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Leituras de Novembro de 2017

Em antecipação ao lançamento de Star Wars Episódio VIII: Os Últimos Jedi no fim do ano, em novembro resolvi atacar alguns livros de quadrinhos dentro da franquia. Mas o mês não deixou de trazer a leitura de algumas obras significativas de ficção científica nacional e estrangeira.

 

O Homem que Caiu na Terra (The Man Who Fell To Earth), de Walter Tevis. São Paulo: DarkSide Books, 2016 [1963], 220 páginas. Capa dura. Tradução de Taissa Reis. Falecido este ano aos 92 anos, o escritor e crítico inglês Brian W. Aldiss afirmou em 1984 que a década de 1950 foi “um ápice” da ficção científica. A afirmativa fazia contraponto à ideia da Era de Ouro como sendo o período entre 1938 e 1948. A FC que Aldiss saudava era madura, capaz de explorar a psicologia dos personagens e discutir problemas contemporâneos com seriedade e controle de narrativa e estilo. Este romance de Walter Tevis, adaptado para o cinema por Nicolas Roeg em 1976, é de 1963 e portanto posterior, mas está dentro da prática da década anterior e lembra obras significativas como Flowers for Algernon (1959), de Daniel Keyes e que também virou filme, e Eu Sou a Lenda (1954) e O Incrível Homem que Encolheu (1956), de Richard Matheson — todos eles sobre a solidão do sujeito em um mundo de circunstâncias sociais em rápida transformação.

O Homem que Caiu na Terra é um substancial romance de ficção científica sobre um alienígena oriundo de um planeta moribundo situado no Sistema Solar. Ele vem à Terra com um plano de influir positivamente na política humana durante a guerra fria. O objetivo é salvar nosso planeta da guerra nuclear e preparar o terreno para a vinda do restante da população do seu mundo para cá. Para isso, começa oferecendo a um capitalista uma série de desenvolvimentos tecnológicos da área do entretenimento. Enriquece rapidamente, a ponto de reunir os recursos para a construção de uma nave espacial privada, em uma propriedade do Kentucky. No meio do caminho, porém, ele conhece uma mulher que se torna sua enfermeira e companheira platônica, e um engenheiro químico tão curioso sobre suas invenções, que dá um jeito de ir trabalhar para ele e de se aproximar o suficiente para descobrir seu segredo. No caminho dos planos do alienígena, está menos a atenção do FBI e da CIA — que certamente lhe trazem graves problemas —, e mais o envolvimento de mesmo com a trivialidade da vida humana. Existencialista. Assim como no romance O Novo Adão (1939), de Stanley G. Weinbaum (1902-1935), o ET de Walter Tevis é um super-homem intelectual forçado a viver num drástico isolamento moral entre criaturas inferiores que ele de algum modo ama, mas com as quais não consegue se relacionar. Assim como em Eu Sou a Lenda, a solidão e o alcoolismo marcam os passos do protagonista. A novidade está na ambientação que é ou rural ou entre as altas rodas de cidades como Nova York e Chicago, mas de uma maneira pouco caracterizada. Bastante diferente do cenário desértico que o filme de Roeg, com David Bowie como o alienígena, escolheu explorar. A maior realização da prosa de Tevis está no tom melancólico e interiorizado, que sublinha esse aspecto existencial. Isso faz deste livro um romance sofisticado, mas que de certo modo fica na superfície das suas indagações.

 

Animais Fantásticos e Onde Habitam: Os Animais: Guia Cinematográfico (Fantastic Beasts and Where to Find Them Cinematic Guide: The Beasts), de Felicity Baker. Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores, 2017, 64 páginas. Tradução de Regiani Winarski. Capa dura. O filme de se tornou o favorito de 2016 entre minha mulher, Finisia Fideli, e eu. Parte do universo iniciado com a série Harry Potter, de J. K. Rowling, parece se dirigir a um público mais adulto. Ambientado na Nova York de 1926, tem um ótimo elenco e situações divertidas, um herói incomum e personagens secundários valorizados. Quem curtia os velhos filmes de Frank Capra, como eu, tem nele uma viagem de lembranças e referências. Mais importante, é um filme que celebra a imaginação e a atitude liberal, solidária e agregadora.

O desenho de produção de Animais Fantásticos é excepcional e resultou em uma profusão de elementos de design gráfico que expandem o conteúdo do filme e estão no centro dos dois outros livros do filme que temos aqui: Mergulhe na Magia, o Bastidores de Animais Fantásticos e Onde Habitam, de Ian Nathan; e o maravilhoso A Maleta de Criaturas: Explore a Magia do Filme Animais Fantásticos e Onde Habitam, de Mark Salisbury, que imita a mala de Newt Scamander (com direito a fecho magnético e imitação de costura nas bordas) e tem dentro uma infinidade de coisas como folhetos, mapas e panfletos que você pode desdobrar ou puxar de um envelope. Este guia também tem fotos muito bonitas dos ambientes e objetos, conta resumidamente a história, mas se concentra nos bichos fantásticos um esquema de fotos e fichas. Comete um engano, porém — a autora Felicity Baker confunde o gira-gira com a fada mordente! E só por aí já dá pra sentir com virei um nerd de Animais Fantásticos…

 

Stories of Your Life and Others, de Ted Chiang. Nova York: Vintage Books, s.d. [2016? 2002], 284 páginas. Trade paperback. Este é um livro que comecei a ler na edição de 2016 pela Intrínseca, com tradução de Edmundo Barreiros, mas terminei com esta edição da Vintage. É que em 6 de novembro estive na Universidade Federal de São Paulo, campus de Guarulhos, para uma atividade com alunos e colegas da Prof.ª Suzanna Mizan — com quem partilhei há alguns anos a orientação do Prof. Lynn Mário Trindade Menezes de Souza — para discutir justamente o filme A Chegada (Arrival, 2016), de Denis Villeneuve, e a história de Ted Chiang em que ele se baseou, “História da sua Vida” (“Story of your Life”). Suzanna me presenteou com esta edição em inglês. Chiang tem sido um grande nome da ficção científica americana desde sua estreia em 1991, e a feliz adaptação da sua história deu a chance que os leitores brasileiros esperavam para conhecer o seu trabalho.

“História da sua Vida” (1999) é uma narrativa madura e sofisticada, que incorpora muitos procedimentos da ficção pós-modernista americana, com uma forte qualidade emocional. Essa premiada noveleta é a melhor do livro, mas ele traz outros textos importantes, como a premiadíssima história de 2002, “O Inferno É a Ausência de Deus” (“Hell Is the Absence of God”). Outro seria “Torre da Babilônia” (“Tower of Babel”, 1991), seu texto de estreia, ganhador do Prêmio Nebula de Melhor Noveleta. Estes dois, juntamente com o divertido e engenhoso “Setenta e duas Letras” (“Seventy-two Letters”), que eu já conhecia da antologia Steampunk (2008), de Ann & Jeff VanderMeer, são fabulations — narrativas que questionam o realismo ou a mímese na literatura, mas com a lógica sólida e a caracterização minuciosa que são as marcas de Chiang. Outra marca, presente na coletânea, é o ethos universitário expresso, por exemplo, nas histórias “Divisão por Zero” (“Division by Zero”), “A Evolução da Ciência Humana” (“The Evolution of Human Science”) e “Gostando do que Vê: Um Documentário” (“Liking What you See: A Documentary”). Neste último, há uma sátira aos movimentos de justiça social, aqui num ataque às vantagens que a beleza física traz — uma história que entrou na The James Tiptree Award Anthology 3 (2007). O melhor texto desta bem-vinda coletânea de um dos nomes fundamentais da FC contemporânea, continua sendo “História da sua Vida”.

 

Expulsão do Paraíso, de Nilza Amaral. São Paulo: Arte Paubrasil, 2012, 94 páginas. Brochura. A escritora Nilza Amaral é conhecida do fandom de FC por sua premiada novela distópica de 1984, O Dia das Lobas. Aqui temos outra novela, publicada com a ajuda e a chancela Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo. A narrativa acompanha dois personagens, o retirante descrente Severo Justo, e a crédula ribeirinha Joana Sabina. Os dois vivem em pontos diferentes daquilo que é obviamente o Brasil, mas que é chamado pelos dois de “lugar nenhum” — um espaço de fábula que evoca o Nordeste místico e a Amazônia folclórica. Ambos são personagens confusos que se deparam com eventos maravilhosos. Vagando na tentativa de aplacar a fome, Severo retalha a carcaça de um jegue morto há pouco. Um cão vadio (talvez referência à cadela de Vidas Secas, de Graciliano Ramos) e um trio de velhas chamadas por eles de “bruxas” o acompanham. O ato se transforma imediatamente em um tableau mágico, como num inesperado ritual de invocação. Mais tarde, surge no caminho do ainda faminto Severo, uma vaca vermelha que cava um imenso açude…

Joana, por sua vez, é uma adolescente fascinada por seu despertar sexual, que cede à sedução de um boto, antes de ser perseguida pela Boiúna, serpente gigante descrita aqui como tendo um gosto por jovens que deixaram de ser virgens… No meio das águas do grande rio, ela acompanha em uma ilha fluvial a luta de seu pai, um pescador, para deter a fera. O estilo de Amaral, neste livro, busca sentenças longas e complexas, evocativas e rítmicas, com a interiorização do discurso indireto livre, em tudo sublinhando o clima onírico da sua novela. É tentador afirmar que um personagem flerta com a vida em face da morte, e uma outra que flerta com a morte enquanto persegue a vida. Mais para o fim do livro, aparece Mara Lúcia, moradora de São Paulo que de algum modo indefinido — imaginação ou informação? — toma conhecimento dos outros personagens. Num toque metaficcional, sua reação mundana trivializa o mágico e o fabuloso das experiências dos outros. Como se afirmando a distância entre o nosso cotidiano e esse mundo de mito, sonho e desejo. O assunto muitas vezes me fez pensar no realismo mágico, mas falta realismo na mistura, e por isso a impressão maior de se estar diante de uma fábula.

“O amor entre os dois foi divinal na extensão genérica da palavra, preparado pelos deuses e pelos mitos da região, disposto para o prazer do encontro do desejo, da sedução e da fantasia, pronto para a continuação da prole do boto-homem, para que não morrendo a lenda, não se findasse a encantaria da terra, mesmo que depois do coito, o usurpador do corpo da donzela fosse morte, como sói acontecer aos rapineiros de corpos femininos quer sejam lendários ou não, querendo parecer que tal ação, mesmo sendo em nome do amor, merece o castigo da terra como dos céus.” —Nilza Amaral, Expulsão do Paraíso.

 

O Esplendor, de Alexey Dodsworth. São Paulo: Editora Draco, 2016, 402 páginas. Brochura. Este é o segundo romance do brasileiro Dodsworth, um ganhador do Prêmio Argos do Clube de Leitores de Ficção Científica com seu livro de estreia, Dezoito de Escorpião. Certamente, O Esplendor não existiria se Isaac Asimov não tivesse escrito a sua célebre noveleta “O Cair da Noite” (“Nightfall”, 1944), já que as duas obras imaginam um planeta que tem meia dúzia de sóis na sua abóbada celeste — tantos que a noite é um fenômeno desconhecido, lendário. Dodsworth também se aproxima da FC da Golden Age praticada por Asimov em outros sentidos. A sociedade alienígena que ele imagina para o seu planeta é composta de telepatas que enfrentam disputas ferozes entre religião e ciência, conservadorismo intelectual e a necessidade íntima do se buscar o conhecimento. Assim como na história de Asimov, eles apresentam números associados aos seus nomes próprios.

Ao mesmo tempo, O Esplendor tempera essa tendência com outras bem atuais: diversidade sexual (completa com uma designação de não gênero, com o uso do símbolo “@”) e racial (os alienígenas têm pele negra e sua cultura se inspira na cultura afro, como o próprio nome do planeta indica: Aphriké), prosa jovem, informal, e a aproximação da FC e a fantasia. A trama envolve o surgimento de uma espécie de prometido, mutante cujo corpo parece mais com o nosso, e que mais tarde ganha o nome de Itzak (Isaac?). Ele é o sujeito que, acercado de um pequeno grupo de simpatizantes, enxerga a realidade dos fatos e a catástrofe iminente. Assim como no primeiro livro do autor, há uma conexão entre um mundo alienígena e a Terra, representado por uma outra personagem especial, a albina Lah-Ura. As semelhanças com “O Cair da Noite” são tão presentes, que às vezes o livro vai além de uma homenagem, parecendo mais uma releitura da história de Asimov. Além disso, como a narrativa é em primeira pessoa pela voz de uma historiadora (com acesso à mente dos protagonistas), boa parte da primeira metade do romance se lê mais como dissertação do que narração, com muito de uma abordagem de ficção científica antropológica tipo A Mão Esquerda da Escuridão (1969), de Ursula K. Le Guin. É especialmente interessante que a historiadora Tulla descreva uma civilização livre de muitos dos nossos preconceitos — enquanto mantém os seus próprios, dentro de uma rigidez de penamento conservador muito característica. O final tem muito dinamismo e confrontos em sequência, como os de Brandon Sanderson na alta fantasia. De qualquer modo, este foi um dos romances brasileiros de FC mais conceitualmente ambiciosos de 2016, e dos últimos anos. Certifica Alexey Dodsworth como um autor a se acompanhar. A Draco também republicou Dezoito de Escorpião.

 

A Fantástica Jornada do Escritor no Brasil, de Kátia Regina Souza. Porto Alegre: Editora Metamorfose, 2017, 174 páginas. Capa e ilustrações internas de Jacira Fagundes. Introdução de Jana Bianchi. Brochura. Há alguns meses, a jornalista Kátia Regina Souza me procurou como um de uma longa lista de escritores e editores brasileiros de ficção científica, fantasia e horror, para uma entrevista sobre a situação desse literatura no Brasil. Em novembro, agora, recebi um exemplar autografado. O livro acaba sendo o primeiro centrado na situação atual da ficção especulativa brasileira — vale dizer, do contexto da “Terceira Onda”, como tenho insistido aqui e em outros lugares. Um pioneirismo extraordinário, que emana do próprio interesse da autora, ela mesma escritora da área.

A Fantástica Jornada do Escritor no Brasil é pautado pelas entrevistas, é claro, e tenta definir a vocação do escritor no quadro muito ativo mas frequentemente frustrante da escrita de ficção especulativa, com as opções de meio indo do livro tradicional ao e-book e a plataformas como Wattpad. E de ferramentas que vão da autopublicação paga, autônoma (na Amazon, por exemplo) ou coletiva, leitores betas, editores profissionais ou semiprofissionais, e agentes literários. O primeiro nome procurado por Kátia Souza foi Christopher Kastensmidt, autor da fantasia heroica A Bandeira do Elefante e da Arara (Devir Brasil, 2016). Estão lá, além de Christopher, muitos outros autores e editores conhecidos: Ana Cristina Rodrigues, Ana Lúcia Merege, André Vianco, Artur Vecchi, Camila Fernandez, Carlos Orsi, Cesar Silva, Cirilo S. Lemos, Claudia Dugim, Clinton Davisson, Cristina Lasaitis, Duda Falcão, Eduardo Kasse, Eduardo Spohr, Eric Novello, Erick Sama, Felipe Castilho, Gianpaolo Celli, Giulia Moon, Helena Gomes, Jana P. Bianchi, Jim Anotsu, Karen Alvares, Marcelo Amado, Martha Argel,  Nikelen Witter, R. F. Lucchetti, Richard Diegues, Rodrigo van Kampen, Rosana Rios e Simone Saueressig — citando aqueles com quem já tive algum contato. É certamente uma amostragem de peso, trazendo muitos detalhes significativos sobre as carreiras e os dilemas da maioria desses nomes. O texto é leve e se dirige, muitas vezes, ao escritor iniciante que tentar entrar no mercado, talvez alertado pelas ponderações equilibradas que o livro coleciona. Em sua resenha muito positiva do livro, Cesar Silva viu nele, que apesar

“da proposta da autora de produzir um manual para novos autores — confissão expressa na primeira orelha —, o resultado é um valioso instantâneo do estado atual da ficção fantástica brasileira, que pode servir como farol para autores e editores em atividade, sejam eles novos ou veteranos.” —Cesar Silva, no blog Mensagens do Hiperespaço.

Mas uma certa falta de contextualização maior de quem é quem (autores e editores) e de qual é qual (gêneros e editoras) faz o livro parecer um pouco um trabalho de insider para insider. De qualquer modo, é um trabalho interessante, que forma um quadro coerente da problemática viva, atual, do escritor brasileiro desse campo.

“Desejo dar voz aos personagens que compõem a cena da literatura fantástica brasileira e oferecer um espaço seguro no qual escritores possam se ver representados, seja pelas inseguranças ou vitórias pessoais dos entrevistados.” —Kátia Regina Souza. A Fantástica Jornada do Escritor no Brasil.

Quadrinhos

Arte de capa de Stuart Immonen, Wade von Grawbadger & Justin Ponsor.

Star Wars: Confronto na Lua dos Contrabandistas (Star Wars Volume 2: Showdown on the Smuggler’s Moon), de Jason Aaron, Simone Bianchi e Stuart Immonen. Barueri-SP: Panini Comics, 2017 [2016], 134 páginas. Capa de Stuart Immonen. Brochura. Este livro compilando vários números da revista Star Wars é continuação direta de Star Wars: Skywalker Ataca, que começa a contar as aventuras dos heróis da franquia inicial, depois da destruição da Estrela da Morte — e que eu examinei aqui em junho. A história trata do que os heróis fizeram depois do episódio IV, e pega onde o livro anterior parou: por um lado, Han Solo e Leia Organa estão cercados pelos caças imperiais na superfície de um improvável planeta tempestuoso, às voltas com a cínica “esposa” de Han, Sana; por outro, Luke Skywalker descobre que o diário de Obi-Wan Kenobi não tem muito a lhe trazer em termos de técnicas jedi, e resolve ir até o antigo templo da ordem em nada menos do que Coruscant, a antiga sede da República e atual coração do império. Antes, porém, ele precisa de transporte, que procura em Nar Shaddaa, a tal lua dos contrabandistas, onde, depois de um pega-pra-capar numa cantina de fazer inveja à de Mos Eisley, acaba prisioneiro de um hutt fisiculturista que coleciona justamente itens que pertenceram aos jedi.

De fato, a linha que acompanha Luke começa antes, com um prólogo escrito por Aaron e desenhado pelo talentoso Simone Biachi. Nesse prólogo, que lembra as situações do romance Kenobi (2012), de John Jackson Miller, o mentor de Luke conta como permaneceu incógnito em Tatooine zelando secretamente pelo menino. A ação é bem dividida, especialmente depois que Chewbacca e C3P0 partem para o resgate de Luke, e entra em cena Dengar, um dos caça-prêmios vistos em O Império Contra-Ataca. A essa altura ele já está uma arena como o fosso de Jaba, duelando contra um monstro aparentemente mais terrível do que o Rancor de O Retorno de Jedi. Jason Aaron sempre comparece com roteiros ágeis e enérgicos, de situações interessantes, um pouco mais duras do que nos filmes, e que reaproveitam cenas da trilogia original sem parecer subalterno. Às vezes, as soluções de transição são vagas ou pouco criativas, mas no todo oferece uma aventura vibrante e divertida. A arte de Stuart Immonen chamou minha atenção desde a FC Shockrockets (2000). Ele é um desses artistas extremamente versáteis que lida bem com a figura humana em ângulos incomuns, e com o design de roupas, arquitetura, paisagem, naves e interiores. Sua estilização é sutil, e embora ele não seja um grande fisionomista, dá conta do recado sem forçar a mão. Equilibra a estilização com a naturalidade das poses, parecendo sempre capturar, sem exagero, os personagens o início de um movimento. O livro é um prazer de se folhear.

 

Arte de capa de Mathieu Lauffray.

Star Wars: Herdeiro do Império: Trilogia Thrawn Livro Um (Star Wars: The Thrawn Trilogy Volume 1) , de Mike Baron (texto) e Olivier Vatine & Fred Blanchard (arte). Barueri-SP: Panini Comics, 2017, 162 páginas. Capa de Mathieu Lauffray. Tradução de Pedro Catarino & Paulo França. Capa dura. Há alguns anos, tive a chance de entrevistar o escritor americano de FC Timothy Zahn, e de pegar o autógrafo dele no primeiro dos seus romances da Trilogia Thrawn, republicados no Brasil pela Aleph. Como não sei se terei a oportunidade de ler a trilogia toda, esta versão em quadrinhos é a solução imediata para me familiarizar com uma obra que revitalizou o universo expandido de Star Wars (agora diferenciado das variantes atuais pelo selo “Legends”).

Depois que o Imperador Palpatine foi morto por Darth Vader no final de O Retorno de Jedi, e o taque rebelde destruiu a Estrela da Morte 2.0, Coruscant caiu nas mãos da Nova República. Mas o império, na pessoa do Grande-Almirante Thrawn, ainda tem esperança de reconquistar o poder. Ele é um comandante competente e um estrategista astuto, que parece estar sempre um passo adiante de Luke Skywalker, Han Solo e Leia Organa Solo (sim, Leia e Han estão casados, nessa fase do Legends), Chewbacca, Lando Carlrissian, R2D2 e C3P0. Assim como em The Crystal Star (1994), romance de Star Wars escrito por Vonda N. McIntyre que li na década de 1990, o casal Solo busca fortalecer a jovem república, enquanto Skywalker está focado em restabelecer a ordem jedi. Sabendo disso, Thrawn arma as suas armadilhas em busca de um trunfo especial — os gêmeos jedi que Leia gera em seu útero. Há mais intrigas, inclusive alguém dentro da Aliança Rebelde que passa dicas ao almirante, do paradeiro dos heróis; e o velho jedi Jorus ‘Baoth, espécie de anti-Obi Wan que se alia a Thrawn para ter acesso a Luke; e o acesso a um planeta que gerou um pequeno animal capaz de bloquear os poderes jedi. A galeria de novos personagens introduzidos por Zahn é bem interessante: o velho jedi o honrado contrabandista Kaarde; sua assistente Mara Jade — ex-associada de Palpatine, e que por isso odeia Luke com todas as suas forças; e o segundo de Thrawn, o Capitão Pellaeon. Há mais estratégia aqui, uma impressão de inteligência em funcionamento, e não apenas correrias e explosões. E menos ocorrências daquelas às vezes incômodas pedras de toque que nos remetem o tempo todo à primeira trilogia de Lucas. Um toque bem-vindo são ideias de FC hard (Zahn é um escritor de FC hard que se voltou para a space opera) como a visita a um planeta tão próximo do seu sol, que os visitantes contam com uma nave escudo solar, para ajudá-los a alcançar a superfície. Consta que Thrawn ressurgirá numa prequência em quadrinhos. Os artistas europeus que assumiram o roteiro também trazem uma variação interessante, menos técnica, mais romântica. Seu desenho é mais estilizado, menos detalhista, mas sem deixar de ser dinâmico e de compor bonitas imagens, especialmente de paisagens e ambientes. Entre um capítulo e outro, o livro traz bonitas composições de Mathieu Lauffray, usadas nas capas dos episódios da minissérie que deu origem ao volume.

 

Arte de capa de Alex Ross.

Star Wars Legends: À Sombra de Yavin (Star Was: In the Shadow of Yavin), de Brian Wood (texto) e Carlos D’Anda, Ryan Kelly, Facundo Percio, Stéphane Créty e Ryan Odagawa (arte). Barueri-SP: Panini Books, 2017, 480 páginas. Capa de Alex Ross. Tradução de Levi Trindade, Paulo França e Júlio Monteiro. Capa dura. O Herdeiro do Império e Confronto na Lua dos Contrabandistas são livros relativamente pequenos, cuja leitura se compara à da novela ou do romance curto. Perto deles, com suas 480 páginas, À Sombra de Yavin é o que mais perto se pode chegar da leitura de um romance de Star Wars com o tamanho médio dos livros da franquia. Mas assim como os livros anteriores, ele tem a sua própria versão do que acontece entre um filme e outro da primeira trilogia, ou a partir do fim da trilogia. Neste caso, a Estrela da Morte foi destruída, a base rebelde na lua de Yavin foi exposta, e a esquadra rebelde está em movimento constante, enquanto um grupo de caças asa-X comandado por Leia Organa cumpre missões de reconhecimento em várias partes da galáxia, em busca de um planeta que possa abrigá-los. Luke Skywalker e Wedge Antilles estão com ela, enquanto Han Solo e Chewbacca vão até Coruscant em busca de armas e suprimentos para a Aliança Rebelde. Essa divisão de ações é típica de Star Wars, mas mais interessantes aqui é a situação existencial dos personagens. Passando por cima da triunfal cerimônia que encerra o Episódio IV, Wood lembra que Leia, Luke e Wedge perderam muitos amigos na batalha, e no caso dela, seu planeta natal. Sua perspicácia também se dirige ao Império, sugerindo inclusive que Vader teria sido colocado  de escanteio pelo imperador, chegando a sofrer tentativas de assassinato (no N.º 0 da revista Star Wars Legends). Wood também reposiciona a saga mais para perto de uma space opera militar, lidando bem com elementos de equipamento, hierarquia e exigências militares — especialmente na primeira parte. Assim como em O Herdeiro do Império, a cada missão de reconhecimento o esquadrão de Leia é emboscado e perseguido. Obviamente, há um informante dentro da Aliança, mas de quem se trata resulta em uma reviravolta realmente engenhosa e em meio a um clímax mais do que satisfatório. Leia é retratada como uma líder firme e inteligente, boa piloto e combatente capaz. O subenredo em torno do esquadrão acaba fornecendo uma história de origem do Rogue Squadron, que já teve sua própria série de romances e de HQs. A história fica menos militar e mais exótica quando Leia, cansada, decide por um casamento real (ela é uma princesa, lembra?) com o príncipe de um planeta periférico, mas que pode oferecer refúgio à esquadra. Mais traições os aguardam, porém, e a ameaça de que Vader, numa cruel ofensiva para retornar às graças de Palpatine, venha a se aproximar novamente dos heróis. Essa bem trabalhada tensão é temperada pela angústias de Luke e Han quanto ao casamento de Leia. O lado pessoal do trio imortal da space opera de Lucas retorna nessa situação, mas também no capítulo de encerramento, que tem os heróis tentando resgatar uma amiga de infância de Leia, perseguida por um caça-prêmios. Nem tudo são perdas, e em alguns momentos há reencontros e reforço do amor fraterno entre os três, que costura boa parte da intriga da primeira trilogia. Agradeçamos à força pelas pequenas graças. Os artistas mudam muito ao longo da narrativa, mas Carlos D’Anda é o principal artista aqui. Ele não é um bom fisionomista e suas naves e maquinário são duros e indistintos, mas ele é expressivo na figura humana, apesar de algo de estranho com os pescoços que desenha… De qualquer modo, é a narrativa que importa mais, em À Sombra de Yavin, cuja história completa apareceu recentemente por aqui na revista Star Wars Legends. A edição em livro traz muitas artes de capa impressionantes de Alex Ross, Hugh Fleming, Sean Cooke (excelentes, lembrando John Berkey) e outros, entre os capítulos.

 

Arte de capa de Juan Giménez.

Um dos meus artistas de ficção científica favoritos, o quadrinista argentino Juan Giménez, apareceu nas bancas brasileiras em novembro, na capa da revista Star Wars Darth Vader 022 (Panini Comics, Barueri-SP). Justamente o número final da revista, que fecha o ciclo de aventuras do vilão criado por George Lucas em 1977 para a space opera Guerra nas Estrelas. Traz dois episódios, de roteiro assinado por Kieron Gillen e arte de Salvador Larroca, e uma coda assinada também por Gillen — esta última, uma história sem letreramento, ambientada em Tatooine e envolvendo o povo da areia, desenhada por Max Fiumara. Juan Giménez, que nasceu em 1943, é conhecido por “Harry Canyon”, um dos melhores segmentos do filme Heavy Metal: Universo em Fantasia (Heavy Metal; 1981), e pelos desenhos da HQ Saga dos Metabarões, com roteiro de Alejandro Jodorowsky e disponível em vários álbuns de luxo publicados aqui pela Devir Brasil. Recomendo muito, a propósito, essa space opera exótica e violenta, reminiscente do clássico Duna, de Frank Herbert, e que marca a parceria entre Giménez e Jodorowsky. George Lucas, é claro, também bebeu da mesma fonte.

—Roberto Causo

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Luiz Bras, Fábio Fernandes e Roberto Causo no 11.º EBICC

Os escritores de ficção científica Luiz Bras, Fábio Fernandes e Roberto Causo estiveram no painel “Hiperconexões: A Ciência Cognitiva na Literatura Brasileira“, durante o 11.º Encontro Internacional de Ciência Cognitiva.

 

O evento aconteceu na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, de 30 de outubro a 1.º de novembro de 2017.

Vale lembrar que desde cedo a ficção científica buscou explorar questões da percepção da realidade e dos condicionantes do pensamento, da mente e da razão. No gênero, a cognição aparece delimitada por fatores evolucionários ou relativos às leis da física, aos processos biológicos do cérebro, aos processos sociais formativos, a possíveis interfaces eletrônicas e à inteligência artificial, à própria linguagem e à subjetividade étnica ou de gênero, a culturas e rituais, a normas subjacentes de complexidade.

Na novela “Un autre monde” (1895), por exemplo, o escritor belga J. H. Rosny aîné conta a história de um super-homem — o primeiro de um salto evolutivo da humanidade — que, como uma das suas habilidades superiores, tem o poder de ver um outro mundo, com toda uma biologia própria, intercalado com o nosso. A metáfora aí é a evolução.

Na era das revistas pulp, nas décadas de 1920 e 1930, havia a exploração de “variações de pensamento” (thought variations), em que surgia uma espécie de mote nas revistas, levando à “glosa” feita por vários autores. Uma das mais comuns tratava do macro e do micro: o herói tem acesso, em razão de algum experimento científico, a uma percepção da grandeza do universo ou tem acesso a mundos inteiros existentes dentro de um átomo. A metáfora aí é, muitas vezes, a de passagem ou transição.

Uma versão mais sofisticada da sugestão de que a realidade da física teria efeito sobre a cognição está no romance Brain Wave (1954), de Poul Anderson, em que uma espécie de campo de força natural na galáxia afetaria negativamente a inteligência em certas áreas da Via Láctea. Vernon Vinge fez uma glosa tardia no premiado A Fire upon the Deep (1992), propondo que gradientes da gravitação organizariam os níveis de inteligência das diversas civilizações da nossa galáxia — e também a possibilidade da inteligência artificial e do voo mais rápido que a luz.

O escritor Howard Fast, conhecido pelo romance Espártaco (1951), propôs na novela “The First Men” (1960) que os casos de crianças criadas por animais selvagens sugeriam uma plasticidade tamanha da mente humana, que a mera libertação dos laços e fardos familiares, associada a um ambiente rico em conhecimentos, levaria um grupo de crianças selecionadas a uma ampliação da mente e poderes intelectuais e paranormais que também conduziriam a um novo estágio da espécie. A metáfora aí é a expansão da mente, e outra obra que se pode citar é a mais famosa história de “Mogli” da FC, Estranho numa Terra Estranha (1961), de Robert A. Heinlein, que conta a história de um jovem terrestre criado entre os mais desenvolvidos marcianos.

Ainda nas décadas de 1950 e 60, argumentos semelhantes de fuga das amarras sociais, mais a emergente cultura das drogas e de expansão da mente, levam a uma série de obras de conteúdo semelhante. Mas o escritor americano Philip K. Dick foi um dos melhores resultados desse quadro, caracterizando-se como o criador de histórias — muitas vezes filosóficas, intrigantes ou paranoicas — sobre realidades sintéticas.

Surgido na Inglaterra em meados da década de 1960, a New Wave (que Dick meio que integrou nos Estados Unidos) produziu muitas histórias em que a subjetividade afeta o ambiente e ambiente afeta a subjetividade, em histórias de Brian W. Aldiss e J. G Ballard. A expressão americana da New Wave, contando com trabalhos de Ursula K. Le Guin, Roger Zelazny e Samuel R. Delany, muitas vezes ajustava essa noção imaginando contextos de FC em que mitologias (como expressão do inconsciente dos povos ou de subjetividades étnicas ou culturais enraizadas) tinham vigência.

Quando o Movimento Cyberpunk explode na década de 1980, surgem os conceitos da “liberação em relação à carne” propiciada pela “realidade virtual“, ambos apresentados por William Gibson em Neuromancer (1984). A metáfora no cyberpunk é a da cognição e do cérebro como associados à computação, analogia existente desde fins da década de 1940 e também explorada por Aldiss na New Wave. No cyberpunk frequentemente há uma correspondência entre a estrutura e o funcionamento do cérebro e os processos eletrônicos da computação.

O cyberpunk também apontou o caminho para a discussão da pós-humanidade pelo aumento de capacidades (outra metáfora), pela tecnologia. O ponto mais extremo dessa hipótese é a singularidade pós-humana, em que a mente ou a consciência seria de algum modo digitalizada e postada em sistemas de computadores, levando a uma existência virtualmente imortal e de possibilidades ilimitadas.

Recentemente, o filme  A Chegada, de Denis Villeneuve, explorou a própria ideia de que língua e intelecção andam juntas, e que aprender uma nova língua muda a cognição. No caso desse filme baseado na noveleta “História da sua Vida”, de Ted Chiang aprender uma língua alienígena leva uma linguista a perceber a passagem do tempo de um modo diferente.

 

No Brasil

A Rainha do Ignoto, da escritora e professora cearense Emília Freitas, é um romance pioneiro publicado em 1899, no qual um grupo secreto de mulheres, as Paladinas do Nevoeiro, realizam missões de resgate de mulheres abusadas e de escravos apoiadas pela liberdade que a hipnose dá a elas, pois são percebidas pelas pessoas em torno como homens. Décadas mais tarde, André Carneiro falaria da auto-hipnose compondo a realidade de um sujeito — alternando a decoração de sua casa, a aparência de sua esposa —, no conto “O Homem que Hipnotizava” (1963).

No ótimo romance A Amazônia Misteriosa (1925), de Gastão Cruls, uma bebida alucinógena amazônica leva um médico a uma espécie de viagem no tempo em que ele fala com o Imperador Inca Atahualpa e testemunha as atrocidades dos conquistadores. A experiência vem colorir a sua passagem pela aldeia perdida das amazonas — que têm entre elas um cientista germânico que faz experiências atrozes com os meninos, que são o refugo da sociedade feminina das amazonas.

No seu clássico de 1963, “A Escuridão”, recentemente republicado na antologia The Big Book of Science Fiction (2017), de Ann & Jeff VanderMeer, André Carneiro propõe um misterioso fenômeno global que rouba da Terra todas as fontes de luz. Mergulhados na escuridão paulatina, um grupo de sobreviventes urbanos descobre que são justamente aqueles com a limitação da cegueira, os mais aptos a guiá-los durante o terrível fenômeno.

Na noveleta O 31.º Peregrino (1993), de Rubens Teixeira Scavone, um dos melhores textos da FC brasileira do final do século 20, um grupo de viajantes da Inglaterra do século 14 se depara com as hipóteses muito modernas do disco voador e da abdução alienígena, mas enxergam as ocorrências com que se deparam a partir do sistema de pensamento da sua época, religioso e místico, interpretando-os como visitações demoníacas e aparições celestiais.

Publicado em 2009, O Dias da Peste, de Fábio Fernandes, é um romance brasileiro que aborda a singularidade tecnológica — que, segundo expresso pelo próprio Fábio durante a mesa na EBICC, acontece quando redes de computador ganham consciência e se associam momentaneamente aos seres humanos como tutores às vezes inadvertidos.

O Alienado (2012), de Cirilo S. Lemos, é um complexo romance sobre sociedades secretas, memória, trauma e rejeição sexual, escrita e sublimação psicológica, tudo costurado em uma trama paranoica de realidade sintética. Um dos marcos genuínos da Terceira Onda da FC Brasileira.

Luiz Bras também investiu nas realidades sintéticas do tipo virtual, em várias histórias da sua coletânea Paraíso Líquido (2009), uma das mais experimentais dentro da FC brasileira, desde O Fruto Maduro da Civilização (1993), de Ivan Carlos Regina, e Mundo Fantasmo (1994), de Braulio Tavares.

 

No Evento

A perspectiva do trans-humanismo dominou o painel “Hiperconexões: A Ciência Cognitiva na Literatura Brasileira” — que aconteceu na terça-feira, dia 31 de outubro. Luiz Bras fez a mediação não apenas da mesa, como da audiência, pois a atividade foi bastante aberta e permitiu que as pessoas falassem diretamente. Fábio Fernandes resumiu em postagem no Facebook: “Uma mesa-redonda que começou falando sobre o pós-humano, depois (a pedido da plateia) acabou entrando no tema das distopias e utopias, e fechou com um papo sobre nossos métodos de trabalho.”

—Roberto Causo

 

Luiz Bras e Fábio Fernandes na Escola de Comunicações e Artes.

Luiz Bras, Fábio Fernandes e Roberto Causo.

Fábio Fernandes e Luiz Bras (mediando a plateia).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Leituras de Maio de 2017

A ficção científica em prosa e em quadrinhos dominou as minhas leituras de maio, mas com espaço também para a não ficção e mais arte de FC.

 

Arte de capa de Stephan Martiniere.

The New Space Opera, de Gardner Dozois & Jonathan Strahan, eds. Nova York: Eos, 1.ª edição, 2007, 518 páginas. Capa de Stephan Martiniere. Trade paperback. A new space opera foi uma variação da “velha space opera” que andou se agitando desde a década de 1980 mas se tornou uma das forças na ficção científica anglo-americana na década seguinte e no começo desde século 21. É pós-cyberpunk na textura, nos protagonistas jovens, no apelo às inteligências artificiais e à “singularidade tecnológica”, é menos exótica e mais científica. Além disso, assumiu alguma discussão política de esquerda, e não apenas libertariana (como de hábito na space opera militar em voga nos EUA). Os editores desta antologia afirmam, porém: “não estávamos especialmente preocupados em obter histórias que confirmassem esta ou aquela definição.” Estão lá, porém, vários autores identificados com a modalidade “new“: Peter F. Hamilton, Ken Macleod, Alastair Reynolds, Stephen Baxter e Dan Simmons. Também vale notar a ausência de autores que há décadas ganhavam a vida com space opera militar ou do tipo mais exótico…

A capa do artista digital francês Stephan Martiniere, um dos principais “intérpretes” visuais da new space opera, plasma o subgênero mais do que muitas das histórias da antologia. E quanto às histórias… Fiquei anos empacado na noveleta de Kage Baker, ambientada em Marte e tratando da montagem de uma peça de teatro. Uma comédia arrastada e sem graça. Outras histórias se focam demais em contar e não mostrar — como as de Tony Daniel, Stephen Baxter e Paul J. McAuley. A noveleta de Robert Silverberg é muito charmosa e exótica mas torna o contar o seu elemento central, já que apresenta uma espécie de Xerazade visitando a corte do imperador da galáxia. Outras histórias carecem do tipo de mobilidade que caracteriza a space opera, focando-se em episódios de xenoarqueologia — como as de Greg Egan e Nancy Kress. Além disso, há histórias que se focam mais na dicção pós-cyberpunk da new space opera, como a de Ian McDonald; ou que buscam subverter as expectativas do que é a aventura na space opera, como a de Walter Jon Williams, que substitui a aventura em que se corre perigo de vida e se visita lugares exóticos, pela aventura de casos sexuais e maridos traídos, naquilo que é basicamente uma história de beatniks no espaço… Minhas histórias favoritas da antologia são as de Gwyneth Jones, Alastair Reynolds e, principalmente, Dan Simmons. A emocionante história da inglesa Jones apresenta uma heroína inglesa e um sidekick equatoriano chamado Pelé, e nos lembra da persistência da exploração e do abuso do outro. A de Reynolds fala de um super-operativo que interrompe sua missão para, junto com a sua nave-faz tudo, auxiliar uma civilização low-tech a sobreviver a uma explosão solar. Para isso ele fornece tecnologia e observa, ao longo de algumas gerações (despertado de períodos de hibernação), a formação de uma sociedade arregimentada que vence inimigos locais e movimenta a força de trabalho necessária à construção das naves de evacuação. Quando a coisa descamba para um regime totalitário interessado só na própria perpetuação, ele intervém uma última vez. Uma história que lembra que a luta contra a tirania também é eterna. Finalmente, a novela de Simmons leva o leitor a uma montanha russa de imagens cada vez mais épica, enquanto uma trupe shakespeareana é convocada para se apresentar diante da hierarquia de alienígenas que escraviza a humanidade. É um teste, que tem a extinção da humanidade como resultado possível. Apenas Shakespeare poderá nos salvar. A premissa é absurda e eurocêntrica, nunca realmente fundamentada, e a história explicita mais uma vez a incapacidade da maioria dos autores selecionados, de celebrar a space opera sem recorrer a algum truque ou perspectiva que os coloque a salvo das características mais aventurescas do subgênero. A diferença está em que Simmons não se desobriga de maravilhar o leitor, enquanto a maioria dos outros abre mão disso.

 

Arte de capa de Stephan Martiniere.

Hunter’s Run, de George R. R. Martin, Gardner Dozois & Daniel Abraham. Nova York: Eos, 2009 [2008], 288 páginas. Capa de Stephan Martiniere. PaperbackLançado no Brasil pela LeYa em 2017 como Caçador em Fuga — com a mesma arte do extraordinário artista digital francês Stephan Martiniere —, este é um romance com três autores que demorou três décadas para ser completado. Um ponto de interesse para o leitor brasileiro está no fato de ele ser ambientado no planeta São Paulo, colonizado por brasileiros e mexicanos.

É ambientado num futuro em que os humanos são clientes de uma espécie alienígena que lhes franqueou o acesso a outros mundos. E em uma colônia planetária chamada São Paulo, povoada por mexicanos e brasileiros — que são chamados pelos mexicanos de “portugas”. É a mesma coisa de uma colônia (chamada, digamos, San Francisco) fundada por canadenses do Quebec e por americanos — que são chamados pelos canadenses de “britânicos”. Dãã… Começa dando a impressão de que vai ser uma aventura meio pedestre e comum. O personagem é um mexicano arruaceiro, pinguço e entregue aos seus impulsos. Essa caracterização deve algo aos chicanos de John Steinbeck em Tortilla Flat (1935). Ele mata um homem e foge para as montanhas, onde já havia trabalhado como garimpeiro. Mas aí tropeça em uma colônia de alienígenas, parte de uma segunda espécie perseguida pela primeira, e é forçado a trabalhar para eles. Um alien passa a companhá-lo, e o livro vira um tipo de buddy movie, tipo Inimigo Meu (1985). Se a colônia for descoberta, a outra raça alienígena vai exterminá-la até o último E.T. Com isso, o herói assume um dilema moral, ganha profundidade e interesse, e o romance agora tempera muito bem a aventura com análise psicológica. Em mais uma guinada, a aventura passa a acompanhar uma balsa que desce um rio — num eco quase explícito a Huckeberry Finn (1884), de Mark Twain. O terço final assume as feições de ficção de crime, também eficiente. Uma dica do seu sentido está no sobre nome do protagonista Ramón Espejo. Mas há exotismo suficiente na paisagem e no ecossistema do planeta para definir Hunter’s Run como um planetary romance. Fecha o livro um posfácio e uma entrevista com os três autores, contando a história deste livro que levou trinta anos para ser escrito, a partir de um rascunho escrito por Dozois em 1977. Um romance que surpreende e que oferece metáforas interessantes para a condição humana. Recomendo a leitura desse livro que inverte expectativas.

 

Arte de capa de Tim White.

The Science Fiction and Fantasy World of Tim White, de Tim White. Londres: Paper Tiger, 2000 [1981], 144 páginas. Capa de Tim White. Trade paperback. Esta é mais uma preciosidade da Paper Tiger encontrada nas prateleiras da loja Terramédia, em São Paulo. É reedição de um livro original de 1981, reunindo material da primeira década da carreira do prolífico artista britânico Tim White. Hiperdetalhista, extraindo efeitos fotográficos do guache no aerógrafo, ele tem um lugar especial na “Revolução Britânica” na arte de FC, capitaneada por Chris Foss, e faturou o prêmio da British Science Fiction Organization de Melhor Artista em 1983. Começou em 1971 com capa para um livro de Arthur C. Clarke, mas acabou fazendo muita coisa para livros de Robert A. Heinlein, Robert Silverberg, Brian W. Aldiss e Alan Dean Foster. “Revolt in 2100” é minha favorita dentre os capas de Heinlein, apresentando uma gigantesca nave de desembarque de tropas. Suas ilustrações dominadas por espaçonaves — como “Jewel of Jarhen”, “Expedition to Earth”,  “The Tar-Aiym Krang” e “The Past Through Tomorrow” — lembram Foss e Peter Elson, mas com um caráter próprio. Outras, mais sólidas e com mais rendering, lembram o também britânico Chris Moore. Nessa tendência, a ufológica “Those Who Watch” é uma favorita, assim como “Through a Glass, Clearly”, que apareceu na revista OMNI e na edição brasileira de O Cair da Noite, de Isaac Asimov, pela Hemus. A qualidade cristalina e atmosférica da sua arte aparece com mais força quando ele aborda a fantasia científica, em artes mais demoradas e detalhadas: “Lord of the Spiders”, “Alien City” e “City of the Beast” (principalmente) são joias de exotismo. Seus ecossistemas às vezes parecem dominados por uma vegetação composta de plantas suculentas, como nas maravilhosas árvores da luminosa “Critical Threshold”, que tem algo de FC hard e pode ter influenciado a arte posterior do americano Michael Whelan. Poemas de Kenneth V. Bailey acompanham algumas das ilustrações, reforçando a sua qualidade poética e atmosférica. A ousada imagem que aparece na capa do livro, também está na capa da única edição da Perry Rhodan-Magazin que eu tenho aqui.

Outro dia, endoidei quando vi na net a arte de Dan Goozee para o pôster “Battle of the Galaxies”, de um conjunto produzida pela Paper Tiger e comercializada pela Captain Company de Nova York e que apareciam em anúncios na revista Famous Monsters of Filmland. Um sonho de consumo da minha adolescência. Encontrei neste site um saudosista tão grande quanto eu, desse material: Going Faster. Vários desses posters foram feitos por White e também estão no livro: “Stopwatch”, “Brainwave” e o deslumbrante “Earth Enslaved”.

 

A Última Árvore, de Luiz Bras (Nelson de Oliveira). São Paulo: Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo, 2017, 110 páginas. Livro de bolso. Mês passado, falei aqui da novela tupinipunk Não Chore, de Luiz Bras. Eu disse então que, como contista, Bras tem no seu Paraíso Líquido (2010) uma das mais coletâneas mais experimentais e ousadas, desde fins da década de 1980. A Última Árvore, com oito contos de ficção científica e fabulation absurdista, é uma boa introdução à ficção curta do autor. Seis histórias vieram de Paraíso Líquido, lançado originalmente pela pequena Terracota Editorial e já difícil de adquirir. As outras duas vieram do Projeto Portal de revistas editadas de pequena tiragem por Nelson de Oliveira, e da revista eletrônica Trasgo, de Rodrigo van Kampen.

Os oitos contos oferecem especulações pós-cyberpunk em que a loucura, a paranoia, a violência, a qualidade frágil do real e o relacionamento autor-personagem-leitor se alternam e se reforçam. Esse aspecto metaficcional está presente em quase todos os textos. Se eu tivesse que escolher um destaque — subordinado ao meu gosto pessoal, é claro —, seria “Aço Contra Osso”, narrativa movimentada que realiza muito a partir da lógica do videogame e sua estrutura em estágios. Mas “Nuvem de Cães-Cavalos” tem o melhor equilíbrio entre uma prosa elegante e lírica, e o assunto estranho e perturbador. A coletânea tem o apoio do ProAC e faz parte de uma fornada de 24 livros de proporções semelhantes. Todos — inclusive A Última Árvore — livres para download gratuito em PDF, no site Livros Fantasma. O catálogo inclui não apenas ficção, mas poesia, ensaio, arte e fotografia, e o site tem a seguinte carta de intenções: “Nestes tempos de informação digitalizada e desmaterializada, o objeto livro faz mais sentido do que nunca. Imprimir livros é perpetuar este movimento de transformar a intuição em ação, o traço em desenho, a ideia em objeto. O livro é, como o fantasma, esta coisa que se recusa a abandonar o nosso mundo.”


American Fascists: The Christian Right and the War on America
, de Chris Hedges. New York: Free Press, 1st edition, January 2008 [2007], 274 páginas.
 Trade paperback. Meu amigo e colega de orientação de pós, Khalid Tailche, há alguns anos me apresentou ao trabalho do jornalista e ativista político americano Chris Hedges, a quem passei a acompanhar no site Truthdig e em várias palestras no YouTube e aparições em canais noticiosos e alternativos na internet, como Democracy Now!, RT e The Real News Network — além dos vários livros que Khalid usou na pesquisa para a sua tese, Contrapontos no Pensamento Fundamentalista: Para uma Análise Crítica (FFLCH/USP, 2012). Li American Fascists ainda em busca de nuances e verossimilhança no trato do tema do culto religioso fechado, para o meu romance Anjos do Abismo, parte das Lições do Matador. Mas o fato é que essa reportagem de Hedges tem algo a dizer sobre as mudanças no Partido Republicado dos EUA do governo de Bill Clinton até agora — e sobre a eleição de Donald Trump, e antes dele, de George W. Bush. Suas reflexões ajudam a contextualizar produtos culturais tão diversos quanto as séries de TV Newsroom e The Leftovers; a série de livros Deixados para Trás; o romance de Stephen King Revival; do clássico da FC Revolt in 2100 (1955), de Robert A. Heinlein; a FC distópica jovem adulta Skinned (2008), de Robin Wasseman; e, principalmente, a trilogia A Song Called Youth (1985, 1988, 1990) do cyberpunk John Shirley.

Hedges é filho de um padre presbiteriano, frequentou seminário e fez faculdade e pós-graduação em Teologia. Também é jornalista ganhador do Prêmio Pulitzer, e foi correspondente de guerra em vários países e regiões em conflito. Antes desta reportagem, eu já tinha lido dele I Don’t Believe in Atheists (2008) e War Is a Force that Gives Us Meaning (2002). Aqui, o assunto é a aliança perigosa entre a direita cristã evangélica e a política conservadora — e por isso, o livro também ajuda a explicar a nossa “Bancada Evangélica” e vários políticos brasileiros que se inserem nessa linha. A verdadeira preocupação de Hedges, porém, é identificar e alertar quanto a tendências fascistas desse movimento, especialmente do que ele chama de “dominionismo”. Nessa tendência, o mandato de Deus (segundo a Bíblia) para que o homem estabeleça seu domínio sobre a criação é tomado literalmente e extrapolado como o domínio dos evangélicos sobre a política americana, o meio ambiente, os infiéis e a política mundial. Seu discurso se apoia em uma “cultura do desespero”, dentro da alienação americana da classe média e das classes trabalhadoras. Ele cria um culto à masculinidade e uma retórica guerreira, estabelece uma guerra contra a verdade científica (especialmente o evolucionismo), ao mesmo tempo em que aceita e promove sua versão de darwinismo social, persegue minorias sexuais e clama por uma cruzada contra a política liberal e as religiões rivais. Para Hedges, a tolerância à liberdade religiosa não deve proteger pessoas que se pautam pela intolerância religiosa e moral. Além disso, quem acha democracia uma coisa importante, deve buscar proteger a sociedade de quem quer usar a democracia contra ela. Essa lição também vale para nós, deste lado da linha do equador. Às vezes, Hedges é modernista demais pro meu gosto — reclamando da cultura popular e assumindo posturas elitistas —, mas neste livro, é difícil dizer que ele está errado na denúncia vigorosa que faz.

 

A Origem do Japão: Mitologia da Era dos Deuses, de Nana Yoshida & Lica Hashimoto. São Paulo: Cosac Naify, Coleção Mitos do Mundo N.º 9, 2015, 96 páginas. Capa e ilustrações internas de Carlo Giovani. Capa semirrígida. Pedro Santos, um dos editores e redatores do Desire® Universe, me passou este livro como subsídio para o romance “Archin”, no qual estou trabalhando com ele e com o editor-chefe, Daniel Abrahão. Faz parte uma coleção da Cosac Naify, coordenada por Betty Mindlin, voltada para os mitos do mundo. As duas autoras nipo-brasileiras fizeram um bom trabalho ordenando e narrando os mitos fundadores do Japão. Como costuma ser, os mitos criadores expressam coisas muito caras ao povo, como as questões de limpeza e dejetos corporais. Já o deus dos mares é visto como turbulento, mal-educado e inconstante — adequado a um povo tantas vezes atingido por tormentas e tsunamis. Os mitos se centram no surgimento dos deuses criadores de deuses, da hierarquia e dos conflitos entre eles, chegando ao momento em que é criado o arquipélago japonês e o povo de origem divina instalado nele. Tais mitos de origem se associam fortemente à casa imperial japonesa, e Yoshida & Hashimoto mencionam as relíquia da Era dos Deuses que ainda são guardadas pela família imperial, que tem caráter divino junto aos seus súditos. Interessante que o povo japonês perdeu a chance de ser super-humano de fato, porque o deus criador do arquipélago perdeu a chance de aceitar uma deusa feia junto com a deusa bela, a Deusa-das-Flores, que desposou — a deusa feia era justamente a Deusa-das-Rochas, mais duradouras e resistentes do que flores… Por isso, o povo do arquipélago têm vidas efêmeras como as de todos nós.

As ilustrações de Carlo Giovani são muito criativas — feitas com madeira, papel e bonecos de pano, lembrando a prática japonesa do origami e de outras artes manuais. Mas as fotos feitas das cenas montadas com esses recursos trazem uma certa monotonia ao livro. E o lúdico dessas soluções de artes manuais, substituindo a possibilidade de ilustrações detalhadas e sugestivas, acaba minando aquele componente tão importante dos mitos: a sugestão de uma verdade sólida, por trás do racionalismo.

 

Arte de capa de Maria Eugenia.

Sarah Vaughn, de Carlos Calado. São Paulo: Folha de S. Paulo, Coleção Folha Lendas do Jazz #1, 2017, 44 páginas. Capa de Maria Eugenia. Capa dura. Eu sei que ninguém perguntou, mas meu gosto musical dá preferência ao heavy metal e ao hard-rock. Não quer dizer que eu não me interesse por outros gêneros e estilos musicais (de vez em quando). Depois de ver um documentário sobre Sarah Vaughn na TV, resolvi dar mais atenção ao jazz — que é certamente o gênero musical mais citado na “literatura séria”. E esta coleção rediviva ou relançada pela Folha estava com um bom preço de lançamento.

O livrinho é pouco mais do que uma embalagem para o CD de canções de Vaughn, com um apanhado de sua carreira. Mas o texto do especialista Carlos Calado não deixa de ser informativo, incluindo esboço biográfico e avaliação crítica dessa que foi, pra muita gente, uma das três grandes, junto com Billie Holiday e Ella Fitzgerald. Vaughn foi a única das três, é claro, que vi cantar pela TV enquanto ela ainda estava viva (morreu em 1990). Ao contrário do documentário, o livro cita a aproximação da cantora com a música brasileira, presente nos seus últimos lançamentos. O CD inclui bebop, pelo qual ela foi mais conhecida, mas também bons exemplos da canção americana (conhecida como “standard“).

 

Quadrinhos

Arte de capa de Richard Corben.

Jeremy Brood, de Richard Corben & Jan Strnad. Kansas City, MO: Fantagor Press, 1989 [1982], 64 páginas. Capa de Richard Corben. Álbum. Corben é um grande nome do quadrinho underground americano. Curiosamente, a sua primeira aparição no Brasil deve ter sido como artista de capa do Magazine de Ficção Científica N.º 20 (de 1971, a última edição da revista). Eu o conheço pela saudosa Kripta e pela Heavy Metal da década de 1980. Este Jeremy Blood eu encontrei na Terramédia. A edição não diz quem fez o quê, considerando-se que se trata de uma colaboração. A editora Fantagor pertenceu ao próprio Corben, até 1994. O nível de arte-final não parece ser o melhor de Corben, mas a arte colorida tem todas as suas marcas: homens cabeçudos e musculosos, mulheres extremamente peitudas, homúnculos, lutas dinâmicas e confusas, e efeitos 3D feitos na raça. Pode-se dizer que Corben atualiza com toques mais explícitos uma sexualidade presente de modo abafado na FC, horror e fantasia.

Jeremy Brood é o herói desta ficção científica de aventura, em que ele e sua companheira afro-americana Char fazem uma pausa na transa que têm em uma nave espacial para atender a um chamado urgente. Precisam ir a um planeta com uma civilização de cores medievais, mas como viajam próximos à velocidade da luz, para eles são poucas semanas enquanto lá se passam duzentos anos. Isso dá tempo para que uma sociedade secreta mantida por agentes da organização galáctica à qual Brood e Char pertencem preparem a chegada dele. A estratégia é torná-lo centro de um culto religioso. Quando o rapaz chega ao planeta, cai no meio de um ritual de sexo (outra marca de Corben?), que ele realiza na ponta da faca. A HQ é sintética e dinâmica e uma aventura movimentada — com turbas ensandecidas, salteadores do deserto e ataques de monstros alados — que caminha para a frente com segurança e energia. O destaque deve ser o inesperado e incomum destino final do herói.

 

Arte de capa de Terry & Rachel Dodson.

Coleção Definitiva do Homem-Aranha 1: Caído entre os Mortos, de Mike Millar (roteiro), Terry Dodson e Frank Cho (desenhos), Rachel Dodson e Frank Cho (arte-final). São Paulo: Panini Comics/Salvat, 2017, . Capa de Terry & Rachel Dodson. Capa dura. O preço de lançamento desta coleção estava atraente o bastante para que eu me aventurasse a ler mais um roteiro de Mike Millar. Também gosto bastante  de Terry Dodson e de Frank Cho (apesar de todas as suas mulheres terem a cara e o corpo de Olivia Dudley, só muda a cor do cabelo). São artistas que costumam dar um ar moderno e relaxado às suas HQs de super-heróis. O Homem-Aranha sempre foi um dos meus heróis favoritos, desde a infância. Deixei de acompanhar quando o alien Venom entrou em cena. Modernamente, dei uma olhada numa coisa e outra, e gostei mais da sequência escrita por J. Michael Straczynski (criador da série Babylon 5).

O escocês Millar parece onipresente hoje em dia. Suas características de iconoclastia, ironia e violência costumam agradar a audiência moderna dos quadrinhos. Mas no meu caso, tendem a cansar muito rápido. Caído entre os Mortos parece pegar onde Straczynski largou — os números 30-35 e 37-45 da revista The Amazing Spider-Man. Que eu li nos volumes O Espetacular Homem-Aranha: De Volta ao Lar e O Espetacular Homem-Aranha: Revelações & Até que as Estrelas Esfriem, da Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel. Neles, Peter Parker é um professor de ensino médio numa escola pública em Nova York, mas passa a ser caçado por um vampiro especializado em super-heróis e, moído de pancada, tem sua identidade de herói descoberta pela Tia May. Mais tarde, vai a Hollywood atrás de Mary Jane e volta a enfrentar o Dr. Octopus. Eu gostei, apesar de não ter muito afeto pelo traço de John Romita, Jr. Em Caído entre os Mortos, a Tia May é sequestrada e o Aranha parece uma barata tonta tentando encontrá-la. Millar talvez tenha tentado superar as situações de Straczynski, e Parker passa tanto tempo deformado pelas surras, que não só as pessoas próximas dele não o reconhecem, como o leitor também não. Os conflitos não têm um arco narrativo muito interessante — mostra o herói encontrando seus superinimigos um atrás do outro, repete recursos (um monte de gente morrendo de câncer justificando a maldade dos supervilões) e, pior, faz o Aranha bater ponto em um clube de super-herói atrás do outro, pedindo ajuda: os Vingadores e a escola de mutantes do Prof. Xavier… Com tanta correria, aquele calor humano esperado da arte de Dodson e Cho (que cuida apenas de um trechinho da história) e o envolvimento do herói com seus entes queridos e com a cidade fica meio perdido — assim como Tia May.

 

Arte de capa de Danilo Beyruth.

Astronauta: Magnetar, de Danilo Beyruth. São Paulo: Panini Brasil/Mauricio de Sousa Editora, 2012, 82 páginas. Capa de Danilo Beyruth. Álbum. M. Elizabeth “Libby” Ginway, a maior especialista em ficção científica brasileira que temos hoje, resolveu voltar a estudar os quadrinhos brasileiros. Comprei este álbum para ela, mas Libby vai me desculpar e à Finisia Fideli, se nós o lermos antes. Libby é autora de Ficção Científica Brasileira: Mitos Culturais e Nacionalidade no País do Futuro, e de Visão Alienígena: Ensaios sobre Ficção Científica Brasileira.

A aventura narrada por Danilo Beyruth faz parte do projeto de graphic novels de Mauricio de Sousa, de releituras dos seus personagens. Durante anos Mauricio foi cobrado pela comunidade de quadrinistas para que fizesse mais pelos quadrinhos nacionais. Nesse projeto, ele encontra um caminho do meio, dando trabalho a artistas talentosos que não se subordinam à aparência tradicional dos seus personagens, mas que ainda reforçam as properties do império da Mauricio de Sousa Produções. É interessante que o talentoso Beyruth leve a sério a proposta do astronauta tupiniquim, solitário e com saudade da cidade do interior em que cresceu. Mais que um brasuca no espaço, é um caipira com cara de caipira investigando uma estrela de nêutrons e o campo de asteroides que a circunda. Também sou caipira e adorei. A história, surpreendentemente, é uma ficção científica hard (com consultoria de um astrônomo da Universidade de São Paulo) e uma problem story na qual o herói tem que se conectar com suas raízes e com o seu íntimo afetivo, para encontrar uma saída para a encrenca potencialmente fatal em que se meteu. Tanto a aparência quanto o espírito dessa realização de Beyruth remete ao quadrinho artístico europeu. A historia é simples mas a narrativa é sólida, variada, criativa e inspirada em alguns pontos, e o traço do artista é solto e eficaz. É a segunda aventura de uma série de quatro álbuns já lançados. A série tem recebido prêmios e elogios merecidos.

 

Arte de capa de Alex Shibao.

Laser Gun, de Alex Shibao. São Paulo: SESI-SP Editora, 2016, 64 páginas. Capa de Alex Shibao. Álbum. Esta é outra ficção científica brasileira em quadrinhos, que comprei para Libby Ginway numa promoção da Livraria Saraiva do Shopping Eldorado, em São Paulo. Provavelmente não vai ser muito útil para ela, porque em nada trata do Brasil. Mas tem um projeto interessante, que recupera muito da FC de ação (tendência firmada pelo filme O Exterminador do Futuro, em 1982) no cinema americano da década de 1980.

O artista Alex Shibao propõe neste álbum escritor e ilustrado por ele, que um terremoto de repercussões global em 1970 altera a ordem mundial e isola a cidade (californiana?) murada de San Camino (terrível trocadilho), assolada pelo crime. Ambientada em 1987, é portanto uma espécie de história alternativa. Mas pouco sabemos do que se passa fora dos muros de San Camino, metrópole tão assolada pelo crime, que o prefeito resolveu substituir sua força policial por robôs de aparência humana. Nesse contexto, um grupo de criminosos está atrás da arma laser que distingue o herói, o piloto de corridas ilegais Sands Roadtansky (qualquer semelhança com o Max Rockatansky de Mad Max é…). Se você viu minha postagem de março de 2017, sabe que meu romance Mistério de Deus mistura horror, ficção de crime e muscle cars. Então eu curto a presença de carrões americanos em contextos de ficção especulativa. Shibao também, eu imagino, pois Sands dirige um Pontiac Firebird 1980, e outras máquinas possantes das décadas de 1970 e 80 aparecem na HQ. Assim como mais toques de filmes da época, especialmente RobocopO Exterminador do Futuro. Efeitos de aerógrafo na capa e contracapa também remetem à época. O roteiro não é especialmente criativo ou interessante, mas como desenhista Shibao é habilidoso. Ele já trabalhou para empresas estrangeiras da área (IDW e Titan Books), e foi indicado duas vezes ao Troféu HQMix. Seu traço fino e sua habilidade com o design de roupas, carros, e construções realiza aquilo que deve ser o principal objetivo de Laser Gun — transportar o leitor para a estética da década de 1980, que, dizem, está voltando ao campo do design, da produção de televisão e cinema. A série de horror Stranger Things vem logo à mente, e acho que eu também sigo a tendência com Mistério de Deus (ambientado em 1991).

—Roberto Causo

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