo: um blog ou revista eletrônica pode ter tanta força quanto uma revista impressa; algo mais difícil, no tempo da divisão entre revistas profissionais, semiprofissionais e fanzines.

 

Locus—The Magazine of the Science Fiction & Fantasy Field 677 (volume 78, N.º 6), junho de 2017. Quando Orson Scott Card esteve no Brasil em 1990 para a I InteriorCon, perguntei a ele sobre sua discussão com o escritor John Kessel no fanzine Short Form. Scott me disse que Kessel podia fazer muito mal à ficção científica. Suas ideias, é claro, de importar os valores do mainstream literário para a FC. Esta edição da Locus traz uma entrevista com ele, em que ele afirma que era leitor de FC desde criança, em uma família de classe trabalhadora. Kessel foi parar na universidade, onde se estabeleceu como professor de cursos de escrita criativa. Na entrevista, ele fala sobre seu novo romance, The Moon and the Other, em uma carreira não muito prolífica. Também sobre a Era Trump, o novo assunto de preferência da comunidade de FC e fantasia nos Estados Unidos. Mas já no fim da entrevista ele conta que era um fã doido de FC, que foi seduzido pela alta literatura. “Eu queria trazer os valores da literatura para a ficção científica”, declara. “Queria tratar a ficção científica como a academia tratava as obras que eu estudava. Todo jeito que eu conseguia misturar essas duas coisas, eu buscava misturar. Também estou dividido quanto aos valores dos dois tipos de literatura — ficção de gênero e ficção literária.” E ainda:

“A ficção literária que eu estudava na pós-graduação investia em personagem, em estilo e escrita e prosa. Enredo era o tipo do segredo sujo, na melhor das hipóteses, uma necessidade suja. Enquanto a ficção científica tende a investir um bocado em narrativa e nos conceitos por trás dela, e frequentemente diminui os personagens e o estilo da prosa. Eu queria ver se conseguiria fazer todas essas coisas juntas.” —John Kessel, “Over the Moon”.

Hoje, e demonstrando alguma evolução do seu pensamento, Kessel lamenta que os novos escritores não tenham contato com a tradição pulp do gênero. “Toda a tradição [do editor] John W. Campbell não significa nada para os novos escritores”, ele diz. E:

“De certas maneiras, as revistas pulp e Campbell e os escritores que vieram depois, reagindo contra ele, eles criaram a sua própria cultura, porque o mundo da literatura estava fechado a eles — não tinham qualquer acesso a ele, eles nunca seriam reconhecidos. Eles fizeram suas próprias regras. Era uma cultura de gueto, mas tinha o seu vigor, onde não tinham que se preocupar [com o crítico Edmund Wilson] vindo dizer a eles o que era o certo e o errado. […] Então eles fizeram suas próprias regras, sua própria literatura, o seu cânone, um alicerce sobre o qual as coisas poderia ser feitas, que os sustentaram e criaram obras interessantes. Essa ficção é valiosa, porque não seguem o mainstream do modernismo americano e da ficção judaica do pós guerra e todas as outras coisas que eram consideradas como a escrita série na América de meados do século 20. Muitos desses escritores assumiam certo orgulho do fato de não serem elitistas, de serem trabalhadores nas trincheiras.” —John Kessel.

A outra entrevistada é a escritora australiana Cat Sparks, exatamente da minha geração, e alguém que participou ativamente do fandom de FC antes de se voltar para a escrita e chamar a atenção com o romance Lotus Blue (2017). Além da identificação com ela, apreciei a preocupação de Sparks com o aquecimento global e mudança climática — assunto que sofreu certa resistência na FC americana há uns 8 ou 10 anos mas que agora teme entrado com força. Sparks cita o americano Kim Stanley Robinson como um autor que antecipou muito do caminho da FC nessa direção, e diz:

“Eu não sentei para escrever uma história de mudança climática, mas é fácil ver como acabei fazendo isso. Meu doutorado ainda não-terminado examina o ponto de intersecção da ficção científica de ecocatástrofe e da ficção sobre o clima. […] Pessoalmente, eu choro de tédio com [a ideia] do escolhido que salva o mundo. Salvar o nosso mundo real vai ser um esforço de grupo.” —Cat Sparks, “Strange Directions”.

Russell Letson, que se especializa em FC hard e em séries, resenhou a new space opera Infinity Engine de Neal Asher, e Convergence, de C. J. Cherryh, o 18.º livro de uma série na qual eu estou de olho, especialmente depois de ler dois romances da autora este ano. Cherryh foi muito importante nas décadas de 1980 e 90. Tom Easton, o crítico da revista Analog, chegou a afirmar que, “no seu melhor, ela me parece estar fazendo mais par moldar o futuro da FC do que qualquer outro escritor vivo”. Demorei para assimilar o estilo telegráfico e enérgico dela, mas agora quero mais. Na Locus, John Langan resenha dois livros de horror, e me interessei por Behold the Void, de Philip Fracassi [sic], justamente por trazer histórias do “tipo Além da Imaginação” — uma influência que eu também persigo (vi essa série na TV!). A Locus 677 também trouxe duas instâncias de uma apresentação relativamente nova, o “Spotlight On”. Primeiro, sobre Scott H. Andrews, editor da revista eletrônica Beneath Ceaseless Skies, dedicada à “fantasia de mundo secundário com ênfase literária ou nos personagens”. Depois sobre Heather Shaw, editora da revista eletrônica Persistent Visions, dedicada especificamente a servir de plataforma a vozes marginalizadas.

—Roberto Causo

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