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Leituras de Setembro de 2017

Uma gripe forte e vários compromissos em setembro derrubaram o meu ritmo de leitura. Mesmo assim, o mês contou com alguns livros interessantes, incluindo o reencontro com um dos meus primeiros amores,  Pat Conroy, e com um dos meus contemporâneos mais reconhecidos, Braulio Tavares.

 

Arte de capa de Bruce Jensen.

For Those Who Fell, de William C. Dietz. Nova York: Ace Books, 2005 [2004], 410 páginas. Capa de Bruce Jensen. Paperback. Este é o sexto romance da série Legion of the Damned, de Dietz, e o primeiro que li. A ficção científica militar tem muitas caras, boa parte delas pouco a ver com o futuro e mais com o passado. Especificamente, momentos históricos aos quais a composição de tecnologia, estrutura e comportamento militar remete, às vezes de modo bem ostensivo: batalhas navais napoleônicas, a guerra de independência ou a guerra civil americana, a guerra do Vietnã e conflitos coloniais. É o caso desta série, já que a tal legião dos desgraçados é a própria Legião Estrangeira da França, lançada a um futuro distante em que uma Confederação de Seres Sencientes usa seus serviços como um sucedâneo de forças armadas nacionais. A intriga diz respeito a uma potência rival coletivista, os ramanthianos, uma espécie insetoide, que descobre em um planeta remoto povoado por colonos humanos e uma espécie nativa, como construir um comunicador mais rápido que a luz. Isso dará uma vantagem determinante para a rainha que comanda os ramanthianos, em sua empreitada expansionista pela galáxia.

No tal planeta, um batalhão de legionários acaba se dividindo, precisa formar alianças com os colonos humanos para enfrentar tanto os nativos quanto os ramanthianos, e depois de ligar as duas forças separadas, pôr as mãos do tal hipercomunicador para que haja equilíbrio tecnológico entre as duas potências rivais em batalhas futuras. Boa parte da ação é descrita pelo ponto de vista do Tenente Antonio Santana, veterano de outros volumes da série. O elenco de personagens é grande e a ação se alterna consideravelmente, de personagem em personagem (apesar do narrador onisciente) e de lugar em lugar, incluindo outros mundos. Tudo é muito chão-chão, apesar disso, e o romance não explora muitas ideias científicas. Inclusive, a própria necessidade de capturar fisicamente o hipercomunidor é frágil — não bastaria capturar os dados do projeto? Os próprios romanthianos não precisariam enfrentar tantas perdas para defendê-lo, bastando usar o próprio aparelho para enviar o projeto a algum lugar seguro…

De fins do século 19 até meados do século 20 histórias da Legião Estrangeira foram uma febre na ficção militar e de aventura. Em grande parte, em razão do sucesso do romance inglês Beau Geste (1924), de P. C. Wren, que eu li quando era garoto depois de ver duas ou três versões para o cinema. Mais recentemente, li um conto de H. Bedford-Jones (1887-1949) na brasileira Contos Magazine. Até Mickey e Pateta foram legionários… A mística da Legião na literatura inclui a dinâmica entre soldados de várias origens nacionais e étnicas, as encrencas de criminosos que se escondem nela, e batalhas sangrentas contra inimigos tecnologicamente inferiores, que empilham cadáveres nos perímetros defendidos pelos legionários. Tudo isso a gente vê no livro de Dietz, temperado também pela experiência americana no Velho Oeste e no Vietnã. Essa distância histórica permite ao autor explorar uma ficção militar que seria contrária a sensibilidade atual, caso  escrita com elementos contemporâneos. A arte de Bruce Jensen é muito característica, fundindo elementos bi e tridimensionais — nesta capa apenas sugeridos pela escotilha que cerca a figura da mulher.

 

Arte de capa de Gio Guimarães.

Sketchbook II, de Gio Guimarães. Rio de Janeiro: Bohemian Fox, 2016, 40 páginas. Capa de Gio Guimarães. Brochura. Comprei este sketchbook da artista brasileira Gio Guimarães no dia 23 de setembro, na convenção TrekkerCon, do Trekker Club, que aconteceu nas dependências do SENAC da Liberdade, aqui em São Paulo. O que me cativou foram as ilustrações digitais dela com tema de Star Trek — naves, planetas e personagens — em full color e muita atmosfera e iluminação dramática. O sketchbook, porém, traz uma amostra interessante do trabalho da artista, apenas a nanquim direto, sem qualquer intermediação digital. A qualidade técnica é muito boa, com uma hachura vivaz, uma linha de valores sempre corretos, e personagens que vão do mais acadêmico até o infantil, passando por muitos animais humanizados e situações de fantasia, com direito a dragões e evocações do Oriente Médio e do Japão. Você pode ter uma ideia da versatilidade de Gio Guimarães no blog dela (em português e inglês). Gio está baseada no Rio de Janeiro, mas toda a sua formação aconteceu na Universidade Federal de Minas Gerais, incluindo Belas Artes e Animação para o Cinema. Como este não é um livro que você vá encontrar nas livrarias, é pelo blog que poderá adquiri-lo, se tiver interesse.

Sketchbooks autografados e vendidos em eventos de fãs formam um tipo intrigante de investimento. Este é apenas o meu segundo — o primeiro foi Request (Editora Argonautas, 2014), de Daniel HDR, do qual tratei em um artigo para o site Who’s Geek. Eles certamente promovem e aproximam os artistas do seu público. E são mais pessoais e humanos do que conjuntos de pixels baixados da internet. Tenho alguns estrangeiros que apareceram por aqui na loja Terramédia, com os de Arthur Suydam, The Art of the Barbarian, em dois volumes autografados, e o meu favorito (mesmo sem autógrafo): Jeffrey Jones: Sketchbook. Legal saber que estão chegando a eventos de fãs de Star Trek e de ficção científica.

 

The Literary Mind, de Mark Turner. Nova York/Oxford: Oxford University Press, 1996, 188 páginas. HardcoverApareceu por aqui convite para falar em um painel sobre ficção científica e ciências da cognição. Isso me deu o empurrão para rever minha leitura deste elegante livro de divulgação de Mark Turner, cocriador, com Gilles Fauconnier, da Teoria dos Espaços Mentais e da Mesclagem Conceitual (conceptual blending). Nessa teoria, eles contestam a ideia prevalecente de que a propensão para o desenvolvimento da linguagem e da fala nos humanos se deveria a um órgão desconhecido presente no cérebro. Para eles, e paradoxalmente a princípio, a narrativa (story) vem antes da linguagem — isto é, a mente humana estaria fundamentalmente preparada para enxergar o mundo a partir de pequenas narrativas espaciais, antes mesmo de aprendermos a falar. Isso é contra-intuitivo, mas o argumento de Turner é sólido e soa correto e instigante para mim. Antes da linguagem, percebemos agentes e ações no espaço, no que Turner e outros teóricos chama de esquemas de imagens. Esses esquemas são recombinados constantemente com outros. Quando uma história se projeta sobre outra, tem-se uma parábola, conceito central para Turner, que enxerga nela o elemento cognitivo maior da mente, compondo nossa capacidade de atribuir sentidos. O espaço de percepção que permite a combinação de uma ou mais histórias com outras é o espaço de mesclagem conceitual. Não vou fingir que entendi todos os conceitos da teoria — e vou confessar que, na faculdade, Linguística para mim foi sempre uma tortura. Uma rápida pesquisa que fiz denotou que a teoria de Turner & Fauconnier não parece ter tido um impacto muito amplo, mas de qualquer modo chegou às universidades brasileiras. Soa mais consistente para mim, do que me pareceram as ideias de Noam Chomsky quando passei por elas na faculdade (há um capítulo em que Turner se opõe a Chomsky e outros da mesma linha).

Em literatura e em outras artes narrativas como o cinema e os quadrinhos, muitas vezes há uma posição entre estilo (linguagem) e enredo (narrativa). Estilo/linguagem possui muito mais reconhecimento intelectual. Isso foi reforçado com a chamada “virada linguística” nas ciências humanas, na década de 1960 ou por aí. Eu tinha esperança de que as ideias de Turner e Cia. equilibrassem as coisas para o lado do enredo/narrativa — mas isso seria esperar demais do contexto da cultura do nosso tempo. E, de qualquer modo, não é essa a preocupação de Turner no seu livro.

“A narrativa é um princípio básico da mente. A maioria das nossas experiências, do nosso conhecimento e do nosso pensamento é organizado como narrativas. O escopo mental da narrativa é ampliado pela projeção — uma narrativa ajuda a fazer sentido de uma outra. A projeção de uma narrativa sobre uma outra é a parábola, um princípio cognitivo básico que aparece em todo lugar, de ações simples como ver a hora até criações literárias complexas…” —Mark Turner, The Literary Mind.

 

Arte de capa de Drew Struzan.

Blade Runner (Do Androids Dream of Electric Sheep?), de Philip K. Dick. Nova York: Del Rey, 2007 [1968], 266 páginas. Capa de Drew Struzan. Posfácio de Paul M. Sammon. PaperbackVem aí o novo filme de Denis Villeneuve, Blade Runner 2049, e Gabriela Colicigno & Roberto Fideli, do Who’s Geek, me pediu um artigo sobre o original de 1982, dirigido por Ridley Scott. No processo, decidi ler pela primeira vez em inglês o romance de Philip K. Dick que deu origem ao filme — até por conta do assunto cognição e ficção científica. Eu tinha lido a tradução de Ruy Jungman, pela Francisco Alves, em 1983. Existe uma nova edição pela Editora Aleph, Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, com tradução de Ronaldo Bressane. Esta aqui foi lançada por ocasião do aniversário de 25 anos do filme, e traz na capa ilustração de Drew Struzan, o famoso cartazista americano, criada para o lançamento da versão “corte do diretor”. Struzan capturou todo o charme melancólico e urbano do filme. O livro é bem diferente: a “Guerra Mundial Terminus” depopulou o planeta, que vive assolado por uma poeira tóxica. Quem pôde, emigrou para Marte e outros planetas. Quem tem saúde ruim ou QI baixo fica na Terra, como um dos personagens-ponto de vista do romance, J. R. Isidore (Sebastian, no filme). Nosso mundo não permite a presença de androides, todos destinados às colônias. Mas oito deles vêm clandestinamente para cá, e o caça-prêmios número 1 se dá mal com um deles, dando chance para que Rick Deckard entre em ação. Mais do que no filme — no qual os androides são chamados de “replicantes” e os caça-prêmios de “blade runners” —, Dick exercita sua marca-registrada, a instauração da dúvida cognitiva a respeito de identidades e relacionamentos. Começa com o status social que o dono de um animal possuí depois que a guerra atômica dizimou a fauna planetária: quem não tem dinheiro para ter um bicho de verdade adquire clandestinamente uma réplica mecânica. O mercerismo, religião baseada num martírio virtual compartilhado por todos os que empregam uma máquina de empatia ao mesmo tempo, transformou o contato com animais num exercício necessário de empatia — à qual os androides são imunes. Quando Deckard entra em ação, depara-se a todo instante com androides fingindo ser policiais como ele. Quer matar os androides para ter dinheiro para comprar um bicho real e elevar seu status. O uso dos bichos para isso é uma “coisificação” da vida; pouco empático, na verdade, e matar seres sencientes por dinheiro também não parece muito empático. Deckard começa a se questionar. Ele, a certa altura, vai parar em uma central de polícia alternativa, desconhecida daquela em que ele trabalhava, e vice-versa. Esse é outro tema que Dick empregou em contos e romances: de onde vem a ação, a autoridade, o protagonismo histórico? Pergunta que fazemos hoje na era da “pós-verdade”…

O trecho final aborda o desmascaramento de Wilbur Mercer, o criador do mercerismo, mas incorpora um momento metafísico muito enigmático que faz o leitor se perguntar o que foi mesmo desmascarado. Do Androids Dream of Electric Sheep? é um romance consistente e realizado dentro de um clima próprio e engenhoso, que faz o leitor coçar a cabeça do começo ao fim. De fato, torna o ato de coçar a cabeça uma experiência de leitura essencial. A ficção científica e as questões de cognição, sobre o que percebemos da realidade, têm uma longa história juntos, desde o século 19. Mas Philip K. Dick foi o autor da FC moderna que mais sistematicamente explorou essa relação. Esta edição, além da deslumbrante ilustração de Struzan, traz um artigo do jornalista Paul M. Sammon sobre a relação do escritor com a produção de Blade Runner, repleto de informações de bastidores sobre como os direitos do livro foram adquiridos e como Dick reagiu aos scripts e às primeiras imagens do filme.

 

Arte de capa de Wendell Minor.

South of Broad, de Pat Conroy. Nova York: Dial Press, 2010 [2009], 526 palavras. Capa de Wendell Minor. Trade paperback. O escritor sulista americano Pat Conroy me interessou desde que, criança, vi na TV o filme Conrack (1974), baseado no seu livro de não ficção The Water is Wide (1972). O primeiro dele que li foi The Prince of Tides (1986), em 1992, que virou o filme premiado O Príncipe das Marés, dirigido por Barbara Streisand. Este South of Broad, é o último romance publicado por Conroy, com a cidade de Charleston na bela aquarela de Wendell Minor na capa. Minor fez toda uma série de capas para os romances de Conroy disponíveis quando do lançamento deste. A edição é para clube de leitura, e traz entrevista com o autor e perguntas essenciais sobre o enredo. Há uma edição brasileira, como A Mansão do Rio, pela Record.

Conroy me conquistou para a ficção sulista americana. Fiquei chocado ao saber da morte dele em 2016 aos 70 anos. Resolvi desencavar este romance e matar as saudades. Quem narra é Leopold Bloom King, batizado assim em homenagem ao protagonista de Ulisses de Joyce, o livro favorito da mãe do personagem. O romance se passa em Charleston, na Carolina do Sul, indo dos anos da integração racial nas escolas, até fins da década de 1980 e a epidemia de AIDS, terminando pouco depois do flagelo do furacão Hugo, que atingiu a cidade em 1989. Traumatizado em criança pela perda do seu irmão mais velho, que cometeu suicídio, Leo passou maus bocados com a mãe e com a justiça. Mas quando um casal de gêmeos se muda para a rua dele, os dois perseguidos pelo pai psicopata e criminoso contumaz, Leo começa a reunir em torno de si os gêmeos, um casal de negros, um casal de irmãos caipiras das montanhas e órfãos, e um trio de aristocratas locais. Juntos eles enfrentam os preconceitos raciais e aristocráticos de Charleston e do Sul, com muito humor e valentia. O Leo adulto, sua mulher Starla (a garota órfã), os gêmeos e outros personagens são pessoas emocionalmente lesadas, que nem sempre alcançam o equilíbrio. Embora incompleto, o grupo se reúne e se fortalece que Sheba, a garota gêmea transformada em estrela de Hollywood, recorre a eles para resgatar seu irmão gay Trevor, que está morrendo de AIDS em San Francisco. O romance é episódico, mas a saga da turma em SF é um dos seus melhores episódios, enveredando de modo positivo para a ficção de crime, com direito aos diálogos agudos de Conroy moldando-se ao padrão hard boiled. Com Trevor, o grupo volta a Charleston, onde ele se recupera e o pessoal se fortalece bem a tempo de enfrentar o furacão que vem revirar ainda mais o lodo do terrível passado de alguns deles, que inclui abuso infantil e traições de gente muito próxima. Conroy não doura a pílula ao tratar desses assuntos graves, mas também não chafurda neles. Ele pode até estar atenuando traumas e tragédias, assim como se esquiva de levar o modo ficção de crime até o final. O que parece lhe interessar mais é a reafirmação da amizade e do amor pela vida, da força interior que seus personagens encontram um no outro e na cidade que eles amam. Essa foi a tônica da escrita de Conroy, às vezes dura e macabra o bastante para identificá-lo com o “gótico sulista”. Seu estilo sempre exuberante, exagerado, foi um dos fatores que me fez enxergar no estilo “superescrito” (dele, de Stephen King, Anton Myrer, Cormac McCarthy, William Faulkner e outros) um transbordamento que assinala o amor pela vida na literatura. Se o romance é desigual, ele como a obra final de Conroy reforça o “módulo” que ele buscou em sua obra toda, centrado na sobrevivência do trauma e no reconhecimento das ambiguidades centrais de família, amizade e comunidade. Parafraseando o nosso Guimarães Rosa, viver exige coragem.

 

Arte de capa de Fernando Issamo.

Sete Monstros Brasileiros, de Braulio Tavares. Rio de Janeiro: Fantasy, 2014, 114 páginas. Capa e ilustrações de Fernando Issamo. Brochura. Braulio Tavares é um dos melhores escritores que a Segunda Onda da Ficção Científica Brasileira (1982-2015) produziu. Seu primeiro livro de contos, A Espinha Dorsal da Memória (1989), ganhou o Prêmio Caminho Ficção Científica, de Portugal, e ele recebeu um Prêmio Jabuti em 2009 pelo livro para crianças A Invenção do Mundo pelo Deus-Curumim. Este Sete Monstros Brasileiros é, se a memória não falha, sua quarta coletânea de histórias. Eu certamente gostaria de ter sabido do seu lançamento mais cedo.

Braulio traz para uma perspectiva adulta de horror o tema folclórico que vinha explorando como literatura infantil. Na introdução, ele observa que há uma tendência na direção do uso do folclore brasileiro na ficção especulativa nacional, e cita Simone Saueressig, Christopher Kastensmidt e Felipe Castilho. Entre os monstros reunidos por ele neste livro estão o lobisomem, o bradador e o corpo-seco, o papa-figo, a Iara e o capelobo — às vezes intencionalmente misturados. Há um tom de história contada que perpassa as sete narrativas, e em alguns casos, uma aproximação econômica mas calorosa, da condição de vida dos personagens. Esse mesmo tom aparece numa construção mais complexa, como costumavam ser os contos da primeira fase de Braulio, em “A Expedição Monserrat”. Já “Os Mortos-VIPs” brinca com a moda dos zumbis na literatura e no cinema. O conto “Bradador” tem uma força incomum, oferecendo também uma condenação da corrupção endêmica da sociedade brasileira, e acabou entrando em As Melhores Histórias Brasileiras de Horror — uma importante antologia montada por Marcello Branco & Cesar Silva, que deverá sair ainda este ano. Outras histórias saídas deste livro de Braulio Tavares, como “Gotas de Sangue”, também poderiam entrar nessa que deve ser a primeira antologia retrospectiva do gênero, no Brasil. A introdução e o posfácio do autor são interessantes e a arte digital de Fernando Issamo na capa e no miolo de Sete Monstros Brasileiros são muito fluidas e competentes, mas a diagramação do livro e a reprodução sem contraste meio que matou a maioria delas. O que vale mesmo são os textos, que eu recomendo vivamente. 

 

Quadrinhos

Arte de capa de Will Conrad & Ivan Nunes.

Comunhão, de Felipe Folgosi (texto) e J. B. Bastos (arte). São Paulo: O Instituto dos Quadrinhos, 2017, 144 páginas. Capa de Will Conrad & Ivan Nunes. Álbum. Comprei este álbum gigante na TrekkerCon 2017. É mais uma bonita história em quadrinhos escrita e produzida pelo ator e roteirista Filipe Folgosi, a partir de campanha de crowdfunding feita com o Catarse. A primeira, Aurora (2014), eu resenhei no Who’s Geek. As duas realizam roteiros de cinema que ele desenvolveu depois de estudar nos Estados Unidos, na UCLA. Esta é uma história de horror, sugestão de um colega de Folgosi no curso. Ela segue a americana Amy e seu grupo de amigos, praticantes de um reality show de sobrevivência e corrida em trilhas localizadas em diversos países. Depois de uma tragédia de inverno, quando alguns amigos morrem ao atravessar um rio, ela se volta para a religião. Mais tarde, Amy e sua equipe estão no Brasil para uma etapa da competição, onde ela encontra um ex-namorado brasileiro, Dani. Todos resolvem fazer um treino na Mata Atlântica, onde se deparam com um reverendo que é uma figura tipo Kurtz (de Coração das Trevas, de Joseph Conrad) com a cara de Bryan Cranston em Breaking Bad, dominando uma tribo indígena instalada junto a um pátio ferroviário abandonado.

Amy terá sua fé testada por atos brutais motivados pela loucura mística do vilão, e seus amigos passarão por um teste ainda mais cruento de sobrevivência. Brigas de facão, empalamento, rituais de canibalismo sincretizado com a eucaristia — o leitor está no terreno dos filmes de Sexta-Feira 13 e de Halloween, com a diferença da ambientação tropical e da profundidade dada aos dilemas de Amy. Inclusive, com uma bela virada no final. A narrativa mantém um ritmo intenso o tempo todo. Por isso, provavelmente, ela foi cruel com os índios engabelados pelo reverendo, o detalhe que mais me incomodou. A arte em preto e branco de Bastos privilegia a linha, com tracejados e meios-tons apenas no fundo, e uma linha mais valorizada no contorno externo das figuras — lembrando a arte de Mike Allred ou de Geof Darrow. O formato é bem grande, aproximadamente 22 x 31 cm. Isso o torna meio perecível nas bancas de revista, mas traz ao leitor o prazer especial de ver tantos quadrinhos na página, resultando num ritmo incomum da narrativa. Coisa rara, hoje em dia.

 

Outras Leituras

The Imagitron: The Simon Stalenhag Art Gallery on the World Wide Web. Por intermédio da rede social Pinterest, fui parar no site do artista sueco Simon Stålenhag, agora exibindo artes digitais de seus livros ilustrados criados por ele e financiados via crowdfunding: Tales from the Loop (2015) e Things from the Flood (2016). Neles, um experimento de acelerador de partículas dá errado e aparentemente abrindo portais para a vinda de máquinas e criaturas fantásticas, a uma década de 1980 alternativa. Muitas das imagens revisitam a paisagem da Suécia, transformada pela presença desses objetos e criaturas, mas também há cenas que exploram outros lugares no mundo — tudo em uma atmosfera de melancolia, solidão e estranhamento. Algumas imagens dessa estranha “invasão” sugerem também uma invasão cultural americana e de um consumismo desastroso. Há um pouco de fotorrealismo e de surrealismo nessa arte de ficção científica, por si mesma perturbadora e instigante.

 

Arte de Simon Stalenhag.

 

 

Locus 673: Arte de capa de Francesca Myman.

Locus—The Magazine of the Science Fiction & Fantasy Field 673 (volume 78, N.º 2), fevereiro de 2017. A Locus é a trade magazine do campo da FC e fantasia desde que seu criador, Charles N. Brown, rodou o mimeógrafo pela primeira vez em 1968. Uma espécie de Publishers Weekly desse campo. Sou o “correspondente brasileiro” desde 1987 ou por aí. Boa parte do pagamento pelas minhas contribuições são em extensão da minha assinatura, por isso tenho a felicidade de receber a revista em casa, embora quase sempre alguns meses depois de baixar a edição em PDF a que os assinantes estrangeiros têm direito. A revista agora tem o miolo colorido, tornando-a ainda mais simpática.

Uma das suas grandes atrações é a cobertura do estado anual da arte, o “ano em resenha”, que aconteceu nesta edição de fevereiro. Mas antes eu li a entrevista com o galês Alastair Reynolds, o grande nome da new space opera. Eu já tinha enfrentado um livro dele antes, e a entrevista renovou meu interesse. A revista tem muitos resenhadores interessantes, e normalmente eu leio com maior interesse as colunas de Gary K. Wolfe e Russell Letson, que, desta vez, cobriu a antologia original Bridging Infinity (sobre super-engenharia), de Jonathan Strahan, ed., que pretendo adquirir se tropeçar nela em alguma livraria. Também resenhou dois romances do escocês Ken McLeod (escritor que não pretendo revisitar) e um do americano Greg Bear, Take Back the Sky, parte da primeira série de space opera militar de Bear. Wolfe resenhou, entre outros, Ken Liu, de quem nosso amigo Christopher Kastensmidt é grande fã. Noutra seção da revista, Rich Horton faz um bom apanhado das questões por trás da entrada da FC e fantasia nas antologias anuais “Best American” da editora Mariner, importantes no mainstream. A antologia que ele resenha, Best American Science Fiction and Fantasy 2016 foi editada por Karen Joy Fowler & John Joseph Adams. A escritora Kameron Hurley tem uma coluna eventual na revista, mas geralmente me esquivo dela por achá-la meio insossa. Só que desta vez ela acertou na mosca, com “If You Want To Level Up, Get Back to the Basics”, que me obriguei a copiar inteirinha, no meu caderno de escritor.

“Há poucas coisas para mim que são igualmente tão deprimentes e energizantes, quanto ler um livro realmente ótimo. Grandes livros são a razão de eu ter entrado nesta área em primeiro lugar, daí o motivo de eu ficar tão frequente chocada quando ouço de outros escritores profissionais que eles não leem mais.” —Kameron Hurley, “If You Want To Level Up, Get Back to the Basics”.

Hurley reveza a coluna “Commentary” com o canadense Cory Doctorow (sobre FC e cultura digital). Esse espaço já tinha existido antes, mas eventual e sem um titular. Na edição de abril de 1999, cheguei a publicar nela o meu texto “The Next Wave”, em que chamava a atenção para a importância e o crescimento de uma FC de cunho étnico e internacional: “A próxima onda na ficção especulativa provavelmente trará novas cores para o campo, e todo um conjunto de visões perturbadoras para confrontar o futuro de consenso”, afirmei. É claro que (conforme a piada vigente desde a década de 1990 no fandom paulista) eu estava errado. Antes do reposicionamento de uma FC mais internacional e diversa junto ao mainstream da FC, surgiram outras “ondas” ou “movimentos” que chamaram a atenção — como a new space opera e o New Weird, talvez não tão interessantes para a interpolinização e a abertura do gênero para outras perspectivas. (Nesse sentido, apenas o movimento da “mundane SF” pode ter chegado perto.) A julgar pela cobertura de 2016 na Locus, essa “onda” finalmente chegou. Liz Bourke trata da diversidade sexual no seu texto, Colleen Mondor saúda a instauração do novo paradigma no campo da literatura jovem adulta (como o pessoal do Manifesto Irradiativo aqui no Brasil já anunciava), e Rich Horton lamenta que a FC tradicional não esteja engajada contra a Era Trump, mas celebra o aumento da FC traduzida. Finalmente, Geoff Ryman (o fundador da mundane SF) trata da eclosão da FC africana (em língua inglesa).

No meu artigo, eu dizia que um grande obstáculo à integração das muitas FCs internacionais ao mundo de língua inglesa era o comercialismo inerente ao gênero, que impedia as editoras de investir em traduções: “quando você pensa na FC como uma ficção comercial para exportação, parte de uma tentativa de controlar a economia do lugar que importa, qualquer estratégia que contemple a troca cultural ou a interpolinização não tem razão de ser.” Eu estava citando gente como Bruce Sterling e Gwyneth Jones, mas o interessante do texto de Mondor, por exemplo, é que exatamente o comercialismo do campo que representaria uma fragilidade das editoras a ser explorada pelas demandas de público e grupos de pressão:

“A diversidade se tornou um tópico significativo de discussão no meio editorial e especialmente quanto a livros para crianças e adolescentes. Leitores, bibliotecários e livreiros estão exigindo mais representação não apenas de quem assina os livros e nos personagens, mas ambientação e enredo também, e a indústria se arrisca se ignorá-los.” —Colleen Mondor, “YA in 2016”.

Ao mesmo tempo, ler o texto de Ryman me deu o insight de que a FC africana e outras de Terceiro Mundo estão sendo favorecidas pela integração da ficção publicada na internet, às considerações editoriais do mundo de língua inglesa. A internet acaba tendo impacto não só na articulação dos grupos de pressão, mas até pelo amadorismo das suas publicações, que parcialmente igualam o campo: um blog ou revista eletrônica pode ter tanta força quanto uma revista impressa; algo mais difícil, no tempo da divisão entre revistas profissionais, semiprofissionais e fanzines.

 

Locus—The Magazine of the Science Fiction & Fantasy Field 677 (volume 78, N.º 6), junho de 2017. Quando Orson Scott Card esteve no Brasil em 1990 para a I InteriorCon, perguntei a ele sobre sua discussão com o escritor John Kessel no fanzine Short Form. Scott me disse que Kessel podia fazer muito mal à ficção científica. Suas ideias, é claro, de importar os valores do mainstream literário para a FC. Esta edição da Locus traz uma entrevista com ele, em que ele afirma que era leitor de FC desde criança, em uma família de classe trabalhadora. Kessel foi parar na universidade, onde se estabeleceu como professor de cursos de escrita criativa. Na entrevista, ele fala sobre seu novo romance, The Moon and the Other, em uma carreira não muito prolífica. Também sobre a Era Trump, o novo assunto de preferência da comunidade de FC e fantasia nos Estados Unidos. Mas já no fim da entrevista ele conta que era um fã doido de FC, que foi seduzido pela alta literatura. “Eu queria trazer os valores da literatura para a ficção científica”, declara. “Queria tratar a ficção científica como a academia tratava as obras que eu estudava. Todo jeito que eu conseguia misturar essas duas coisas, eu buscava misturar. Também estou dividido quanto aos valores dos dois tipos de literatura — ficção de gênero e ficção literária.” E ainda:

“A ficção literária que eu estudava na pós-graduação investia em personagem, em estilo e escrita e prosa. Enredo era o tipo do segredo sujo, na melhor das hipóteses, uma necessidade suja. Enquanto a ficção científica tende a investir um bocado em narrativa e nos conceitos por trás dela, e frequentemente diminui os personagens e o estilo da prosa. Eu queria ver se conseguiria fazer todas essas coisas juntas.” —John Kessel, “Over the Moon”.

Hoje, e demonstrando alguma evolução do seu pensamento, Kessel lamenta que os novos escritores não tenham contato com a tradição pulp do gênero. “Toda a tradição [do editor] John W. Campbell não significa nada para os novos escritores”, ele diz. E:

“De certas maneiras, as revistas pulp e Campbell e os escritores que vieram depois, reagindo contra ele, eles criaram a sua própria cultura, porque o mundo da literatura estava fechado a eles — não tinham qualquer acesso a ele, eles nunca seriam reconhecidos. Eles fizeram suas próprias regras. Era uma cultura de gueto, mas tinha o seu vigor, onde não tinham que se preocupar [com o crítico Edmund Wilson] vindo dizer a eles o que era o certo e o errado. […] Então eles fizeram suas próprias regras, sua própria literatura, o seu cânone, um alicerce sobre o qual as coisas poderia ser feitas, que os sustentaram e criaram obras interessantes. Essa ficção é valiosa, porque não seguem o mainstream do modernismo americano e da ficção judaica do pós guerra e todas as outras coisas que eram consideradas como a escrita série na América de meados do século 20. Muitos desses escritores assumiam certo orgulho do fato de não serem elitistas, de serem trabalhadores nas trincheiras.” —John Kessel.

A outra entrevistada é a escritora australiana Cat Sparks, exatamente da minha geração, e alguém que participou ativamente do fandom de FC antes de se voltar para a escrita e chamar a atenção com o romance Lotus Blue (2017). Além da identificação com ela, apreciei a preocupação de Sparks com o aquecimento global e mudança climática — assunto que sofreu certa resistência na FC americana há uns 8 ou 10 anos mas que agora teme entrado com força. Sparks cita o americano Kim Stanley Robinson como um autor que antecipou muito do caminho da FC nessa direção, e diz:

“Eu não sentei para escrever uma história de mudança climática, mas é fácil ver como acabei fazendo isso. Meu doutorado ainda não-terminado examina o ponto de intersecção da ficção científica de ecocatástrofe e da ficção sobre o clima. […] Pessoalmente, eu choro de tédio com [a ideia] do escolhido que salva o mundo. Salvar o nosso mundo real vai ser um esforço de grupo.” —Cat Sparks, “Strange Directions”.

Russell Letson, que se especializa em FC hard e em séries, resenhou a new space opera Infinity Engine de Neal Asher, e Convergence, de C. J. Cherryh, o 18.º livro de uma série na qual eu estou de olho, especialmente depois de ler dois romances da autora este ano. Cherryh foi muito importante nas décadas de 1980 e 90. Tom Easton, o crítico da revista Analog, chegou a afirmar que, “no seu melhor, ela me parece estar fazendo mais par moldar o futuro da FC do que qualquer outro escritor vivo”. Demorei para assimilar o estilo telegráfico e enérgico dela, mas agora quero mais. Na Locus, John Langan resenha dois livros de horror, e me interessei por Behold the Void, de Philip Fracassi [sic], justamente por trazer histórias do “tipo Além da Imaginação” — uma influência que eu também persigo (vi essa série na TV!). A Locus 677 também trouxe duas instâncias de uma apresentação relativamente nova, o “Spotlight On”. Primeiro, sobre Scott H. Andrews, editor da revista eletrônica Beneath Ceaseless Skies, dedicada à “fantasia de mundo secundário com ênfase literária ou nos personagens”. Depois sobre Heather Shaw, editora da revista eletrônica Persistent Visions, dedicada especificamente a servir de plataforma a vozes marginalizadas.

—Roberto Causo

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Ficção Científica Literária e Feminista na TrekkerCon 2017

Roberto Causo e sua esposa Finisia Fideli participaram da TrekkerCon 2017, em painéis sobre ficção científica literária e as mulheres que fizeram o universo de Jornada nas Estrelas.

A convite do Almirante César Augusto, do fã-clube Star Trekkers, Finisia Fideli e Roberto Causo participaram dessa convenção, nas dependências do SENAC da Aclimação, em São Paulo. O evento aconteceu em 23 de setembro de 2017.

 

Causo participou no painel “Bate Papo Sobre Ficção Científica Literária”, que reuniu também o editor e promotor cultural Silvio Alexandre, o ator e roteirista de quadrinhos e cinema Felipe Folgosi, e o moderador César Augusto. O centro da conversa foi a situação atual do mercado para literatura e quadrinhos de FC no Brasil, o papel do financiamento coletivo (crowdfunding) como alternativa de obtenção de recursos, quais preconceitos sofre o autor nacional, se a ascensão da “cultura nerd/geek” teve impacto na área, e como a FC brasileira e o próprio país lidam com as questões de ciência e tecnologia, em comparação com os países desenvolvidos. Houve boa participação da plateia — uma pessoa lembrou-se, inclusive, de Causo na Isaac Asimov Magazine: Contos de Ficção Científica (1990-1993). Folgosi pôde falar da sua história em quadrinhos Aurora, que Causo teve chance de resenhar no site do Who’s Geek, e do seu novo álbum, Comunhão (IHQ, 2017), com arte de J. B. Bastos. Um exemplar de Glória Sombria, parte da série As Lições do Matador, de Causo, foi sorteado no final do bate papo.

 

Finisia Fideli fez parte do painel “Mulheres que Fizeram Jornada”, ao lado de Fabíola Forchin, Aino Alex, e Karol Souto, com mediação da oficial klingon Nair Flores, do Star Trekkers. É bom lembrar que foi Finisia quem, em tempos modernos, lá em 1996, inaugurou o questionamento da situação da mulher na ficção científica. O foco então — e desde então — foram os estereótipos femininos e o que eles denunciam do pensamento machista ou patriarcal de escritores, roteirista e editores. Felizmente, o painel na TrekkerCon escapou desse assunto já um pouco cansado. As mulheres no painel falaram sobre como o universo de Star Trek e a ficção científica fizeram parte da sua formação, a importância das mulheres na franquia, as dificuldades que as mulheres sofrem na comunidade de fãs de ficção científica, e o cosplay no dia a dia. Chamou a atenção a atitude positiva, pró-ativa e orgulhosa das mulheres, que não dão uma ênfase tão grande às cretinices masculinas, do que a militância formada nas redes sociais costuma dar. Talvez por serem todas elas profissionais independentes, cada uma com o seu próprio negócio. Pena que a conversa foi curta. Finisia sorteou um exemplar da antologia Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica (Devir Brasil, 2007), que traz o seu conto clássico “Exercícios de Silêncio“, de 1983.

O casal ainda foi adquirir Comunhão e pegar o autógrafo de Folgosi, no quinto andar do local do evento. Lá, Causo se encantou com a arte da ilustradora Gio Guimarães, e adquiriu dela o seu Sketchbook II (Bohemian Fox, 2016) e o print de uma arte de Star Trek, no estilo desta aqui. Certamente, uma artista de nível internacional, que vale acompanhar. Estavam por lá também os fãs L. Klink Jr. e Gustavo Borges, além dos escritores Renato A. Azevedo e Márcia Lins Zotarelli.

Finisia Fideli e Roberto Causo agradecem a César Augusto, pela oportunidade de falar na TrekkerCon 2017.

 

TrekkerCon 2017: Roberto Causo fala sobre ciência e ficção científica no Brasil no evento do clube Star Trekkers

 

TrekkerCon 2017: Roberto Causo, Felipe Folgosi, César Augusto, Silvio Alexandre

 

TrekkerCon 2017: Finisia Fideli e Aino Alex

 

TrekkerCon 2017: Finisia apresenta o sorteio da antologia Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica

 

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Leituras de Agosto de 2017

Este foi um mês de novas leituras de fantasia e de ficção científica, mas com espaço para não-ficção, quadrinhos e ficção literária.

 

Arte de capa de Kevin Murphy.

Adiamante, de L. E. Modesitt, Jr. Nova York: Tor Books,1998 [1996], 312 páginas. Capa de Kevin Murphy. Paperback. Assim como Jack McDevitt, comentado mês passado, Modesitt é um escritor que se repete muito mas sempre entrega um trabalho consistente, despretensioso e, muitas vezes, instigante. É o caso deste Adiamante, obra de impacto que se expressa como exercício de filosofia moral numa ficção científica de futuro distante. Nesse futuro, a humanidade se dividiu em três grupos: os demi[gods], os cyb[orgs] e os draffs. Num passado indeterminado, o cybs se insurgiram e foram expulsos da Terra. No tempo do romance, eles retornam com uma esquadra de naves superpoderosas feitas com a substância mais resistente que a tecnologia humana é capaz de produzir: o “adiamante” do título.

Uma das características do autor é narrar na primeira e na terceira pessoas. Aqui o livro acompanha, na maior parte, a narrativa do protagonista, Ecktor. Ele é o Coordenador planetário da Velha Terra, indicado quando os cybs ressurgem. A sociedade que representa e fundada no respeito ao indivíduo, no aproveitamento energético (até a classe dirigente tem que prestar serviços à comunidade, quando consome energia com caprichos) e na recuperação ambiental. Ecologia é um tema de Modesitt — o primeiro livro dele que li foi um ecothrillerThe Green Progression, escrito com Bruce Scott Levinson. Em Adiamante, a humanidade, escolada em guerras e poluição em escala planetária, aprendeu as lições da história. Os demis adotaram um código estrito de conduta ética e integraram a própria ideia da resistência pacífica aos seus genes — exatamente dentro da conclusão de Reinhold Niebuhr em Moral Man and Immoral Society (1930), que discuti aqui em julho. A maior parte do intenso suspense que surge do romance vem de sabermos o tempo todo que os demis têm poder para destruir os cybs (Ecktor tem um pedaço de adiamante como peso de papel), mas evitam fazê-lo até que as intenções dos invasores, por seus próprios atos, fiquem claras. A única coisa que eles jamais farão, é um ataque preventivo, coisa que virou doutrina oficial americana durante a administração George W. Bush.

“Poder sem moralidade é o desastre; moralidade sem poder é inútil.” —L. E. Modesitt, Jr. Adiamante.

Além disso, a impossibilidade de comunicação quando os sistemas de valores são opostos também é marcada ao longo da narrativa, com Ecktor padecendo de um isolamento moral em relação aos cybs, que é partilhado por toda a coletividade de demis. Esse grupo escolhe o sacrifício de grande dos seus quadros, para que não cometessem um ato que iria corromper e destruir as bases da sua sociedade — eles têm sua própria versão da “psico-história” de Asimov, com previsões de alta percentagem indicando isso. Uma escolha tão singular, que só encontrei exemplos semelhantes em duas outras ocasiões, nas minhas leituras: na novela “Zanzalá” (1938), do brasileiro Afonso Schmidt (mas em tom farsesco), e no romance Pastwatch: The Redemption of Cristopher Columbus (1996), de Orson Scott Card. A FC costumava ser assim… romances compactos que dramatizavam com engenhosidade conceitos éticos e sociais caros à civilização. Esta foi uma das minhas melhores leituras neste ano, até aqui. A capa de Kevin Murphy é simples mas busca o tipo de textura de materiais que o mestre inglês Jim Burns costuma realizar.

“Apesar de todas as nossas redes, de todas as nossas comunicações, os humanos — cybs ou demis — são alienígenas, alienígenas uns para os outros, e para o universo, e é por isso que devemos ter confiança.” —L. E. Modesitt, Jr. Adiamante.

 

Arte de capa de Paola Giometti.

O Chamado dos Bisões, de Paola Giometti. São Paulo: Andross Editora, 2017, 144 páginas. Capa e ilustrações internas de Paola Giometti. Brochura. Ramo talvez recursivo da fantasia — hipótese enfatizada pela série Redwall do escritor inglês Brian Jacques (1939-2011) —, a fábula de animais é um pouco rara no Brasil. Eu gosto de bichos, e desse tipo de fábula desde que li uma num livro da Disney, quando era menino. Por sorte, tenho feito a preparação de texto da série de fábulas sobre animais norte-americanos escrita por Paola Giometti, e que inclui O Destino do Lobo (2014) e O Código das Águias (2016). Todos têm a mesma moldura: um jovem que viaja da cidade para zonas mais ermas, florestas e montanhas, onde ouve fábulas de animais importantes para a cultura nativo-americana, pela boca do seu sábio bisavô. O bicho deste terceiro volume é o bisão americano, e o tema é a migração como rito de passagem na formação de uma pequena bisonte que se separou da mãe e do rebanho. Quem conhece os volumes anteriores é premiado com aparições de personagens que viveram as aventuras precedentes. Todos os livros da trilogia tratam dos atritos muito ambíguos entre os animais e os seres humanos. Há um leve toque místico, no culto aos antepassados, pelas várias espécies. Parte da diversão desse tipo de fábula é como os animais são humanizados — aqui, com a inclusão de atitudes e modos de falar dos jovens. A função moralizante da fábula é explicitada pelas reações do jovem que ouve a história contada pelo avô. Com este livro, lançado em 12 de agosto na Biblioteca Viriato Corrêa, a série Fábulas da Terra se completa como uma trilogia. O lançamento contou com convidados muito especiais, duas corujas e uma águia-chilena mantidas pelo grupo de criadores Turma do Gavião, sendo que a águia Ragnar e a coruja Sansão aparecem como personagens no livro. (Minha esposa Finisia Fideli adorou ver os bichos e conversar com os criadores.) Giometti, que escreve com graça e vivacidade, e ilustra os próprios livros, pretende escrever agora narrativas de realismo mágico.

 

Arte de capa de Steve Stone

Dragon Haven: Volume Two of the Rain Wilds Trilogy, de Robin Hobb. Nova York: EOS, 1.ª edição, 2010, 508 páginas. Capa de Steve Stone. HardcoverEste é o segundo livro da tetralogia Rain Wild Chronicles, de Robin Hobb. E parte de uma longa série muito maior, iniciada com a Trilogia Farseer, conhecida no Brasil como Trilogia do Assassino. Hobb é o pseudônimo de Megan Lindholm, que apareceu na Isaac Asimov Magazine: Contos de Ficção Científica com esse nome. Hobb/Lindholm é uma das melhores autoras de fantasia que conheço. Seu vasto mundo secundário é complexo e humano. A Trilogia Liveship Traders termina com o retorno de um dragão aos céus desse mundo. Um número de serpentes marinhas consegue se instalar no Rio Rain Wilds, onde criam casulos que vão chocar os dragões. Na Trilogia Tawny Man, dois personagens marcantes da Trilogia Farseer, Fitz e o Bobo, integram expedição a terras distantes e geladas, em busca de um dragão congelado. O Bobo diz que o seu objetivo na vida é trazer os dragões de volta ao mundo — uma loucura, na visão de Fitz. Para quê trazer feras destruidoras, famintas e arrogantes de volta? Para equilibrar a arrogância humana. Um projeto que tem a minha simpatia, e é a razão não religiosa mais abstrata possível para o preservacionismo ambiental.

No primeiro livro das Rain Wilds Chronicles, Dragon Keeper (2010), um grupo de dragões mal-formados emerge dos casulos. Eles não se viram sozinhos, e o Conselho de Comerciantes da cidade de Trehaug não quer pagar pelo seu sustento. Para se livrar dos dragões, montam uma expedição à cidade perdida de Kelsingra, em algum lugar subindo o rio. Jovens indesejados de Trehaug são convertidos em tratadores de dragões, e enviados com os bichos. A garota Thymara é um deles, e a expedição conta ainda com a aristocrata de Bingtown (a cidade da Trilogia Liveship Traders) Alise Kincarron, uma erudita no estudo dos dragões, que vai acompanhada de seu amigo de infância Sedric Meldar — o amante secreto do marido de Alise, Hest Finbok. Dragon Haven discute o quanto o secretismo em torno da homossexualidade leva a comportamentos esquivos: Sedric deseja comercializar partes de dragão, de alto valor de junto aos salcedeanos, uma das nações mais canalhas do mundo secundário criado por Hobb. Seu objetivo é enriquecer o bastante para viver com Hest sem precisar esconder o relacionamento. O livro também enfoca o sexo e os custos da gravidez adolescente, considerando que, por viverem no Rio Rain Wilds, os tratadores sofrem de deformidades que limitam sua chances de reprodução. Nem sempre eles entendem isso, e Thymara, em particular, é pressionada a escolher um parceiro para evitar atritos entre os rapazes. De personalidade forte, ela resiste. Os percalços do enredo incluem uma cabeça d’água que causa baixas na expedição; as ideias utópicas do tratador Greft, de criar sua própria sociedade livre em Kelsingra, fazendo uma guinada na direção de O Senhor das Moscas, de William Golding; o conflito entre os expedicionários, fomentado por traficantes de partes de dragões, infiltrados entre eles; e a maturação violenta dos próprios dragões, que começam a transformar fisicamente seus tratadores, como fizeram no passado na civilização desaparecida dos elderlings. Hobb é mestre em encontrar o timing preciso entre os diversos pontos do enredo, e quando o seu discurso sobre sexo e gravidez adolescente parece estar enchendo a paciência, ela põe em cena os mais terríveis argumentos. Sua sensibilidade a faz também relativizar o papel desagregador de Greft, e o retrato da homossexualidade que vinha construindo — achando um namorado honesto e dedicado para Sedric. Os elementos do gênero romance, combinados com a fantasia, estão mais claros no relacionamento apimentado de Alise com Leftrin, capitão da barcaça que acompanha a expedição. Um homem rude, mas que a aprecia mais do que o arrogante Hest jamais o faria.

Os dragões são um interesse à parte, na sua arrogância e pomposidade, e na interação com os jovens tratadores. Ao contrário daqueles de Game of Thrones, eles falam e também se comunicam telepaticamente. A ilustração de capa de Steve Stone tem uma bonita tonalidade, mas qualquer fã de fantasia vai dizer que seus dragões são um completo engano.

 

Arte de capa de Carlos Chagas.

Céu Vermelho, de Júlio Emílio Braz. Rio de Janeiro: Editora Ao Livro Técnico, 1995, 56 páginas. Capa e ilustrações internas de Carlos Chagas. O ano de 1995 foi aquele em que as coleções Novos Mundos da Ficção Científica (Francisco Alves) e Ficção Científica GRD (Edições GRD) deixaram de circular. A publicação de FC no Brasil, que já era esporádica, minguou ainda mais — situação que só se reverteu oito ou dez anos depois. A área juvenil sempre foi mais rica, mas nela também a FC tinha uma presença incerta. O colega Júlio Emílio Braz, um dos poucos afro-brasileiros trabalhando no campo da FC, foi roteirista de quadrinhos e escritor de livros de western para a Editora Escala, sob pseudônimo e vendidos em banca de jornal. Quando se instalou no campo infantojuvenil, ganhou fama e foi publicado no exterior. Imagino o quanto este Céu Vermelho — que encontrei outro dia numa arrumação — não representa um momento de transição do Júlio Emílio. Tem muito de faroeste, com perseguição a ladrões de cavalos, circo de horrores, duelo em saloom e confronto final entre herói e vilão. A palavra “xerife” conseguiu se enfiar no texto, inclusive…

Mas é ficção científica. Do tipo ufológica com direito a OVNIs e “ufonautas tipo 1”: um alienígena sinistrado na Terra acaba se integrando à família do militar que o abriga. Isso, num canto do Sul do Brasil chamado Cerros Bravos, na segunda metade do século 19. Lembra aí “Um Moço Muito Branco” (1962), de Guimarães Rosa, passado em Minas Gerais em 1872, com um alien abandonado acidentalmente nos rincões do lugarejo Serro Frio… O E.T. de Céu Vermelho conquista as crianças do lugar, manipulando a matéria e curando um guri com poliomielite, mesmo enquanto o padre local (que tem um não explicado neto) quer organizar um grupo de linchamento contra ele. Mas é um bando de bandoleiros que o ameaça de fato, capturando-o para a dona de um mafuá de passagem pela região. Li outros livros juvenis de Júlio Emílio (que li quando meu filho estudava no Colégio Notre Dame aqui perto de casa, onde conhecemos o escritor numa feira de livros dentro da escola). Neles, nota-se que o autor não é fã de finais felizes. Este não é exceção. O conto de Rosa tem no “estilo roseano” a marca maior, a novela de Júlio Emílio, também ela com um léxico rico, talvez devedor de Erico Verissimo, é marcada pelos elementos de aventura que ele combinou.

A Editora Ao Livro Técnico é responsável pela publicação do primeiro livro de arte de FC lançado no Brasil, Naves Espaciais: 2000 a 2100. Sua edição de Céu Vermelho deixou a desejar na revisão, mas a capa e as cinco ilustrações internas (em preto e branco) de Carlos Chagas são um plus. Chagas está lá com Manuel Victor como um dos grandes da ilustração de livros para crianças no Brasil, e embora aqui ele não explore muito os elementos de FC, suas artes remetem à pintura brasileira dos tipos regionais (tipo José de Ferraz Almeida Junior), reforçando a mistura sugestiva que o escritor criou. Há pelo menos mais um livro de FC juvenil pela editora, Os Semeadores da Via Láctea, de Paulo Rangel. Também com arte de Chagas.

 

Romance com Pessoas: A Imaginação em Machado de Assis, de José Luiz Passos. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2014 [2007], 400 páginas. Brochura. Ainda envolvido com Machado de Assis, desta vez peguei um estudo a respeito dele, pelo professor universitário e romancista José Luiz Passos. Seu O Sonâmbulo Amador ganhou o Grande Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2013. O foco deste estudo está em como Machado busca na psicologia dos seus protagonistas a exploração da moralidade e das máscaras que usamos para transitar dentro da sociedade. Passos afirma que o nível de penetração psicológica que Machado alcançou seria uma contribuição dele para o romance latino-americano (embora não forneça contra-exemplos).

Um dado interessante é o quanto Machado teria bebido de William Shakespeare. Isso parece óbvio para quem conhece seus contos e romances, mas Passos foi além e fez um levantamento das ocorrências de Shakespeare, menções e citações, na obra toda de Machado. Há uma listagem no final do livro, com ocorrências majoritárias de peças como Otelo e Hamlet. Muito menos das que tratam da história da Inglaterra, e menos ainda, não pude deixar de notar, daquelas com elementos fantásticos como A Tempestade e Sonho de uma Noite de Verão. A tradução de um romance de Vitor Hugo também pode ter influenciado Machado na adoção das suas estratégias literárias mais características, assim como a obra do russo Ivan Turgueniev. Passos revela que o interesse de Machado pelo realismo teria surgido da sua apreciação do teatro da época, já que foi crítico de teatro e já que o realismo chegou antes às artes brasileiras via teatro, e não pela prosa literária. Aí também tem-se uma pista do privilégio do adultério como tema na sua obra, já que foi um assunto muito visitado por esse teatro pioneiro. O livro tem um estilo acessível e apresenta capítulos relativamente curtos, escritos com leveza e uma certa autonomia. Assim, os argumentos de um reforçam os de outros, mas sem que haja uma lógica de tese universitária amarrando-os — o que é muito positivo. O foco está nos romances de Machado, embora o autor também mencione alguns contos e novelas. Cita muito Antonio Candido e Roberto Schwarz, como seria de se esperar, mas também alguns estrangeiros, e trata ainda da polêmica entre Machado e um dos seus primeiros críticos, Sílvio Romero. Em tudo, expressa a admiração pelo modo como Machado de Assis deu a seus personagens o caráter de pessoas.

“Será que ganhamos algo de fundamental quando consideramos os protagonistas de um romance pessoas, e não meras instanciações simbólicas de qualidades mais abstratas?” —José Luiz Passos. Romance com Pessoas: A Imaginação em Machado de Assis.

 

Dicionário de Pequenas Solidões, de Ronaldo Cagiano. Rio de Janeiro: Língua Geral, Coleção Ponta-de-Lança, 2006, 136 páginas. Texto de orelha de Ignácio de Loyola Brandão. Brochura.  Conheci Ronaldo Cagiano por intermédio do escritor mineiro João Batista Melo, que, como contista, às vezes explora a ficção científica e a fantasia. Quando João Batista vem a São Paulo, costumamos nos reunir os três (às vezes quatro, quando a esposa de Cagiano, a escritora Eltania André, o acompanha) para um papo. Cagiano e eu temos algumas coisas em comum: somos fãs de João Batista; costumamos reclamar muito da situação do mercado editorial; somos os dois oriundos de cidades pequenas, ele de Cataguases-MG, e eu de Sumaré-SP — duas cidades que contribuíram incidentalmente para a ficção científica. Mas ele escreve ficção literária e eu, ficção de gênero.

Alguns dos 14 contos do livro se passam em Cataguases, outros em Brasília, por onde Cagiano também passou. Um deles, “Encontros”, narra a passagem de Franz Kafka (1883-1924) por Cataguases nos idos de 1910, instigado pelo cineasta pioneiro Humberto Mauro (1897-1983) e acompanhado de Max Brod. Por isso talvez possamos classificar o conto como história alternativa… Outros contos falam das angústias da vida brasileira, focados em personalidades constrangidas por experiências de infância ou juventude, como a menina violentada em “O Abuso”, a prostituta assassinada em “Solidão”, o jovem frívolo que herda responsabilidades inesperadas com a morte do irmão em “Juízo Final”, a solidão de uma imigrante georgiana entre seus cachorros em “Pavlov”… Uma coisa que me agrada em Cagiano é o fato de ele se esquivar da prosa minimalista que veio a dominar a literatura brasileira com a Geração 90. Seu estilo é mais rico e remissivo dos momentos da literatura e da cultura brasileira que compõem sua formação como escritor, imagino que aqueles estabelecidos especialmente na década de 1970, bastante críticos da urbanização e desumanização da sociedade brasileira. Esse tipo de enfoque e a prosa literária que advém dele tendem ao mergulho psicológico e a um tom introspectivo, reflexivo, que para ser bem marcado costuma limitar a voz dos personagens ou embuti-la num discurso indireto livre. Dos 14 contos, nenhum deles apresenta situações de diálogos — o que não deixa de ser um tipo de redução… A edição da Língua Geral é muito bonita, com uma capa mais rígida do que o costumeiro, uma cinta emborrachada que a abraça (não aparece no scan acima) e apenas uma orelha, assinada por ninguém menos que Ignácio de Loyola Brandão.

“Quando você abre o livro e começa pelos contos da mulher violentada e a visita de Kafka percebe que está diante de um escritor que sabe o que fazer, sabe para onde vai, como se vai, as conduções que deve tomar … Cagiano é um autor que te prende na primeira página.” —Ignácio de Loyola Brandão.

 

Half Life, de Hal Clement. Nova York: Tor Books, 2000 [1999]. Paperback. Hal Clement (Harry Clement Stubs; 1922-2003) escreveu o clássico da ficção científica Mission of Gravity (1953), importante para a retomada da FC hard americana na década de 1970, com Larry Niven et alii. Ainda na primeira metade da década de 1990, a Editora Aleph contratou esse romance, produziu uma tradução e encomendou uma linda capa feita por Vagner Vargas. Mas o livro acabou não saindo. Assim como Mission of Gravity, este Half Life foi primeiro publicado em partes em uma revista, a Absolute Magnitude, mas como histórias interligadas — um fix-up, portanto.

A aventura se passa em um futuro em que a humanidade e a vida na Terra parecem ter seus dias contados. Uma profusão de doenças degenerativas jogou a expectativa de vida para metade da atual. As ciências exatas foram arregimentadas e militarizadas para concentrar o esforço de salvação da humanidade. Uma nave com uma tripulação de doentes terminais é enviada a Titã, a lua de Saturno. Vai em busca de traços de substâncias ou compostos pré-bióticos (constituintes químicos da vida biológica) que possam lançar luz sobre a formação da vida e, indiretamente, sobre a atual ameaça à vida na Terra. Uma FC hard baseada em microbiologia ou bioquímica, portanto (Clement foi professor da área). Há muita ironia tanto na premissa quanto no modo como o romance é narrado. O narrador onisciente salta de personagem em personagem e levantando os pontos científicos, mesmo que muito se desenvolva por meio de diálogos entre os tripulantes que, de tão doentes, não se comunicam fisicamente. Mais ainda em como as mortes dos homens e mulheres bombardeados da tripulação pontuam os passos e as descobertas da expedição, envolvendo uma substância de aparência betuminosa que corrói superfícies metálicas e trajes espaciais. Daí surge, aliás, um estranho senso de estoicismo que é uma das marcas da narrativa. As mortes e a investigação científica mantêm o suspense até o finzinho. O desfecho, ironicamente nada retumbante, sugere a descoberta de uma pista promissora em torno de enzimas perturbadas pelos metais pesados acumulados na biologia humana e animal. A verve de Clement torna Titã um mundo fascinante, e o destino que ele dá aos adoentados tripulantes é uma saudação à persistência da vontade humana. A arte de capa anônima tem Titã, os anéis de Saturno e um “código de barras genético” (atrás do título), mas não comunica muita coisa e parece indistinta e improvisada.

 

Quadrinhos

Arte de capa de Chris Bachalos & Tim Towsend.

Star Wars Infinitos: O Império Contra-Ataca (Star Wars Infinities: The Empire Strikes Back), de Dave Land (texto) e Davidé Fabbri (desenho). Barueri-SP: Panini Comics, 2017, 108 páginas. Capa de Chris Bachalos & Tim Towsend. Brochura. Em abril, li o primeiro desta série Infinitos, de narrativas alternativas de Star Wars. O Império Contra-Ataca é o meu favorito dentro da franquia no cinema, e fiquei curioso com este livro de quadrinhos. Infelizmente, tanto o roteiro de Dave Land quanto a arte de Davidé Fabbri são inferiores àquelas de Star Wars Infinitos: Uma Nova Esperança, embora com uns pontos interessantes. Começa que a arte de Fabbri e a colorização de Dan Jackson puxam muito para o infantil.

A história abre com Luke Skywalker sendo morto por dois monstros da neve (e não apenas um, como no filme) no planeta Hoth. Mesmo com o pupilo mortalmente ferido, Ben Kenobi aparece e faz um apelo idiota para que ele vá ao planeta Dagobah instruir-se com Yoda. Depois da escaramuça abreviada com destroiers do Império, Han Solo vai parar em Bespin, onde, na cidade das nuvens e já reunido ao amigo Lando Calrissian, troca sopapos com o caça-prêmio Boba Fett. Quando Han finalmente chega a Dagobah, acompanhado da Princesa Leia, descobre que ela é o Skywalker que pode recolocar a força em equilíbrio. É bom ver Leia valorizada e Yoda outra vez no centro das ações (em O Retorno do Jedi ele morre de velho!), mas faltou desenvolvimento. Esta versão tem como ápice uma longa sequência em Dagobah, muito interessante por ter Yoda usando um recurso da força que eu nunca tinha visto antes: uma memory trip que faz Darth Vader rever seus crimes, desde os tempos de padawan. Tendo acesso aos seis filmes canônicos, Land também convoca para essa sequência Kenobi, Mace Windu e Qui-Gon Jinn, que esfregam sal nas feridas morais de Anakin Skywalker. Ao contrário de Star Wars Infinitos: Uma Nova Esperança, esta versão alternativa de O Império Contra-Ataca deixa o imperador fora da ação — e derradeiramente não faz jus ao ótimo filme de Irvin Kershner. (Que, aliás, não precisa de versões alternativas.) Estranhamente, a Panini deixou de dar crédito aos artistas das outras três capas da edição em partes, que aparecem no miolo do livro.

 

Star Wars: Império Despedaçado (Star Wars: Shattered Empire), de Greg Rucka (texto) e Marco Checchetto, Angel Unzueta e Emilio Laiso (arte). Barueri-SP: Panini Comics, 2016, 108 páginas. Capa de Phil Noto. Capa dura. Este livro surgiu ano passado com o selo Jornada para Star Wars: O Despertar da Força; ou seja, vem pavimentar o terreno entre o episódio VI, O Retorno de Jedi, e o VII. Devo dizer antes de mais nada que a arte do italiano Marco Checchetto chama muito a atenção. Ele também está na revista Star Wars nas bancas, edições 016, 017, 018 e 019, com uma aventura de Obi-Wan Kenobi & Anakin Skywalker num mundo meio steampunk. Pena que Checchetto não pôde desenhar o livro inteiro, mesmo porque a oscilação da arte incomoda.

A história começa na Batalha de Endor, quando Luke Skywalker foge da Estrela da Morte II com o seu moribundo pai. Um caça asa-A dos rebeldes intercepta o shuttle Tyridium que Luke pilota, e o poupa quando ele se identifica, passando a escoltá-lo até a lua de Endor. Quem pilota o caça é uma jovem morena chamada Shara Bey. O leitor passa a segui-la numa sucessão de episódios em que ela acompanha Han Solo, Leia Organa e Luke Skywalker em missões do tipo limpeza ou mop-up, enquanto o Império balança com a notícia do fim de Palpatine. A sequência inicial é bem feita, e não apenas as naves são perfeitamente reproduzidas, como traz as marcas da estrutura narrativa vista os filmes, com muitas comunicações em off e naves se cruzando no espaço. Checchetto também é um bom fisionomista, captando bem as caras dos heróis principais, mesmo enquanto mantém seu estilo. Shara, em especial, é encantadora por ter um rosto jovem de expressão ao mesmo tempo alerta e melancólica. Durante a comemoração triunfal em Endor, ela dá uma escapada com o marido, parte de uma tropa de operações especiais de infantaria. Quando Han chama essa grupo de combate, ela vai junto como piloto. Ao saber que o nome do marido é Kes Dameron, fica evidente que ela é mãe de Poe Dameron. A principal linha trata de como Shara, Leia e uma terceira garota salvam um mundo importante para o passado tanto de Leia quanto de Anakin Skywalker, de uma nova arma destruidora de planetas — via manipulação meteorológica. Esse segmento é ilustrado por outro artista, o espanhol Ángel Unzueta, que carece do charme de Checchetto. Numa espécie de epílogo, Shara reencontra Luke, pilotando para ele numa missão para recuperar duas mudas de uma árvore que antes existira dentro do templo jedi em Corusant (deve constar de algum romance ou HQ do universo expandido, imagino). Muitas aventuras, para uma moça que queria mais que tudo liquidar sua fatura com a Aliança Rebelde e se recolher em um planeta pacífico, com o marido e o filho.

A narrativa de Greg Rucka me pareceu mais complexa do que costumamos ver nessas HQs de Star Wars, mais episódica também. Mas a alternância de artistas acaba prejudicando o fluir do roteiro. A galeria de capas alternativas das revistas que forneceram o material para o livro inclui uma arte do brasileiro Mike Deodato. Essa que aparece na capa da versão em livro, tipo foto de família e  sem muito brilho, é de Phil Noto e não casa bem com o título.

 

Outras Leituras

O ícone do tumbler Brude’s World

Brude’s World, um tumblr de ilustrações. Eu visito muitos tumblrs de ilustração e imagem, em geral meio que sem sistema e normalmente abrindo direto o arquivo e escolhendo de lá as imagens que quero baixar. Mas recentemente encontrei este Brude’s World que me impressionou com uma curadoria sólida que bate bem com o meu gosto: lida com ficção científica, fantasia e horror na literatura, cinema e quadrinhos e a presenta uma boa continuidade entre esse gêneros e campos. Também entre o ontem e o hoje, recuando até imagens da antiguidade clássica e da ilustração e pintura do século 19 (incluindo os pintores pré-rafaelitas), com alguma coisa de erótico aqui e ali. Acho que tem uma das melhores curadorias dos tumblrs que estão por aí. Quem quer que seja o dono ou donos do tumblr, ele(s) conhece(m) a história desses gêneros e sabe(m) quem são os grandes nomes e o que é um desenho e uma arte-final de qualidade. Tem material lá de Frank Frazetta, Virgil Finlay, Frank R. Paul, Ed Emshwiller, Chesley Bonestell, Jack Kirby, Edward Burne-Jones, J. Allen St. John, N. C. Wyeth, Gustave Doré, Barry Windsor-Smith, Bernie Wrightson, Boris Vallejo, Jeffrey Catherine Jones, Drew Struzan, Moebius e Arthur Rackham. De vez em quando aparece algum brasileiro como Henrique Alvim Corrêa, Benício ou Mike Deodato. As postagens são frequentes e incluem ocasionalmente gifs e vídeos, e muitos daqueles posters alternativos — um tipo de arte de fã ou cartão de visitas de artistas ou estúdios, que virou moda nos tumblrs. Seu slogan é: “Poder, paixão, pin-ups e posters. Quadrinhos, belezuras, criaturas e calafrios.”

 

O banner com o logotipo do site Pulp International

Pulp International. Este é um site baseado em San Jose City, nas Filipinas, e quando diz que é internacional, é internacional mesmo. Traz muito material americano, mas também inglês, alemão, francês, australiano, japonês, mexicano, espanhol, indiano e até brasileiro — como esta postagem sobre a série ZZ7 de ficção de espionagem protagonizada por Brigitte Montfort e ilustrada pelo rei das pin-ups brasileiras, Benício. A definição de pulp que o site adota também é muito ampla, compreendendo a literatura e a indústria editorial centrada nela, e revistas pulp de todo tipo, não apenas de ficção mas de crime da vida real, pornografia (soft, na maior parte), cobertura de Hollywood, e os filmes, séries de TV e quadrinhos derivados. As postagens se agrupam em dez por páginas, o motor de busca funciona bem e os comentários muitas vezes são extensos e interessantes. A maior parte do conteúdo é vintage, mas às vezes aparece alguma postagem sobre algo moderno ou contemporâneo. Em agosto, estive lá baixando uma quantidade de capas de paperbacks de ficção de crime hardboiled com ilustrações de automóveis (vá entender…). Fiquem avisados: nesse site às vezes a gente tropeça em alguma coisa realmente de mau gosto. Mas pulp também é isso, não é verdade?

Roberto Causo

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Leituras de Maio de 2017

A ficção científica em prosa e em quadrinhos dominou as minhas leituras de maio, mas com espaço também para a não ficção e mais arte de FC.

 

Arte de capa de Stephan Martiniere.

The New Space Opera, de Gardner Dozois & Jonathan Strahan, eds. Nova York: Eos, 1.ª edição, 2007, 518 páginas. Capa de Stephan Martiniere. Trade paperback. A new space opera foi uma variação da “velha space opera” que andou se agitando desde a década de 1980 mas se tornou uma das forças na ficção científica anglo-americana na década seguinte e no começo desde século 21. É pós-cyberpunk na textura, nos protagonistas jovens, no apelo às inteligências artificiais e à “singularidade tecnológica”, é menos exótica e mais científica. Além disso, assumiu alguma discussão política de esquerda, e não apenas libertariana (como de hábito na space opera militar em voga nos EUA). Os editores desta antologia afirmam, porém: “não estávamos especialmente preocupados em obter histórias que confirmassem esta ou aquela definição.” Estão lá, porém, vários autores identificados com a modalidade “new“: Peter F. Hamilton, Ken Macleod, Alastair Reynolds, Stephen Baxter e Dan Simmons. Também vale notar a ausência de autores que há décadas ganhavam a vida com space opera militar ou do tipo mais exótico…

A capa do artista digital francês Stephan Martiniere, um dos principais “intérpretes” visuais da new space opera, plasma o subgênero mais do que muitas das histórias da antologia. E quanto às histórias… Fiquei anos empacado na noveleta de Kage Baker, ambientada em Marte e tratando da montagem de uma peça de teatro. Uma comédia arrastada e sem graça. Outras histórias se focam demais em contar e não mostrar — como as de Tony Daniel, Stephen Baxter e Paul J. McAuley. A noveleta de Robert Silverberg é muito charmosa e exótica mas torna o contar o seu elemento central, já que apresenta uma espécie de Xerazade visitando a corte do imperador da galáxia. Outras histórias carecem do tipo de mobilidade que caracteriza a space opera, focando-se em episódios de xenoarqueologia — como as de Greg Egan e Nancy Kress. Além disso, há histórias que se focam mais na dicção pós-cyberpunk da new space opera, como a de Ian McDonald; ou que buscam subverter as expectativas do que é a aventura na space opera, como a de Walter Jon Williams, que substitui a aventura em que se corre perigo de vida e se visita lugares exóticos, pela aventura de casos sexuais e maridos traídos, naquilo que é basicamente uma história de beatniks no espaço… Minhas histórias favoritas da antologia são as de Gwyneth Jones, Alastair Reynolds e, principalmente, Dan Simmons. A emocionante história da inglesa Jones apresenta uma heroína inglesa e um sidekick equatoriano chamado Pelé, e nos lembra da persistência da exploração e do abuso do outro. A de Reynolds fala de um super-operativo que interrompe sua missão para, junto com a sua nave-faz tudo, auxiliar uma civilização low-tech a sobreviver a uma explosão solar. Para isso ele fornece tecnologia e observa, ao longo de algumas gerações (despertado de períodos de hibernação), a formação de uma sociedade arregimentada que vence inimigos locais e movimenta a força de trabalho necessária à construção das naves de evacuação. Quando a coisa descamba para um regime totalitário interessado só na própria perpetuação, ele intervém uma última vez. Uma história que lembra que a luta contra a tirania também é eterna. Finalmente, a novela de Simmons leva o leitor a uma montanha russa de imagens cada vez mais épica, enquanto uma trupe shakespeareana é convocada para se apresentar diante da hierarquia de alienígenas que escraviza a humanidade. É um teste, que tem a extinção da humanidade como resultado possível. Apenas Shakespeare poderá nos salvar. A premissa é absurda e eurocêntrica, nunca realmente fundamentada, e a história explicita mais uma vez a incapacidade da maioria dos autores selecionados, de celebrar a space opera sem recorrer a algum truque ou perspectiva que os coloque a salvo das características mais aventurescas do subgênero. A diferença está em que Simmons não se desobriga de maravilhar o leitor, enquanto a maioria dos outros abre mão disso.

 

Arte de capa de Stephan Martiniere.

Hunter’s Run, de George R. R. Martin, Gardner Dozois & Daniel Abraham. Nova York: Eos, 2009 [2008], 288 páginas. Capa de Stephan Martiniere. PaperbackLançado no Brasil pela LeYa em 2017 como Caçador em Fuga — com a mesma arte do extraordinário artista digital francês Stephan Martiniere —, este é um romance com três autores que demorou três décadas para ser completado. Um ponto de interesse para o leitor brasileiro está no fato de ele ser ambientado no planeta São Paulo, colonizado por brasileiros e mexicanos.

É ambientado num futuro em que os humanos são clientes de uma espécie alienígena que lhes franqueou o acesso a outros mundos. E em uma colônia planetária chamada São Paulo, povoada por mexicanos e brasileiros — que são chamados pelos mexicanos de “portugas”. É a mesma coisa de uma colônia (chamada, digamos, San Francisco) fundada por canadenses do Quebec e por americanos — que são chamados pelos canadenses de “britânicos”. Dãã… Começa dando a impressão de que vai ser uma aventura meio pedestre e comum. O personagem é um mexicano arruaceiro, pinguço e entregue aos seus impulsos. Essa caracterização deve algo aos chicanos de John Steinbeck em Tortilla Flat (1935). Ele mata um homem e foge para as montanhas, onde já havia trabalhado como garimpeiro. Mas aí tropeça em uma colônia de alienígenas, parte de uma segunda espécie perseguida pela primeira, e é forçado a trabalhar para eles. Um alien passa a companhá-lo, e o livro vira um tipo de buddy movie, tipo Inimigo Meu (1985). Se a colônia for descoberta, a outra raça alienígena vai exterminá-la até o último E.T. Com isso, o herói assume um dilema moral, ganha profundidade e interesse, e o romance agora tempera muito bem a aventura com análise psicológica. Em mais uma guinada, a aventura passa a acompanhar uma balsa que desce um rio — num eco quase explícito a Huckeberry Finn (1884), de Mark Twain. O terço final assume as feições de ficção de crime, também eficiente. Uma dica do seu sentido está no sobre nome do protagonista Ramón Espejo. Mas há exotismo suficiente na paisagem e no ecossistema do planeta para definir Hunter’s Run como um planetary romance. Fecha o livro um posfácio e uma entrevista com os três autores, contando a história deste livro que levou trinta anos para ser escrito, a partir de um rascunho escrito por Dozois em 1977. Um romance que surpreende e que oferece metáforas interessantes para a condição humana. Recomendo a leitura desse livro que inverte expectativas.

 

Arte de capa de Tim White.

The Science Fiction and Fantasy World of Tim White, de Tim White. Londres: Paper Tiger, 2000 [1981], 144 páginas. Capa de Tim White. Trade paperback. Esta é mais uma preciosidade da Paper Tiger encontrada nas prateleiras da loja Terramédia, em São Paulo. É reedição de um livro original de 1981, reunindo material da primeira década da carreira do prolífico artista britânico Tim White. Hiperdetalhista, extraindo efeitos fotográficos do guache no aerógrafo, ele tem um lugar especial na “Revolução Britânica” na arte de FC, capitaneada por Chris Foss, e faturou o prêmio da British Science Fiction Organization de Melhor Artista em 1983. Começou em 1971 com capa para um livro de Arthur C. Clarke, mas acabou fazendo muita coisa para livros de Robert A. Heinlein, Robert Silverberg, Brian W. Aldiss e Alan Dean Foster. “Revolt in 2100” é minha favorita dentre os capas de Heinlein, apresentando uma gigantesca nave de desembarque de tropas. Suas ilustrações dominadas por espaçonaves — como “Jewel of Jarhen”, “Expedition to Earth”,  “The Tar-Aiym Krang” e “The Past Through Tomorrow” — lembram Foss e Peter Elson, mas com um caráter próprio. Outras, mais sólidas e com mais rendering, lembram o também britânico Chris Moore. Nessa tendência, a ufológica “Those Who Watch” é uma favorita, assim como “Through a Glass, Clearly”, que apareceu na revista OMNI e na edição brasileira de O Cair da Noite, de Isaac Asimov, pela Hemus. A qualidade cristalina e atmosférica da sua arte aparece com mais força quando ele aborda a fantasia científica, em artes mais demoradas e detalhadas: “Lord of the Spiders”, “Alien City” e “City of the Beast” (principalmente) são joias de exotismo. Seus ecossistemas às vezes parecem dominados por uma vegetação composta de plantas suculentas, como nas maravilhosas árvores da luminosa “Critical Threshold”, que tem algo de FC hard e pode ter influenciado a arte posterior do americano Michael Whelan. Poemas de Kenneth V. Bailey acompanham algumas das ilustrações, reforçando a sua qualidade poética e atmosférica. A ousada imagem que aparece na capa do livro, também está na capa da única edição da Perry Rhodan-Magazin que eu tenho aqui.

Outro dia, endoidei quando vi na net a arte de Dan Goozee para o pôster “Battle of the Galaxies”, de um conjunto produzida pela Paper Tiger e comercializada pela Captain Company de Nova York e que apareciam em anúncios na revista Famous Monsters of Filmland. Um sonho de consumo da minha adolescência. Encontrei neste site um saudosista tão grande quanto eu, desse material: Going Faster. Vários desses posters foram feitos por White e também estão no livro: “Stopwatch”, “Brainwave” e o deslumbrante “Earth Enslaved”.

 

A Última Árvore, de Luiz Bras (Nelson de Oliveira). São Paulo: Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo, 2017, 110 páginas. Livro de bolso. Mês passado, falei aqui da novela tupinipunk Não Chore, de Luiz Bras. Eu disse então que, como contista, Bras tem no seu Paraíso Líquido (2010) uma das mais coletâneas mais experimentais e ousadas, desde fins da década de 1980. A Última Árvore, com oito contos de ficção científica e fabulation absurdista, é uma boa introdução à ficção curta do autor. Seis histórias vieram de Paraíso Líquido, lançado originalmente pela pequena Terracota Editorial e já difícil de adquirir. As outras duas vieram do Projeto Portal de revistas editadas de pequena tiragem por Nelson de Oliveira, e da revista eletrônica Trasgo, de Rodrigo van Kampen.

Os oitos contos oferecem especulações pós-cyberpunk em que a loucura, a paranoia, a violência, a qualidade frágil do real e o relacionamento autor-personagem-leitor se alternam e se reforçam. Esse aspecto metaficcional está presente em quase todos os textos. Se eu tivesse que escolher um destaque — subordinado ao meu gosto pessoal, é claro —, seria “Aço Contra Osso”, narrativa movimentada que realiza muito a partir da lógica do videogame e sua estrutura em estágios. Mas “Nuvem de Cães-Cavalos” tem o melhor equilíbrio entre uma prosa elegante e lírica, e o assunto estranho e perturbador. A coletânea tem o apoio do ProAC e faz parte de uma fornada de 24 livros de proporções semelhantes. Todos — inclusive A Última Árvore — livres para download gratuito em PDF, no site Livros Fantasma. O catálogo inclui não apenas ficção, mas poesia, ensaio, arte e fotografia, e o site tem a seguinte carta de intenções: “Nestes tempos de informação digitalizada e desmaterializada, o objeto livro faz mais sentido do que nunca. Imprimir livros é perpetuar este movimento de transformar a intuição em ação, o traço em desenho, a ideia em objeto. O livro é, como o fantasma, esta coisa que se recusa a abandonar o nosso mundo.”


American Fascists: The Christian Right and the War on America
, de Chris Hedges. New York: Free Press, 1st edition, January 2008 [2007], 274 páginas.
 Trade paperback. Meu amigo e colega de orientação de pós, Khalid Tailche, há alguns anos me apresentou ao trabalho do jornalista e ativista político americano Chris Hedges, a quem passei a acompanhar no site Truthdig e em várias palestras no YouTube e aparições em canais noticiosos e alternativos na internet, como Democracy Now!, RT e The Real News Network — além dos vários livros que Khalid usou na pesquisa para a sua tese, Contrapontos no Pensamento Fundamentalista: Para uma Análise Crítica (FFLCH/USP, 2012). Li American Fascists ainda em busca de nuances e verossimilhança no trato do tema do culto religioso fechado, para o meu romance Anjos do Abismo, parte das Lições do Matador. Mas o fato é que essa reportagem de Hedges tem algo a dizer sobre as mudanças no Partido Republicado dos EUA do governo de Bill Clinton até agora — e sobre a eleição de Donald Trump, e antes dele, de George W. Bush. Suas reflexões ajudam a contextualizar produtos culturais tão diversos quanto as séries de TV Newsroom e The Leftovers; a série de livros Deixados para Trás; o romance de Stephen King Revival; do clássico da FC Revolt in 2100 (1955), de Robert A. Heinlein; a FC distópica jovem adulta Skinned (2008), de Robin Wasseman; e, principalmente, a trilogia A Song Called Youth (1985, 1988, 1990) do cyberpunk John Shirley.

Hedges é filho de um padre presbiteriano, frequentou seminário e fez faculdade e pós-graduação em Teologia. Também é jornalista ganhador do Prêmio Pulitzer, e foi correspondente de guerra em vários países e regiões em conflito. Antes desta reportagem, eu já tinha lido dele I Don’t Believe in Atheists (2008) e War Is a Force that Gives Us Meaning (2002). Aqui, o assunto é a aliança perigosa entre a direita cristã evangélica e a política conservadora — e por isso, o livro também ajuda a explicar a nossa “Bancada Evangélica” e vários políticos brasileiros que se inserem nessa linha. A verdadeira preocupação de Hedges, porém, é identificar e alertar quanto a tendências fascistas desse movimento, especialmente do que ele chama de “dominionismo”. Nessa tendência, o mandato de Deus (segundo a Bíblia) para que o homem estabeleça seu domínio sobre a criação é tomado literalmente e extrapolado como o domínio dos evangélicos sobre a política americana, o meio ambiente, os infiéis e a política mundial. Seu discurso se apoia em uma “cultura do desespero”, dentro da alienação americana da classe média e das classes trabalhadoras. Ele cria um culto à masculinidade e uma retórica guerreira, estabelece uma guerra contra a verdade científica (especialmente o evolucionismo), ao mesmo tempo em que aceita e promove sua versão de darwinismo social, persegue minorias sexuais e clama por uma cruzada contra a política liberal e as religiões rivais. Para Hedges, a tolerância à liberdade religiosa não deve proteger pessoas que se pautam pela intolerância religiosa e moral. Além disso, quem acha democracia uma coisa importante, deve buscar proteger a sociedade de quem quer usar a democracia contra ela. Essa lição também vale para nós, deste lado da linha do equador. Às vezes, Hedges é modernista demais pro meu gosto — reclamando da cultura popular e assumindo posturas elitistas —, mas neste livro, é difícil dizer que ele está errado na denúncia vigorosa que faz.

 

A Origem do Japão: Mitologia da Era dos Deuses, de Nana Yoshida & Lica Hashimoto. São Paulo: Cosac Naify, Coleção Mitos do Mundo N.º 9, 2015, 96 páginas. Capa e ilustrações internas de Carlo Giovani. Capa semirrígida. Pedro Santos, um dos editores e redatores do Desire® Universe, me passou este livro como subsídio para o romance “Archin”, no qual estou trabalhando com ele e com o editor-chefe, Daniel Abrahão. Faz parte uma coleção da Cosac Naify, coordenada por Betty Mindlin, voltada para os mitos do mundo. As duas autoras nipo-brasileiras fizeram um bom trabalho ordenando e narrando os mitos fundadores do Japão. Como costuma ser, os mitos criadores expressam coisas muito caras ao povo, como as questões de limpeza e dejetos corporais. Já o deus dos mares é visto como turbulento, mal-educado e inconstante — adequado a um povo tantas vezes atingido por tormentas e tsunamis. Os mitos se centram no surgimento dos deuses criadores de deuses, da hierarquia e dos conflitos entre eles, chegando ao momento em que é criado o arquipélago japonês e o povo de origem divina instalado nele. Tais mitos de origem se associam fortemente à casa imperial japonesa, e Yoshida & Hashimoto mencionam as relíquia da Era dos Deuses que ainda são guardadas pela família imperial, que tem caráter divino junto aos seus súditos. Interessante que o povo japonês perdeu a chance de ser super-humano de fato, porque o deus criador do arquipélago perdeu a chance de aceitar uma deusa feia junto com a deusa bela, a Deusa-das-Flores, que desposou — a deusa feia era justamente a Deusa-das-Rochas, mais duradouras e resistentes do que flores… Por isso, o povo do arquipélago têm vidas efêmeras como as de todos nós.

As ilustrações de Carlo Giovani são muito criativas — feitas com madeira, papel e bonecos de pano, lembrando a prática japonesa do origami e de outras artes manuais. Mas as fotos feitas das cenas montadas com esses recursos trazem uma certa monotonia ao livro. E o lúdico dessas soluções de artes manuais, substituindo a possibilidade de ilustrações detalhadas e sugestivas, acaba minando aquele componente tão importante dos mitos: a sugestão de uma verdade sólida, por trás do racionalismo.

 

Arte de capa de Maria Eugenia.

Sarah Vaughn, de Carlos Calado. São Paulo: Folha de S. Paulo, Coleção Folha Lendas do Jazz #1, 2017, 44 páginas. Capa de Maria Eugenia. Capa dura. Eu sei que ninguém perguntou, mas meu gosto musical dá preferência ao heavy metal e ao hard-rock. Não quer dizer que eu não me interesse por outros gêneros e estilos musicais (de vez em quando). Depois de ver um documentário sobre Sarah Vaughn na TV, resolvi dar mais atenção ao jazz — que é certamente o gênero musical mais citado na “literatura séria”. E esta coleção rediviva ou relançada pela Folha estava com um bom preço de lançamento.

O livrinho é pouco mais do que uma embalagem para o CD de canções de Vaughn, com um apanhado de sua carreira. Mas o texto do especialista Carlos Calado não deixa de ser informativo, incluindo esboço biográfico e avaliação crítica dessa que foi, pra muita gente, uma das três grandes, junto com Billie Holiday e Ella Fitzgerald. Vaughn foi a única das três, é claro, que vi cantar pela TV enquanto ela ainda estava viva (morreu em 1990). Ao contrário do documentário, o livro cita a aproximação da cantora com a música brasileira, presente nos seus últimos lançamentos. O CD inclui bebop, pelo qual ela foi mais conhecida, mas também bons exemplos da canção americana (conhecida como “standard“).

 

Quadrinhos

Arte de capa de Richard Corben.

Jeremy Brood, de Richard Corben & Jan Strnad. Kansas City, MO: Fantagor Press, 1989 [1982], 64 páginas. Capa de Richard Corben. Álbum. Corben é um grande nome do quadrinho underground americano. Curiosamente, a sua primeira aparição no Brasil deve ter sido como artista de capa do Magazine de Ficção Científica N.º 20 (de 1971, a última edição da revista). Eu o conheço pela saudosa Kripta e pela Heavy Metal da década de 1980. Este Jeremy Blood eu encontrei na Terramédia. A edição não diz quem fez o quê, considerando-se que se trata de uma colaboração. A editora Fantagor pertenceu ao próprio Corben, até 1994. O nível de arte-final não parece ser o melhor de Corben, mas a arte colorida tem todas as suas marcas: homens cabeçudos e musculosos, mulheres extremamente peitudas, homúnculos, lutas dinâmicas e confusas, e efeitos 3D feitos na raça. Pode-se dizer que Corben atualiza com toques mais explícitos uma sexualidade presente de modo abafado na FC, horror e fantasia.

Jeremy Brood é o herói desta ficção científica de aventura, em que ele e sua companheira afro-americana Char fazem uma pausa na transa que têm em uma nave espacial para atender a um chamado urgente. Precisam ir a um planeta com uma civilização de cores medievais, mas como viajam próximos à velocidade da luz, para eles são poucas semanas enquanto lá se passam duzentos anos. Isso dá tempo para que uma sociedade secreta mantida por agentes da organização galáctica à qual Brood e Char pertencem preparem a chegada dele. A estratégia é torná-lo centro de um culto religioso. Quando o rapaz chega ao planeta, cai no meio de um ritual de sexo (outra marca de Corben?), que ele realiza na ponta da faca. A HQ é sintética e dinâmica e uma aventura movimentada — com turbas ensandecidas, salteadores do deserto e ataques de monstros alados — que caminha para a frente com segurança e energia. O destaque deve ser o inesperado e incomum destino final do herói.

 

Arte de capa de Terry & Rachel Dodson.

Coleção Definitiva do Homem-Aranha 1: Caído entre os Mortos, de Mike Millar (roteiro), Terry Dodson e Frank Cho (desenhos), Rachel Dodson e Frank Cho (arte-final). São Paulo: Panini Comics/Salvat, 2017, . Capa de Terry & Rachel Dodson. Capa dura. O preço de lançamento desta coleção estava atraente o bastante para que eu me aventurasse a ler mais um roteiro de Mike Millar. Também gosto bastante  de Terry Dodson e de Frank Cho (apesar de todas as suas mulheres terem a cara e o corpo de Olivia Dudley, só muda a cor do cabelo). São artistas que costumam dar um ar moderno e relaxado às suas HQs de super-heróis. O Homem-Aranha sempre foi um dos meus heróis favoritos, desde a infância. Deixei de acompanhar quando o alien Venom entrou em cena. Modernamente, dei uma olhada numa coisa e outra, e gostei mais da sequência escrita por J. Michael Straczynski (criador da série Babylon 5).

O escocês Millar parece onipresente hoje em dia. Suas características de iconoclastia, ironia e violência costumam agradar a audiência moderna dos quadrinhos. Mas no meu caso, tendem a cansar muito rápido. Caído entre os Mortos parece pegar onde Straczynski largou — os números 30-35 e 37-45 da revista The Amazing Spider-Man. Que eu li nos volumes O Espetacular Homem-Aranha: De Volta ao Lar e O Espetacular Homem-Aranha: Revelações & Até que as Estrelas Esfriem, da Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel. Neles, Peter Parker é um professor de ensino médio numa escola pública em Nova York, mas passa a ser caçado por um vampiro especializado em super-heróis e, moído de pancada, tem sua identidade de herói descoberta pela Tia May. Mais tarde, vai a Hollywood atrás de Mary Jane e volta a enfrentar o Dr. Octopus. Eu gostei, apesar de não ter muito afeto pelo traço de John Romita, Jr. Em Caído entre os Mortos, a Tia May é sequestrada e o Aranha parece uma barata tonta tentando encontrá-la. Millar talvez tenha tentado superar as situações de Straczynski, e Parker passa tanto tempo deformado pelas surras, que não só as pessoas próximas dele não o reconhecem, como o leitor também não. Os conflitos não têm um arco narrativo muito interessante — mostra o herói encontrando seus superinimigos um atrás do outro, repete recursos (um monte de gente morrendo de câncer justificando a maldade dos supervilões) e, pior, faz o Aranha bater ponto em um clube de super-herói atrás do outro, pedindo ajuda: os Vingadores e a escola de mutantes do Prof. Xavier… Com tanta correria, aquele calor humano esperado da arte de Dodson e Cho (que cuida apenas de um trechinho da história) e o envolvimento do herói com seus entes queridos e com a cidade fica meio perdido — assim como Tia May.

 

Arte de capa de Danilo Beyruth.

Astronauta: Magnetar, de Danilo Beyruth. São Paulo: Panini Brasil/Mauricio de Sousa Editora, 2012, 82 páginas. Capa de Danilo Beyruth. Álbum. M. Elizabeth “Libby” Ginway, a maior especialista em ficção científica brasileira que temos hoje, resolveu voltar a estudar os quadrinhos brasileiros. Comprei este álbum para ela, mas Libby vai me desculpar e à Finisia Fideli, se nós o lermos antes. Libby é autora de Ficção Científica Brasileira: Mitos Culturais e Nacionalidade no País do Futuro, e de Visão Alienígena: Ensaios sobre Ficção Científica Brasileira.

A aventura narrada por Danilo Beyruth faz parte do projeto de graphic novels de Mauricio de Sousa, de releituras dos seus personagens. Durante anos Mauricio foi cobrado pela comunidade de quadrinistas para que fizesse mais pelos quadrinhos nacionais. Nesse projeto, ele encontra um caminho do meio, dando trabalho a artistas talentosos que não se subordinam à aparência tradicional dos seus personagens, mas que ainda reforçam as properties do império da Mauricio de Sousa Produções. É interessante que o talentoso Beyruth leve a sério a proposta do astronauta tupiniquim, solitário e com saudade da cidade do interior em que cresceu. Mais que um brasuca no espaço, é um caipira com cara de caipira investigando uma estrela de nêutrons e o campo de asteroides que a circunda. Também sou caipira e adorei. A história, surpreendentemente, é uma ficção científica hard (com consultoria de um astrônomo da Universidade de São Paulo) e uma problem story na qual o herói tem que se conectar com suas raízes e com o seu íntimo afetivo, para encontrar uma saída para a encrenca potencialmente fatal em que se meteu. Tanto a aparência quanto o espírito dessa realização de Beyruth remete ao quadrinho artístico europeu. A historia é simples mas a narrativa é sólida, variada, criativa e inspirada em alguns pontos, e o traço do artista é solto e eficaz. É a segunda aventura de uma série de quatro álbuns já lançados. A série tem recebido prêmios e elogios merecidos.

 

Arte de capa de Alex Shibao.

Laser Gun, de Alex Shibao. São Paulo: SESI-SP Editora, 2016, 64 páginas. Capa de Alex Shibao. Álbum. Esta é outra ficção científica brasileira em quadrinhos, que comprei para Libby Ginway numa promoção da Livraria Saraiva do Shopping Eldorado, em São Paulo. Provavelmente não vai ser muito útil para ela, porque em nada trata do Brasil. Mas tem um projeto interessante, que recupera muito da FC de ação (tendência firmada pelo filme O Exterminador do Futuro, em 1982) no cinema americano da década de 1980.

O artista Alex Shibao propõe neste álbum escritor e ilustrado por ele, que um terremoto de repercussões global em 1970 altera a ordem mundial e isola a cidade (californiana?) murada de San Camino (terrível trocadilho), assolada pelo crime. Ambientada em 1987, é portanto uma espécie de história alternativa. Mas pouco sabemos do que se passa fora dos muros de San Camino, metrópole tão assolada pelo crime, que o prefeito resolveu substituir sua força policial por robôs de aparência humana. Nesse contexto, um grupo de criminosos está atrás da arma laser que distingue o herói, o piloto de corridas ilegais Sands Roadtansky (qualquer semelhança com o Max Rockatansky de Mad Max é…). Se você viu minha postagem de março de 2017, sabe que meu romance Mistério de Deus mistura horror, ficção de crime e muscle cars. Então eu curto a presença de carrões americanos em contextos de ficção especulativa. Shibao também, eu imagino, pois Sands dirige um Pontiac Firebird 1980, e outras máquinas possantes das décadas de 1970 e 80 aparecem na HQ. Assim como mais toques de filmes da época, especialmente RobocopO Exterminador do Futuro. Efeitos de aerógrafo na capa e contracapa também remetem à época. O roteiro não é especialmente criativo ou interessante, mas como desenhista Shibao é habilidoso. Ele já trabalhou para empresas estrangeiras da área (IDW e Titan Books), e foi indicado duas vezes ao Troféu HQMix. Seu traço fino e sua habilidade com o design de roupas, carros, e construções realiza aquilo que deve ser o principal objetivo de Laser Gun — transportar o leitor para a estética da década de 1980, que, dizem, está voltando ao campo do design, da produção de televisão e cinema. A série de horror Stranger Things vem logo à mente, e acho que eu também sigo a tendência com Mistério de Deus (ambientado em 1991).

—Roberto Causo

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Pronta a arte de frontispício de “Mestre das Marés”

“Mestre das Marés”, o segundo romance da série As Lições do Matador, terá nova arte de frontispício. A imagem mostra uma espaçonave da classe “Jaguar”, a paisagem de um planeta devastado, e a insígnia do 28.º Grupo Armado de Reconhecimento Profundo, os “Jaguares”.

Firedrake Gamma-M é um planeta joviano atingido pelo jato relativístico de um buraco negro de 500 massas solares.

Para os cientistas humanos, essa estrela desmoronada sobre si mesma e com altíssima densidade era chamada informalmente de Firedrake, o dragão que respira fogo. Os alienígenas conhecidos como o Povo de Riv têm outro nome para ele: Agu-Du’svarah, “O Mestre das Marés”.

Quando uma estação internacional de pesquisa é atacada pelas naves-robôs dos misteriosos alienígenas chamados tadais, o Capitão Jonas Peregrino e os seus Jaguares são enviados para resgatar os sobreviventes. Mas os cientistas encontraram uma impossível máquina tadai instalada nos subterrâneos do planeta em que se refugiaram, um mundo devastado pela maior força energética conhecida no universo: o jato relativístico de partículas aceleradas pela dinâmica do buraco negro.

A arte digital em tons de cinza é de R. S. Causo, e a insígnia dos jaguares é criação do designer Daniel Abrahão. A nave obedece às soluções de design do pincel digital de Vagner Vargas.

 

Arte de R. S. Causo

 

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