Não lembro exatamente quando conheci o escritor curitibano de ficção científica Mustafá ibn Ali Kanso (1960-2017), provavelmente em algum Fantasticon. Já sabia que ele fazia parte do círculo de escritores que o pioneiro André Carneiro (1922-2014) reuniu em Curitiba, depois que se mudou para lá para viver com um dos seus filhos.
Mustafá nasceu em dezembro de 1960 na capital paranaense, e entrou no campo em meados da primeira década deste século, quando conheceu André Carneiro. Engenheiro químico por formação e professor universitário, acabou se tornando um nome central no grupo literário liderado por Carneiro, a Confraria Literária. “Por incentivo do próprio André Carneiro me inscrevi em um concurso nacional de contos e ganhei, nessa mesma edição, o primeiro e o sexto lugar”, escreveu. “A partir daí comecei a receber convites de editoras para participar de antologias e para escrever em portais.” O concurso em questão foi o da revista semiprofissional Scarium MegaZine, onde ele publicou suas primeiras histórias, nos instantes iniciais da Terceira Onda da Ficção Científica Brasileira. Após a morte de Carneiro em 2014, Mustafá assumiu a direção da Oficina Literária André Carneiro.
Mais tarde, Mustafá apareceu no Projeto Portal, de Nelson de Oliveira — uma sequência de seis revistas de FC, fantasia e mainstream literário, cada uma com um título diferente. Inclusive, Mustafá veio a um encontro na Biblioteca Viriato Corrêa, em São Paulo, de celebração do Projeto Portal. Ele e eu também aparecemos na antologia Futuro Presente (2009), organizada pelo mesmo Nelson de Oliveira. Eu o inclui na minha antologia organizada para a Terracota Editora, Contos Imediatos (2009). E em 2013, encontrei-me com ele na Odisseia de Literatura Fantástica, em Porto Alegre.
Mustafá ainda apareceria em Proibido Ler de Gravata (2010), a primeira antologia da Confraria, editada por Carneiro, e nas antologias Sagas Volume 4: Odisseia Espacial (2012); Estranhas Histórias de Seres Normais (2015); e Possessão Alienígena (2017), esta última editada por Ademir Pascale. A sua primeira coletânea de histórias, A Cor da Tempestade, apareceu em 2011. Sua primeira peça teatral, A Nau dos Insensatos, foi encenada em 2015 em Curitiba.
Eu me lembro que alguns dos contos de Mustafá me impressionaram a ponto de eu procurar na internet o programa de TV sobre educação e ciência que ele apresentava com um time de outras personalidades de Curitiba. Fiquei igualmente impressionado com sua verve e paixão pela divulgação científica.
A morte súbita de Mustafá em 26 de julho, de um ataque cardíaco em Curitiba, chocou o fandom de ficção científica, especialmente entre aqueles que o conheceram. Mustafá ibn Ali Kanso era um homem gentil e charmoso, que acreditava no poder da educação e tinha uma abordagem humanista e literária, para a sua ficção científica — embora nos últimos anos ele viesse a se apresentar como autor de realismo mágico. O Mesmo Sol que Rompe os Céus (2016), seu primeiro romance, é apresentado como parte dessa tendência. Ele também cultivava uma atitude gregária e moderada, algo meio raro no contexto social da Terceira Onda. Deixa a esposa Katia Souza, e muitas saudades entre seus colegas de letras.
—Roberto Causo