A Devir Brasil organizou novamente, nos dias 2 e 3 de dezembro, a sua Virada Nerd — desta vez nas dependências do Museu da Imagem e do Som e em várias lojas em São Paulo e outras partes do Brasil. A rodada de eventos aconteceu entre por todo o dia 2 e ao longo da madrugada do dia 3, e embora eu tenha participado apenas como fã, me diverti muito e queria registrar meus comentários aqui.
A Virada, para mim, começou no MIS perto das 15h00, quando cheguei para ver o painel com Christopher Kastensmidt, Ursula “SulaMoon” Dorada, Gabriel Rubio e João Beraldo.
Bem na entrada do museu foi montado um grande estande da Devir Brasil, para a venda de livros, quadrinhos, RPGs e jogos de tabuleiro. Logo vi a figura sempre esbelta de Walder Yano, o único sócio fundador da Devir ainda em atividade, depois do desencarne do nosso amigo Douglas Quinta Reis em outubro deste ano.
Cumprimentei Yano e informei que estava ali para assistir ao painel de lançamento do RPG A Bandeira do Elefante e da Arara, de Christopher Kastensmidt. Yano fez questão de me acompanhar até o auditório em que aconteceria o bate papo. No caminho cumprimentei os vendedores da Devir, Walid Mrad e Marcelo Salomão, com quem apanhei uns butons e o material que a Devir arranjou para distribuição gratuita, as histórias em quadrinhos Paper Girls, Lumberjanes: Amizade É Tops, e Henshin! Mangá Vol. 2 — um mangá vencedor do concurso Brazil Manga Awards 2 e produzido pela JBC —, já que a Virada Nerd também incorpora o “Dia do Quadrinho Grátis“.
Lá dentro, vi Christopher com Sula Moon e o João Beraldo e os cumprimentei e parabenizei pela publicação do RPG, cujo desenvolvimento acompanhei pelas redes sociais. Christopher logo me presenteou com um dos seus exemplares. A apresentação reuniu os três, mais Gabriel Rubio, um dos artistas mais elogiados do livro. Foi uma apresentação muito bacana, amparada por uma exibição com loop de imagens no telão atrás dos quatro.
A discussão com imagens rolando no fundo.
Christopher Kastensmidt, SulaMoon, Gabriel Rubio, João Beraldo
Christopher deixou claro que buscou qualidade internacional em tudo o que dizia respeito à produção do RPG. Ele e SulaMoon fizeram questão de valorizar os artistas nacionais, e contou que o material produzido com direção de arte dela foi tão impactante que, quando ele abordou os sete artistas do RPG pra ilustrar a aventura escrita especialmente por Beraldo, nenhum deles estava disponível — todos já haviam sido tão promovidos pela qualidade (e certamente originalidade) do material feito para A Bandeira do Elefante e da Arara, que já estavam trabalhando em novos projetos no Brasil e no exterior.
Fiquei emocionado pela postura deles, e também pelo óbvio impacto que o trabalho de Christopher Kastensmidt com esse universo tem tido em tornar a fantasia folclórica brasileira uma tendência literária presente e aquecida no nosso momento.
Arte de capa de Marcela Medeiros.
Ao final da atividade, fomos informados pela publicista Giulliana Oliveira de que a entrega da aventura A Lenda da Ave Dourada, escrita por João Beraldo, foi atrasada, de modo que Yano decidiu distribuir o próprio livro capa dura do RPG às quase 30 pessoas presentes. Meu segundo exemplar, eu pedi a Christopher para autografar para Taira Yuji, o líder do Estúdio Desire, para o qual tenho feito revisões, e que pretende desenvolver o seu próprio RPG nacional. Quem sabe os dois não trocam figurinhas no futuro…
A Bandeira do Elefante e da Arara é um universo ficcional iniciado por Kastensmidt em 2010 com a noveleta premiada, e finalista do Prêmio Nebula, “O Encontro Fortuito de van Oost e Oludara”. Três histórias iniciais foram publicadas no Brasil pela Devir, na coleção Asas do Vento, depois veio uma história em quadrinhos adaptando a aventura inaugural da dupla de heróis, e em seguida, em 2016, o romance fix-up A Bandeira do Elefante e da Arara, também pela Devir Brasil. As histórias que compõem o livro têm saído como e-books em países tão diferentes quanto Espanha e China.
A série envolve um aventureiro holandês e um iorubá liberto, que formam uma bandeira para poderem entrar oficialmente nas matas do Brasil Colônia e enfrentar monstros sobrenaturais, às vezes apoiados por índios, outras por seres mágicos como o Saci Pererê, ou até por jesuítas bem-intencionados. São seus inimigos não apenas os monstros, mas também as bandeiras reais, caçadoras de índios para o trabalho escravo. Mas mesmo aí, Christopher escapa do maniqueísmo ao conferir consistentemente, nuances morais aos seus personagens, sejam eles heróis ou vilões.
Arte de capa de Yan Kyohara.
A dupla de heróis percorre o território selvagem e mágico do Brasil, encontrando todo tipo de situações de atrito e choque cultural, aventura e descoberta. O potencial desse universo é enorme para chamar a atenção para nossa cultura e nosso passado histórico, justificando o foco de Christopher Kastensmidt em fazer o RPG chegar às escolas, com o patrocínio da empresa Financial Solutions Partner via Lei de Incentivo à Cultura, o que permitiu se chegar a um preço final muito inferior aos praticados no mercado para os role playing games. O livro tem tiragem de três mil exemplares e metade dela está destinada à distribuição em escolas.
Mas o potencial também existe para, pelo viés transformador da fantasia, rever o lugar do folclore brasileiro na cultura nacional. Para além do nicho às vezes ossificado da literatura infantojuvenil e do paradidático destinado aos indígenas, aos seus mitos e a folclore. Quando comentei isso com SulaMoon, ela afirmou que o universo ficcional realiza justamente um “reframing” desses itens culturais.
À Noite, na Loja Omniverse
Naquele mesmo dia, minha esposa Finisia Fideli e nosso filho Roberto Fideli pegamos o editor Gumercindo Rocha Dorea no seu endereço na Aclimação, seguimos juntos para a Omniverse, ali perto no Cambuci. Agora dirigida por Luis Mauro Gonçalves Batista, a loja estava incluída nas atividades da Virada Nerd oferecendo descontos no seu acervo de livros e revistas em quadrinhos, literatura, RPG e arte. Além disso, exibia o streaming das atividades da Virada em outros pontos do Brasil e do exterior, além de manter suas meses de RPG lotadas.
Gumercindo, que tem 93 anos e ainda está em atividade com parceria entre as suas Edições GRD (que em 2016 fez 60 anos) e a Devir Brasil (que este ano comemora suas três décadas de existência), gosta de se manter atualizado nas áreas de literatura e quadrinhos, sua primeira paixão. Nessa noite, também tive chance de passar a ele exemplar da revista paraibana de cultura Correio das Artes, fundada em João Pessoa em 1949. A edição de novembro, que chegou às minhas mãos pelo correio, envaida por nosso amigo em comum, o Prof. Claudio Brito, trouxe o artigo “Os Moleques de João Pessoa”, originalmente publicado na revista no seu ano de lançamento e recuperado dos arquivos pessoais de Gumercindo. Brito escreveu uma bonita apresentação, com o perfil de Dorea, sugerindo que ele seria o editor mais velho em atividade no país.
Atualmente, a Omniverse deve ser a única livraria de São Paulo com uma prateleira dedicada aos meus livros pela Devir Brasil.
A noite na Omniverse também nos reservou um encontro com Taira Yuji do Estúdio Desire, para o qual tenho prestado serviços de revisão. Passei a Yuji exemplar do RPG de Christopher Kastensmidt, A Bandeira do Elefante e da Arara — que arrancou exclamações de admiração —, e dei um segundo de presente ao Andrew. Na loja, todos conseguimos exemplares da aventura A Lenda da Ave Dourada, escrita por João Beraldo, dentro do universo do RPG. E também os itens distribuídos no Dia do Quadrinho Grátis.
Jogamos alguma conversa fora, mas Finisia, Robertinho, Gumercindo e eu saímos pouco depois das 22h00. Não poderia ter sido um dia mais nerd.
—Roberto Causo
Finisia Fideli e Taira Yuji.
Taira Yuji e Roberto Fideli conversam na loja Omniverse durante a Virada Nerd 2017.
Roberto Causo e Gumercindo Rocha Dorea.
Causo diante da prateleira com os seus livros, na Omniverse.
Gumercindo Rocha Dorea lê sobre si mesmo na revista Correio das Artes.
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