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Primeira publicação do ano: artigo na revista americana Locus

Desde 1987, eu sou o correspondente brasileiro da publicação americana Locus—The Magazine of the Science Fiction and Fantasy Field, uma trade magazine voltada para o campo da ficção científica e fantasia, que traz entrevista, notícias, resenhas, listas de lançamentos e avaliações anuais.

Lamentavelmente, em 2015 eu pouco colaborei com a revista. Por isso fiquei feliz com o fato de minha primeira publicação de 2016, ainda em janeiro, ter saído na Locus: uma reportagem sobre a situação da ficção científica no Brasil, ao longo do ano anterior.

O artigo “International Report from Brazil” saiu na Locus 660, de janeiro de 2016. Menciona a visita do escritor americano Timothy Zahn, autor de séries de space opera militar e de romances originais de Star Wars, na Comic Con Experience do ano anterior — além de lançamentos recentes na área de ficção científica e fantasia, com destaque para autores nacionais como Leo Lopes, Alexey Dodsworth, Henrique Flory e Enéias Tavares. O outro terço da reportagem trata do evento “Encontro Irradiativo”, ocorrido em 7 e 8 de novembro de 2015, na Biblioteca Viriato Corrêa, em São Paulo e que se dedicou a promover a diversidade ética e sexual na literatura especulativa. O evento foi organizado pelos escritores Alliah, Jim Anotsu e Ana Cristina Rodrigues.

A Locus surgiu em 1968, como um fanzine mimeografado de notícias, criado por Charles N. Brown, Ed Meskys e Dave Vanderwerf, mas, pelas mãos de Brown, foi se profissionalizando ao longo dos anos. Ganhou incontáveis prêmios Hugo de Melhor Fanzine e Melhor Semi-Prozini. Brown — que esteve no Brasil em 1991 acompanhado de Frederik Pohl e Elizabeth Anne Hull — faleceu subitamente em 2007. A revista agora é tocada por Liza Groen Trombi. Em 2016, a redação mudou-se de Oakland, Califórnia, para San Leandro, no mesmo estado. Mantém um site muito bem informado: http://www.locusmag.com/

—Roberto Causo

Revista Locus

A Locus de janeiro de 2016

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Traduzindo o Futuro

Roberto de Sousa Causo

 

Arte de capa: Henrique Alvim Corrêa

Uma queixa frequente dos literatos com respeito à ficção científica é a de que histórias ambientadas no futuro, próximo ou distante, não costumam apresentar grande variação linguística em relação às práticas contemporâneas. Isso soa a eles como uma grande incoerência, e algumas exceções são geralmente saudadas — como o romance A Laranja Mecânica (1962), de Anthony Burgess. Mas essa questão para mim sempre foi menor.

Para mim, a imaginação do futuro é mais semelhante a uma tradução. Afinal (e não importando o que digam futuristas como Bruce Sterling e seus colegas cyberpunks), o futuro de, digamos, daqui a cinquenta anos ou além, está provavelmente mais distante para nós do que as outras culturas de língua estrangeira do nosso próprio tempo — e elas são tornadas acessíveis a nós apenas pela tradução.

Esse meu entendimento se tornou mais claro depois da leitura do livro de Jack McDevitt, Seeker (2005), ganhador de um Prêmio Nebula de melhor romance. Nele, a dupla de antiquários-investigadores Alex Benedict e Chase Kolpath procura, dez mil anos no futuro, pistas de uma espaçonave perdida chamada Seeker (“buscador”, em inglês).

Seeker

Arte de capa: John Harris

Esse futuro distante lembra nosso próprio presente no modo como as pessoas se relacionam, falam e se comportam. Mas a certa altura o leitor descobre que o sentido da palavra seeker é desconhecido para elas. Ao que parece, a língua inglesa foi substituída, amalgamou-se ou alterou-se tanto que uma palavra simples como esta já não é mais empregada — embora a cultura desses humanos do futuro soe aos leitores como sendo muito bem ancorada nessa língua. Desse modo, McDevitt parece estar sublinhando a noção de que tudo isso é como uma tradução, na qual o tradutor (autor) se esforça para ajustar todo um contexto ficcional à percepção do leitor do presente. Com um tradutor mesmo, ele apanha palavras, conceitos e situações que são desconhecidas ou estranhas ao leitor, e os transforma em palavras e conceitos conhecidos, trazendo as situações para mais perto do leitor.

Compreendendo isso, nas séries As Lições do Matador e Shiroma, Matadora Ciborgue, tenho tentado compor um continuum coeso, que possa sugerir um futuro com personalidade própria e um palco sólido para os dramas narrados. Uma discreta exploração lexical cabia nesse projeto, e desde o início busquei palavras como “Terrahora”, “Terradia”, “Terrassema”, “Terraquinze” e “Terraano” para designar a contagem de tempo da Terra, aplicada a planetas diferentes da Terra. É comum, nesses casos, que o revisor separe, por exemplo, “Terraano” como “Terra-ano”, e lá vou eu explicar que as regras ortográficas do futuro são um pouco diferentes…

Há alguns neologismos que não soam tão bem aos ouvidos de quem foi criado no interior de São Paulo, como eu: “compinerciais”, uma contração de “compensadores inerciais”, é um exemplo. Mas nem sempre as soluções que a língua adota são aquelas que o poeta recomendaria.

Por outro lado, há um prazer especial em integrar palavras criadas por escritores que vieram antes de mim. É o caso de “terraformização” — cuja forma mais correta talvez fosse “terraformar”, já que o verbo indica dar condições de vida mais próximas à da Terra, a um planeta alienígena — e “ansível”, cunhada por Ursula K. Le Guin para designar um aparelho de comunicação mais rápida que a luz. Orson Scott Card (nos romances da Saga de Ender) e outros escritores que vieram depois dela também passaram a usar esse termo.

É por tudo isso que uma das principais fontes de inspiração para as histórias d’As Lições do Matador e de Shiroma, Matadora Ciborgue, é um livro de não ficção chamado Brave New Words: The Oxford Dictionary of Science Fiction (2007), de Jeff Prucher, um lexicógrafo freelancer que chegou a trabalhar como assistente editorial na Locus—The Magazine of the Science Fiction and Fantasy Field. Seu livro, que conta com introdução de Gene Wolfe, um famoso autor de fantasia científica, é absolutamente fascinante, e eu retorno a ele sempre, mesmo que seja apenas para entrar num estado mental propício à criação de neologismos e aglutinações. (Outra coisa especialmente agradável a respeito desse livro é o resgate de uma ilustração de Henrique Alvim-Corrêa, o primeiro ilustrador brasileiro de ficção científica, usada na capa. Essa arte apareceu originalmente em uma edição de 1906 de A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells.)

Alguns dos termos que uso nas duas séries são traduções bem literais de expressões consagradas pela ficção científica de aventura espacial, como “detonador” como tradução de “blaster“, definido por Prucher como “uma arma que dispara um jato de energia destrutiva”. A arma de Han Solo em Guerra nas Estrelas é um blaster (“Hokey religions and ancient weapons are no match for a good blaster at your side, kid“, Han proclama no primeiro filme.) Sua primeira ocorrência na FC, segundo o pesquisador, é de 1925, bem antes do conceito do laser se tornar de uso comum. Outro exemplo é “foramundo”, de “offworlder“, “alguém [ou algo] de um outro planeta”. Este segundo exemplo é de 1957.

Consultar Brave New World é participar de um diálogo que às vezes remonta às origens da ficção científica no século 19. Muitas das palavras incluídas no livro entraram na cultura geral — como “robô” e “ciberespaço” —, mas elas têm sempre esse poder de evocar a longa discussão que é a ficção científica como gênero literário.

Nesse sentido, os neologismos comuns às minhas duas séries de space opera (um termo de 1941) não só ajudam a dar coesão e coerência a esse universo ficcional ou, em alguns casos, sugerem uma modernização do dialeto próprio da FC brasuca, mas permitem um olhar para o passado e para a tradição internacional do gênero, ao longo das décadas. Isso mais ou menos representa algumas das minhas intenções com as duas séries — criar um universo coerente, modernizar ou atualizar certos aspectos da FC brasileira, e participar de uma discussão literária muito antiga mas que, por aqui, está apenas começando.

—Roberto Causo

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