Outra Dimensão

Leituras de fevereiro de 2017

A ficção científica, o zen budismo e a ideia de transcendência deram a tônica das leituras de fevereiro, mesmo sem retiro de Carnaval. Confira as minhas anotações.

 

The Art of Japanese Architecture, de David & Michiko Young. Tóquio: Tuttle Publishing, 2007, 176 páginas. Brochura. Taira Yuji, o brilhante líder da empreitada multimídia do Desire® Universe, talvez o mais interessante projeto da FC e fantasia nacional em curso, me contratou para escrever Archin, o primeiro livro da franquia. E me inundou com livros sobre cultura japonesa, já que a maior parte do romance se passa no Japão do século 13. Este The Art of Japanese Architecture, do casal Young, foi o primeiro do lote que completei neste ano.

Trata-se de um livro de arte, em formato grande, muito bem estruturado e extremamente bem ilustrado com fotos, gráficos e concepções artísticas. Realmente informativo, vai da pré-história ao presente do Japão — de cabanas erguidas em cima de uma depressão cavada no solo, a projetos pós-modernistas de arranha-céus futuristas. Comentários sobre a evolução da sociedade, da religião budista e a sua história são habilmente associados a cada prática ou estilo de construção ou ornamento. Longe de ser um Casa Grande e Senzala, mas é impossível não sentir que mergulhamos em uma outra cultura, quando a imaginação nos leva a entrar nas casas das pessoas, e entendemos um pouco melhor o seu modo de vida. A Tuttle se especializa em cultura japonesa, e o seu fundador, Charles Egbert Tuttle, Jr., foi instrumental no renascimento da indústria editorial do Japão durante a ocupação americana. E por tabela, fundamental para a difusão da ficção científica americana naquele país (principalmente pela editora Hayakawa).

 

Arte de capa de Frank Frazetta.

Downward to the Earth, de Robert Silverberg. Garden City, NY: Nelson Doubleday, 1970, 180 páginas. Capa de Frank Frazetta. Capadura. Silverberg é um dos grandes nomes da ficção científica de todos os tempos. Downward to the Earth nunca foi publicado no Brasil, e sua leitura é uma indicação de Marcello Simão Branco, autor de Os Mundos Abertos de Robert Silverberg (2004). Trata-se de um romance planetário escrito no modo New Wave próprio daquela década. Um fato curioso é que Silverberg não veio ao Brasil para o Simpósio de FC de 1969 justamente por estar na África pesquisando para este romance, primeiro serializado em 1969 na revista Galaxy. É inspirado no clássico de Joseph Conrad, Coração das Trevas (1899), que influenciou obras de J. G. Ballard como The Drowned World (1963) e “A Question of Re-entry” (1963) — esta, ambientada no Brasil —, e até a minha O Par: Uma Novela Amazônica (2008). Silverberg chega a apresentar um personagem chamado Kurtz (o famoso vilão da novela de Conrad).

Em Downward to the Earth, o antigo administrador do planeta colonial Mundo de Holman — rebatizado de Belzagor, agora que foi retornado aos seus habitantes, duas espécies inteligentes, os nildoror (parecidos com elefantes) e os sulidoror (semelhantes a gorilas) — retorna para expiar violências morais e físicas que infligiu a esses alienígenas. O principal produto do planeta é o veneno de vermes gigantes. Ele provoca nos humanos o crescimento acelerado de membros perdidos. No passado, o protagonista, instado por Kurtz, provara o veneno, resultando num momento de consciência trocada com os nildoror. Em sua jornada de expiação, reencontra antigos amigos (inclusive uma sensual mas distante ex-namorada), e participa da cerimônia central tanto dos nildoror quanto dos sulidoror. Ele experimenta agora um transformador vislumbre da totalidade transcendente. Há pontos de contato entre este romance e a FC New Wave inglesa de J. G. Ballard e Brian W. Aldiss. Mas o livro também se apoia na estratégia central da New Wave americana: a concretização do mito — ou, no caso deste admirável livro de Silverberg, do ritual.

 

O Zen e a Experiência Mística (This Is It), de Alan W. Watts. São Paulo: Editora Cultrix, s.d. [1960], 150 páginas. Tradução de José Roberto Whitacker Penteado. Brochura. O terceiro romance da minha série As Lições do Matador, Anjos do Abismo, vai tocar na questão da religião organizada. Além disso, a religião e o místico farão parte de Archin, o primeiro romance do Desire® Universe. Seu criador, Daniel Abrahão me forneceu livros sobre o budismo no Japão. Mas minha esposa Finisia Fideli tem uma bela prateleira de obras sobre zen budismo, que, inclusive, eu já tinha visitado antes. Este livro de Alan Watts é uma coletânea de ensaios sobre a experiência mística zen: o insight da totalidade ou da ordem profunda da vida. O processo em que a “compreensão de que tudo é tão errado quanto pode ser se transforma na compreensão de que tudo é tão certo quanto pode ser”, Watts escreveu (explorei noção semelhante em meu conto de horror “Trem de Consequências”, de 1999).

O ensaio intitulado “O Zen Beat, ou da Contestação, o Zen Square, ou Tradicional, e o Zen” é particularmente interessante. Faz crítica da apropriação de conceitos budistas pelos beats ou beatniks, o movimento de Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs. Como a literatura beat (especialmente a de Burroughs) influenciou pesadamente a FC da New Wave e do cyberpunk, existe aí um ponto de contato com minhas pesquisas desses movimentos dentro da ficção científica. Já o ensaio “O Zen e o Problema do Controle” me plantou a ideia de uma identidade entre o budismo e o transcendentalismo de Ralph Waldo Emerson, especialmente no conceito da “autoconfiança” (self-reliance) — que tem tido muita importância na minha escrita. E buscando, encontrei na internet evidências de que Emerson de fato teve contato com o budismo, lá na primeira metade do século 19 — espantoso! O Zen e a Experiência Mística tem um tratamento editorial básico, e a tradução de Whitacker Penteado derrapa aqui e ali, mas o livro me trouxe uma leitura frutífera.

 

Arte de capa de David Mattingly.

The Armageddon Inheritance, de David Weber. Nova York: Baen Books, 4.ª edição, 2000 [1993], 344 páginas. Capa de David Mattingly. Paperback. Weber é famoso pela série de space opera militar Honor Harrington, iniciada em 1993. Lançado no mesmo ano, este é o segundo volume da trilogia de space opera Dahak. A capa do experiente David Mattingly é na técnica de acrílica, e anterior à sua transição para a arte digital. Apareceu no prestigioso catálogo Spectrum 2 (1995). A hemorragia cósmica que ela representa já diz tudo.

No primeiro livro, o herói da trilogia, um astronauta americano, descobre no lado escuro da Lua que nosso satélite natural é uma espaçonave gigante de um império galáctico em crise. Ele é adotado por ela como herdeiro da sua tecnologia, e acaba se casando com uma alienígena descendente da primeira tripulação. No segundo, a Terra é unida para enfrentar a ameaça de alienígenas guerreiros chamados achuultani, comandados por um supercomputador e “programados” para tripular monstruosas esquadras de naves voltadas para um único propósito: o extermínio preventivo de qualquer outra espécie dotada de navegação espacial. Parece que Weber, na sua trilogia, compactou os dois primeiros ciclos da série alemã Perry Rhodan — hipótese que outros também apontaram na internet. Como em Perry Rhodan (iniciada em 1961), a ação deste romance de Weber é repleta de batalhas espaciais, lances dramáticos em rápida sucessão, e ideias fabulosas. The Armageddon Inheritance habita exclusivamente o espaço da hipérbole: naves do tamanho de planetoides, tripulações de dezenas e centenas de milhares, armas destruidoras de planetas, uma epidemia transplanetária capaz de extinguir todo um império galáctico, combates que acontecem no espaço normal e no hiperespaço ao mesmo tempo, uma inteligência artificial com alma, escudos de energia envolvendo um planeta inteiro, batalhas com milhões de vasos de guerra, e a Terra atingida por armas que a lançam numa pequena era glacial. Raramente a história acelerada e incansável mergulha na consciência dos personagens, e mesmo o herói mal arranha a superfície. A narrativa acaba assemelhando-se a um romanceiro medieval — poema narrativo que salta de situação em situação, com enredo frouxo e dentro de uma verve repetida por poemas anteriores, destituído das qualidades usuais do romance moderno (caracterização redonda, cenas bem construídas e alternância de formatos, cadências e tons numa mesma narrativa). Nesse sentido, expressa aquela “poesia pulp” atribuída pelo crítico Phil Hardy à série Perry Rhodan — um vertiginoso uso de imagens e sentidos que apenas a space opera é capaz de produzir.

 

REQU13M, de Lidia Zuin. São Paulo: Editora Nova Abordagem, dezembro de 2016, 272 páginas. Ilustrações internas de Davi Augusto e Pe Oliveira. Posfácio de Roberto de Sousa Causo. Apêndices. Brochura. Agora em fevereiro chegou o meu exemplar do primeiro livro de papel da escritora da Terceira Onda da Ficção Científica Brasileira, Lidia Zuin. Graças à indicação de Carlos Angelo, e à boa vontade do editor Nestor Turano Jr., tive a chance de escrever o posfácio do livro. Ele narra as aventuras da hacker Lynx (a primeira heroína de uma série cyberpunk brasuca?), que já circulava por aí em antologias e e-books pela Editora Draco. Quando o li para escrever o posfácio, ele não tinha nem as ilustrações internas, nem os apêndices — dois textos acadêmicos não creditados, mas de autoria da própria Zuin, que é Mestre em Semiótica. (Um deles está em inglês no site Neon Dystopia.) A rica edição é do pessoal do curso de Produção Editorial da Universidade Anhembi Morumbi.

REQU13M, que pode ser lido como um romance, é uma aventura movimentada. Tem correrias e tiroteios, escapadas de última hora e encontros com tipos estranhos e tecnologias bizarras, que causam estragos no nível das ruas da cidade indefinida que a heroína percorre. Dentre essas tecnologias, o upload da mente humana na rede. Mas o livro não prescinde de um lado filosófico e intelectualizado, que discute real e virtual, mundano e transcendente. Nesse sentido, os dois ensaios mencionados acima lançam luz sobre o projeto literário da autora — sem dúvida, um diferencial, dentro da recente produção brasileira de ficção científica cyberpunk.

 

Night Passage, de Robert B. Parker. Nova York: G. P. Putnam’s Sons, 1997, 322 páginas. Capadura. Sou fã de Parker, um escritor de ficção de crime e de western, um dos poucos herdeiros, de fato, do mestre Raymond Chandler. Na ficção de crime, Parker (1932-2010) desenvolveu três séries — a do detetive particular Spenser, a do chefe de polícia Jesse Stone, e a da detetive Sunny Randall. Spenser foi a série que mais acompanhei, mas eu já tinha lido o terceiro romance das histórias de Jesse Stone, Stone Cold (2003). Meu interesse pelas aventuras de Stone foi renovado pela ótima série de longas produzidos e estrelados por Tom Selleck, exibida no Brasil em vários canais a cabo.

Night Passage apresenta o personagem, bem mais jovem que a versão de Selleck. É um ex-policial de Los Angeles que mergulhou no álcool para lidar com as traições conjugais da esposa atriz, e acabou exonerado. É contratado para assumir a força policial de Paradise, em Massachussetts, do outro lado do país. Parker sempre escreve sobre essa região. O próprio Spenser é baseado em Boston, a capital. Enquanto se reequilibra, Stone arruma uma namorada e muitos inimigos. Por toda volta, encontra casos de traição extraconjugal. Paradise é uma espécie de subúrbio de classe alta, branco e quase que exclusivamente WASP. A intriga, envolvendo uma milícia armada de supremacistas brancos (ausentes da adaptação para a TV), comandada por um frustrado banqueiro, mostra que Paradise não é assim por acaso. Parker era fissurado em psicanálise, e às vezes isso aparecia de modo exagerado ou repetitivo, nos seus livros. O seu Stone é um homem duro, independente e estoico. Bem na tradição da self-reliance de Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau, que lançaram o seu movimento transcendentalista lá mesmo na Nova Inglaterra. Embora mais complicado do que Spenser, Stone é, assim como o detetive particular de Boston, uma ilha de maturidade num mundo que parece cada vez mais infantilizado. Nesse sentido, Parker lida com o tema da milícia americana armada como uma fantasia infantilizada de compensação. Assim com os argumentos racialistas e contrários à globalização, que viriam a contribuir para a eleição de Donald Trump, tanto tempo depois do lançamento deste romance.

 

Arte de capa de Tom Adams.

Journeys of the Mind, de Alan Pemberton. Limpsfield: Paper Tiger, 1983, 144 páginas. Capa de Tom Adams. Ilustrações internas de Adams, Graham Humphries e Bill Donohue. Brochura. Quando eu era adolescente, na primeira metade da década de 1980, os livros de arte de ficção científica e fantasia da Paper Tiger circulavam timidamente no Brasil. A minha coleção dos seus livros foi adquirida em sebos e nos saldões da loja Terramédia, em São Paulo. Mas eu não sabia que a Paper Tiger tinha publicado livros ilustrados, até comprar esta coletânea de contos de horror em um desses saldões, ano passado.

A edição de Journeys of the Mind nada traz sobre Alan Pemberton, o autor das histórias, e não achei nada sobre ele rede. É um autor competente na ficção de horror (embora a primeira história do livro seja de ficção científica), e sua coletânea traz doze contos. A maioria deles é ambientada na Inglaterra, mas alguns se passam em outras terras (Malásia, África do Sul, Suécia, e uma plataforma petrolífera talvez instalada no Mar do Norte) e envolvem outras culturas. Tendem a ser curtos — calibrados para amparar três ilustrações por conto, uma delas sempre em página dupla e a maioria de colorido total. O fato de serem curtos implica um desenvolvimento mais superficial e, às vezes, um desenrolar meio truncado. Mas todos prendem a atenção, e a exuberância e riqueza das ilustrações compensa (especialmente as de Adams). Os temas comuns a todos são a morte e a mensagem vinda do além, com um lado moralizante que condena a arrogância e a frieza das classes altas. A história que dá título fala de um homem que perde a namorada num acidente, cai em depressão e, durante uma sessão de eletrochoque, tem uma experiência extracorpórea que se desdobra em outras. Sua conclusão dá o tom do livro — a morte oscilando entre o horror e a transcendência.

—Roberto Causo

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Leituras de janeiro de 2017

Janeiro foi um mês de muitas leituras interessantes e variadas para mim. Partilho algumas anotações sobre os livros cuja leitura completei no primeiro mês de 2017.

 

Trópicos Utópicos, de Eduardo Giannetti. São Paulo: Companhia das Letras, 1.ª edição, 2016, 210 páginas. Capa dura. O economista e intelectual Eduardo Giannetti deu uma entrevista para a jornalista Miriam Leitão na GloboNews mencionando este livro, que procurei imediatamente por tratar daquilo que o autor chama de “utopia brasileira”. Me pareceu tocar o meu conceito de “sonho brasileiro”, que explorei pontualmente em vários textos diferentes — a noção de que se pode vir de qualquer parte do mundo e encontrar aqui uma vida simples e descomplicada, em contato com a natureza e sem divisões étnicas, religiosas e ideológicas marcantes. Tem, é claro, o sonho americano como contraponto, e Giannetti também explora a versão ianque (que se pode vir aos EUA vindo de qualquer parte do mundo e encontrar lá a fama e a fortuna) como contraponto da sua utopia brasileira.

Giannetti é muito lúcido e erudito ao discutir as mazelas modernas, sem cair na visão “apocalíptica” do modernismo/pós-modernismo. Mas concentra sua discussão da utopia brasileira nas páginas finais, apelando para os “suspeitos usuais” (Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro) e concluindo com aquilo que é basicamente um apelo, sem fundamentá-lo nem dar pistas de como chegar a essa utopia. Eu concordo plenamente, mas gostaria de mais força no argumento. Fisicamente é um livro simpático, mas com um formato de texto incomum, não necessariamente positivo — são micro-capítulos, vários por página ou um em uma ou duas páginas, que se comunicam mais por subordinação do que por coordenação.

 

Teoria do Drone (Théorie du drone), de Grégoire Chamayou. São Paulo: Cosac Naify, 2015 [2013], 288 páginas. Tradução de Célia Euvaldo. Brochura. Uma das questões políticas, militares e tecnológicas mais graves da atualidade é o emprego de veículos aéreos não tripulados em ataques contra “alvos assimétricos”, principalmente na assim chamada “guerra contra o terror”. Minha própria série As Lições do Matador trata de tema próximo, uma vez que as naves robôs dos alienígenas tadais são a principal oposição aos assuntos humanos na galáxia. Este ensaio teórico sobre a drone warfare americana, escrito pelo filósofo francês Grégoire Chamayou, um especialista em história das ciências, é o melhor texto sobre o assunto que encontrei até o momento.

Chamayou resgata informações, cita especialistas e teoriza sobre a guerra aérea e a contrainsurgência pelo ar — as práticas que antecedem o surgimento do drone de ataque. Trata dos princípios teóricos do sujeito como objeto legítimo de caça, num contexto em que divisões entre combatentes e não combatentes, países oficialmente em guerra e espaços nacionais delimitados por fronteiras tornam-se indistintos. O corpo humano individual (muitas vezes, combatentes apenas “presumidos”) torna-se o alvo das hostilidades. Ele opõe aos VANTs o conceito do kamikase, citando, de um lado, a distância quase absoluta do videogame, e de outro, o “engajamento integral” representado pelo sacrifício do piloto suicida. Na seção “Necroética”, desmascara os argumentos humanitários no uso do drone de ataque, e a seguir mostra o quanto ele se afasta dos princípios consagrados da filosofia do direito de matar em combate. O resultado é a guerra facilitada, trivial, inquestionável. Nesse sentido, expõe como a distância física entre aparelho e piloto projeta-se como uma distância intelectual e discursiva na qual o pacifismo e o questionamento das decisões militares e jurídicas dos governos democráticos tornam-se mais difíceis de terem efeito. Chamayou não deixa de lado as discussões atuais sobre o drone autônomo, robô de fato, que decidirá por meio de um algoritmo, como e quando alguém deve ser morto — nem esconde a sua indignação com o uso atual dessas armas. Drones têm aparecido em vários filmes de FC e de super-heróis, além dos noticiários, e este é o livro para se entender a sua problemática.

 

Arte de capa de Neil Roberts.

The Recollection, de Gareth L. Powell. Osney Mead: Solaris, 2011, 366 páginas. Capa de Neil Roberts. Paperback. Este é um romance de space opera e viagem no tempo, com boas ideias e estrutura interessante: na Terra dos dias de hoje, portais passam a se abrir aleatoriamente, e o irmão de um dos protagonistas é tragado por um deles. Cada portal leva a um planeta diferente, mas mantendo a velocidade da luz como barreira final no universo. Desse modo, viaja-se também para o futuro. O herói e a mulher de seu irmão encontram outro portal em uma fazenda e se organizam para entrar nele em busca do desaparecido. Trata-se de um triângulo amoroso, porém, e isso traz alguma tensão psicológica ao tema aventuresco. Ao mesmo tempo, no futuro distante, desenvolve-se uma trama paralela em que uma mercadora espacial, um pesquisador erudito, e estranhos alienígenas orbitam a tal da Recollection (“lembrança”), uma arma do juízo final deixada à solta na galáxia para ameaçar todas as formas de vida — como o Enxame do videogame Halo.

O que a Recollection parece fazer é agressivamente incorporar tudo a um único banco de dados e inteligência artificial, desfazendo estruturas em componentes informacionais e transformando pessoas em zumbis. Mas os antigos também deixaram armas secretas para serem usadas pela comunidade espacial do futuro. Lá na frente, as duas linhas narrativas se juntam e se completam, num conceito que recicla traços da new space opera. Sem aprofundar a maioria das situações, o romance mesmo assim funciona, firmando uma imagem de certa força. Um livro do qual gostei, sem saber exatamente por quê.

 

Halo: Coleção Poster de Luxo, Anônimo, ed. São Paulo: Editora Europa/Insight Editions, 2014, 40 páginas. Eu não jogo videogames, mas gosto de arte de ficção científica e essa indústria tem concentrado um número enorme de talentos. Para me inspirar na escrita das histórias das séries As Lições do Matador e Shiroma, Matadora Ciborgue, muitas vezes eu me volto para artes produzidas para videogames — especialmente aqueles de space opera militar como Halo e Mass Effect, e até li alguns tie-ins, romances baseados neles (como a Trilogia Forerunners, do premiado Greg Bear).

Este é um livro de arte sem texto, concebido como um conjunto de 40 posters que você pode destacar e usar como quiser, mas com imagens ocupando as duas páginas de uma mesma folha, o que dificulta as coisas (dura escolha). As ilustrações não são creditadas, infelizmente. Dá pra reconhecer algumas artes do francês Sparth (Nicolas Bouvier), visto no Brasil nas capas da trilogia de Bear, e na capa de Guerra do Velho, de John Scalzi, space opera militar publicada aqui pela Editora Aleph. A maioria é de artes digitais do tipo “épica”, dinâmica ou arte conceitual de interiores, paisagens e estruturas. Há também artes comemorativas de aniversários ou edições especiais do game. Em geral, são bonitas e atraentes, com sugestões de efeitos 3D e de luzes e sombras esmaecidas ou sobrepostas como se tem visto na arte digital de hoje. Para quem acompanha o jogo, as imagens vão até o Halo 4.

 

Arte de capa de Stephan Martiniere.

The Three-Body Problem, de Cixin Liu. New York: Tor Books, 2014 [2006], 400 páginas. Capa de Stephan Martiniere. Traduzido para o inglês por Ken Liu. Capa dura. A publicação de ficção científica no Brasil tornou-se tão dinâmica nos últimos dois anos, que permitiu o aparecimento deste romance chinês de FC hard — publicado aqui como O Problema dos Três Corpos, pela Suma de Letras. Eu li a edição americana, com essa bela capa do premiado artista digital Stephan Martiniere.

O livro, que foi um best-seller na China e sucesso nos Estados Unidos, traz muitos aspectos extremamente intrigantes, e grande complexidade de situações. Melancólico, envolve o desencanto chinês com a terrível Revolução Cultural de Mao Tsé-tung na década de 1960, combinada com a atual situação ambiental desesperadora do planeta. Os aspectos culturais e históricos chineses são fascinantes. Mas este é um romance de primeiro contato com alienígenas, realizado por um grupo de pessoas da Terra que se colocam a serviço e uma civilização de Alfa Centauri, que, eles supõem, irá resolver os graves problemas que nos atingem. Para isso, um videogame tipo Second Life é usado para recrutar gente de alto nível para o movimento. É um emprego criativo daquilo que no Brasil chamamos de “cultos ufológicos”, muito vistos num tipo de FC brasileira incidental e proselitista. No livro, é um recurso fascinante, que foi me conquistando aos poucos pelo atrito entre uma sensibilidade chinesa com a ocidental. A prosa do romance de Cixin Liu, porém, combina o uso constante de frases afirmativas e perguntas retóricas, com um poucos momentos de mergulho na consciência dos personagens ou de descrição poética. Às vezes, traz resoluções ligeiras e passa um ar juvenil.

 

Arte de capa de Howard Chaykin.

The Descent of Anansi, de Larry Niven & Steven Barnes. New York: Tor Books, 1.ª edição, setembro de 1982, 278 páginas. Capa de Howard Chaykin. Paperback. A década de 1980 foi um período formativo importante para mim como leitor de ficção científica. Quando vi este romance de FC hard de 1982, que menciona o Brasil e tem capa do quadrinista Howard Chaykin, coloquei-o no começo da fila. Ele se passa num futuro próximo em que uma estação espacial privada, a Falling Angels, é criada conectando tanques de combustível externo do space shuttle rebocados para perto da Lua por motores iônicos. O tema da empresa espacial privada é um traço libertariano muito comum na FC americana, herdada de Robert A. Heinlein. Niven é um monstro sagrado da FC hard, e Barnes é um dos poucos afro-americanos militando na área. Talvez daí o herói do romance ser um esquimó com traços afro-americanos…

A NASA rompeu com a Falling Angels, que fabrica materiais em microgravidade. Seu carro-chefe é um cabo ultra-fino e ultra-resistente, disputado por uma empresa brasileira e outra japonesa. A japonesa faz uma oferta melhor, e a brasileira articula um plano mirabolante — envolvendo terroristas árabes, um ataque de míssil orbital e um falso resgate usando shuttles brasucas comprados da NASA — para se apossar do carregamento de cabos. Ela conta com o fato do pessoal da estação estar desprotegido legalmente. O romance é uma problem story em que a tripulação que foi entregar o cabo tem que descobrir como baixar o seu shuttle danificado para atmosfera da Terra. O maior atrativo é a ação orbital, com direito a mercenários brasucas fazendo uma abordagem de nave a nave, via atividade extra-veicular. A caracterização e o desenvolvimento são um pouco superficiais, mas eficientes. O Brasil do futuro apresentado no livro extrapola o da época, recém-saído do “milagre econômico” mas autoritário e corrupto (o país ainda vivia a ditadura militar), vendendo armas e serviços de construção (e até material físsil clandestino, dizem) a países como Líbia e Iraque. A FC brasileira daquele período (a Onda de Utopias e Distopias) também enfocou esse Brasil próximo dos militares — como A Invasão (1979), de José Antonio Severo, e A Ordem do Dia (1983), de Márcio Souza — ou de empresas corruptoras — como a novela pop Miss Ferrovia 1999 (1982), de Dolabella Chagas (empreiteiras, no caso).

 

Arte de capa de Jean Philippe.

Na Eternidade Sempre é Domingo, de Santiago Santos. Cuiabá, MT: Carlini & Caniato Editorial, 2016, 140 páginas. Capa de Jean Philippe. Brochura. O Universo GalAxis trata de um futuro em que a América Latina está fundida em um bloco político coeso (um sonho utópico de muita gente) que se lança ao espaço. O livro de estreia de Santiago Santos é um projeto literário dos mais interessantes, que oferece um mergulho na cultura andina: o autor fez viagem tipo mochileiro até a Bolívia, passeando pela antiga paisagem inca acompanhado de um misterioso guia que conta histórias de então, afirmando a sua validade — especialmente em termos de tipos humanos — no presente.

Cada conto é precedido e inspirado por uma foto feita pelo próprio autor. A dinâmica entre o narrador e o seu guia projeta uma argumentação metaficcional que talvez domine mais esta coletânea de contos, do que a evocação de um passado e uma cultura outra, que trans-secciona a cultura ocidental imposta ao continente americano. Para isso, o livro teria que mergulhar mais fundo na fantasia e na consciência do narrador, explorando com maior intensidade o choque cultural e seus atritos. A opção pelo tom leve da crônica é sempre problemática para mim, pois acho que muitas vezes ele invade os campos do conto e do romance, nem sempre com um resultado positivo. Mas o livro conseguiu me prender e me deixar intrigado com essas possibilidades, e já emprestei alguns detalhes culturais incas para colorir um romance futuro das Lições do Matador, Anjos do Abismo.

—Roberto Causo

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Revista “Wired” publica especial de ficção científica

A edição de janeiro de 2017 da Wired, a revista número 1 do mundo em TI, é a sua primeira edição especial de ficção científica. Também nas bancas, brasileiro Mike Deodato Jr. ilustra quadrinhos de Star Wars.

 

Arte de capa: Christoph Niemann

Scott Dadich, o editor-chefe da Wired, comenta no editorial que “uma das funções mais importantes da publicação é enxergar as grandes tendências, notar importantes modelos de negócio e fazer a crônica de marcos de inovação”. Mas isso tem se tornado difícil em razão da velocidade das transformações em um “momento agressivamente agitado”.

A revista então voltou-se para um número de escritores de ficção científica, buscando insights sobre os resultados futuros de transformações que eles mal conseguem divisar atualmente. Escritores foram contactados, e a revista pediu que extrapolassem a partir de uma “inovação ou mudança plausível”, buscando um instantâneo do futuro próximo.

Os escritores que aparecem na edição especial são Matt Gallagher, John Rogers, Charlie Jane Anders, Etgar Keret, Charles Yu, N. K. Jemisin, Malka Older, Jay Ruben Dayrit, Glen David Gold, Kevin Tong e James S. A. Corey — este, o autor dos livros que deram origem à série da Netflix, The Expanse.

Cada uma das onze histórias é ilustrada, e entre os ilustradores está Josan Gonzales, que produziu a arte de capa da nova edição do romance clássico da FC cyberpunk Neuromancer, de William Gibson, pela Editora Aleph. Na revista, Gonzales ilustra a história de Anders, “Stochastic Fancy”.

A Wired costuma chegar às bancas e revistarias das grandes cidades brasileiras, e o meu exemplar eu adquiri na banca aqui perto de casa. O leitor também a encontra disponível online. A página  dá acesso a quatro outras histórias, oferecidas pela revista como um “bonus”.

A iniciativa reforça o papel de batedora, que tem a ficção científica extrapolativa, e é mais uma instância de revistas de divulgação de ciência e tecnologia — e até de publicações acadêmicas — que recorrem ao gênero para estimular seus leitores a pensarem nos desenvolvimentos futuros na área da tecnologia. Outros exemplos são a revista Popular Science, e o MIT Technology Review, que publicou nos últimos anos três antologias da série Twelve Tomorrows, editadas por Bruce Sterling.

A moda devia pegar no Brasil, que precisa difundir visões científicas e tecnológicas instigantes, que vão além do consumo de smartphones e aplicativos.

–Roberto Causo

 

A revista Popular Science N.º 283 trouxe uma seção de textos de autores de FC, lindamente ilustrada

Arte de Virgil Finlay

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais, nas Bancas

 

Arte de Salvador Larroca & Edgar Delgado

A outra novidade de janeiro nas bancas está na nova fase das revistas de quadrinhos Darth VaderStar Wars, da Panini Comics, marcada pelos desenhos do artista brasileiro Mike Deodato Jr. A mudança aconteceu a partir do N.º 012 da revista Darth Vader, e Deodato ilustra o roteiro de Jason Aaron (que partilha o argumento da história com Kieron Gillen). A capa é da dupla Salvador Larroca & Edgar Delgado.

A história escrita por Aaron se chama “A Queda de Vader” e é apresentada como Livro III, Parte I do ciclo de histórias sendo desenvolvido na revista. É tudo meio maluco porque as partes se alternam com outra revista, a Star Wars N.º 012, e seguem assim, em tanden. A capa dessa edição de Star Wars, com arte de Mark Brooks, acabou sendo uma bonita homenagem à atriz Carrie Fisher, que faleceu no finalzinho de 2016. Ela foi, é claro, a Princesa Leia nos filmes da franquia.

A arte de Mike Deodato, um dos astros internacionais da Marvel (a empresa que publica os quadrinhos de Star Wars nos Estados Unidos), é fina e detalhada — o que é uma absoluta necessidade, quando se trabalha com Star Wars, com tantas fisionomias, naves armas e paisagens conhecidas dos fãs. Deodato sempre teve algo de fotográfico nas fisionomias, luz e sombra e até nas poses dos personagens, reminiscente do trabalho de Al Williamson. Por conta disso, aqui a história está mais realista do que a média, em se tratando de Star Wars em quadrinhos. Essa qualidade é reforçada ainda mais pela cor digital de Frank Martin Jr. O resultado é deslumbrante, um colírio para os olhos.

 

Abrindo Caminho no Muque

Arte de Mark Brooks

Quando eu era adolescente, na década de 1980, e comprava avidamente fanzines de quadrinhos, o paraibano Mike Deodato já era um desenhista muito ativo na área, assinando obras como o deslumbrante álbum 3000 Anos Depois (republicado em 2015 pela Opera Graphica), como Deodato Borges.

O status de Mike Deodato hoje como desenhista internacional, nome de peso na indústria dos quadrinhos de super-heróis, é imenso. Tem livros dedicados à sua arte, como Mike Deodato Jr. Sketchbook e The Marvel Art of Mike Deodado Jr. No Brasil, em 2016 a Zupi N.º 49 dedicou sua capa a ele. Uma longa entrevista com o artista, no seu interior, foi o destaque dessa edição da revista sobre design, ilustração e arte digital.

 

Artistas Conhecidos, na ImagineFX de Janeiro

Embora seja bem cara, a revista inglesa ImagineFX chega regularmente a algumas bancas brasileiras. Eu às vezes arrisco adquirir um exemplar, como o N.º 143, edição de janeiro de 2017. A revista, que se apresenta como a N.º 1 entre os artistas digitais, tem sempre um núcleo temático. Neste caso, a ilustração de livros.

Arte de Mike Deodato

Entre os destaques estão uma olhada no estúdio do artista Tony DiTerlizzi, num texto de duas páginas escrito por ele, e dicas de composição dadas por Jon Foster — um capista de quadrinhos e livros que costuma criar composições incomuns, com movimentos e borrões que são sua marca registrada e que rompem com o realismo subjacente a essas ilustrações. Foster consegue dar um ar muito moderno a uma base que se ancora na ilustração tradicional americana. Um mestre que costuma visitar as páginas do catálogo número 1 da área da FC e fantasia, Spectrum.

O mais interessante para o leitor brasileiro, porém, deve ser o perfil do artista francês Marc Simonetti, visto por aqui em best-sellers e obras de destaque as livrarias brasileiras, como os romances de George R. R. Martin das famosas Crônicas de Gelo e Fogo, os de Timothy Zahn da Trilogia Thrawn (publicados pela Editora Aleph), e a formidável Trilogia do Assassino, de Robin Hobb.

Simonetti se declara um “geek, fã de quadrinhos, fantasia e ficção científica”, e no perfil ficamos sabendo que ele trabalhou ilustrando outras obras de peso como Duna (com um passo a passo reproduzido na revista), Deuses Americanos e A Espada de Shannara. Revela o seu caminho do sucesso: trabalha todos os dias e o dia todo, não importando se tem uma encomenda ou não.

A ImagineFX sempre traz uma seção com imagens de artistas iniciantes do mundo todo (do Brasil inclusive), a “Reader FXPosé”, e outra com imagens não digitais, a “FXPosé Traditional”.

–Roberto Causo

Arte de Tommy Arnold

 

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Rogue One + filmes e leituras de 2016

Quando soube do projeto do filme Rogue One: Uma História Star Wars (Rogue One: A Star Wars Story), achei que era uma boa ideia.

O sétimo episódio da série principal, O Despertar da Força, foi uma decepção. Talvez um filme solo, com uma outra proposta e livre da pressão de reproduzir os efeitos emocionais dos primeiros filmes da franquia, tivesse mais sorte. Mesmo assim, admito que me esforcei para não criar uma expectativa em torno do filme dirigido por Gareth Edwards e escrito por Chris Weitz e Tony Gilroy. Vi uns trailers, mas perdi toda a polêmica em torno de cenas deletadas ou sequências refilmadas.

A premissa é contar a história do grupo de agentes da Aliança Rebelde que conseguiu roubar os planos de engenharia da Estrela da Morte e entregá-los à nave consular com a Princesa Leia Organa a bordo. Por sua vez, como sabemos pelo filme Guerra nas Estrelas (1977) — t.c.c. Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança –, Leia foi forçada a entregar os planos a Obi Wan Kenobi por meio do robô R2D2 e do jovem herói em formação, Luke Skywalker. No caminho para restituir os planos a ela, o bando mambembe, acompanhado desde o início pelo robô C3P0, acaba alugando os serviços do contrabandista espacial Han Solo e de seu co-piloto Chewbacca. Rapidamente, o espectador do filme inaugural da franquia foi conhecendo também os vilões Darth Vader e Moff Tarkin.

Rogue One recorre a uma nova heroína, a jovem encrenqueira Jyn Erson (Felicity Jones), para mover a trama e galvanizar o grupo de agentes rebeldes. Jyn é filha do cara que projetou a Estrela da Morte, o gênio da engenharia espacial Galen Erson (Mads Mikkelsen). Significa que, mesmo sendo uma heroína relutante, ela tem um interesse pessoal em atender ao apelo dos rebeldes em encontrar os planos da estação espacial capaz de destruir planetas com um único disparo (os planos estariam, supõe-se, com o seu pai).

E assim, eu me sentei no Cine Bristol do Center 3, em plena Avenida Paulista, para ver o filme com minha esposa Finisia Fideli e nosso filho Roberto Fideli (o crítico de cinema do site Who’s Geek) em 21 de dezembro do ano passado.

 

Pôster de Rogue One distribuído em sessões do filme em salas IMAX de São Paulo.

 

Foi o filme começar, e comecei a torcer o nariz.

A projeção estava muito escura — um problema com os filmes 3D, mesmo quando exibidos em “2D”. Problema contra o qual o crítico Roger Ebert já alertava logo depois do furor em torno do 3D causado pelo filme de James Cameron, Avatar (2009). Em Rogue One, havia pouco contraste, e com isso o espectador (ou este espectador) não conseguia entrar nos ambientes. Fossem eles a casa de Galen Erson, a insossa nave do soldado das forças especiais rebeldes Cassian Endor (Diego Luna), no reduto underground do radical Saw Gerrera (Forrest Whitacker), ou na base do Império onde a Estrela da Morte foi planejada.

Além disso, a música de Michael Giacchino atropela as cenas — ao contrário daquela de John Williams para a primeira trilogia, que conduzia o clima e sublinhava as situações com perfeição. E o enquadramento favorecido por Edwards é monótono: plano americano para os personagens, tomada “épica” para apresentar as estruturas, e panorâmica do alto para as cenas de destruição em massa (a Estrela da Morte faz dois disparos devastadores, no filme).

O esquema narrativo é semelhante ao de Os Sete Samurais (1954), do mestre japonês Akira Kurosawa — um esquema que George Lucas soube mascarar melhor em Guerra nas Estrelas, mesmo reconhecendo a influência. Especialmente no encontro e recrutamento dos diversos heróis, ao longo do caminho. A primeira parada de Jyn e Cassian é no planeta Jedha, onde existe um cristal usado antes nas baterias dos sabres de luz, e agora empregado na formação do raio destruidor da Estrela da Morte. É um recurso que parece olhar para o lado — para os “cristais dilithium” de Star Trek –, mais do que oferecer uma novidade.

Jedha é outro mundo desértico e rochoso, como o original Tatooine ou o saárico Jaku do Episódio VII. Seu nome, o vínculo com a tecnologia jedi e a repetição de um mantra sobre a força pelo guerreiro cego Chirrut Îmwe (Donnie Yen) sugerem que Jedha seria uma espécie de “planeta de origem dos jedi”, mas isso não é aprofundado. É mais ousada e interessante a sugestão de uma insurgência fanática, liderada por Gerrera, contra a ocupação imperial. Um ataque é mostrado, com direito a tanques nas ruas. Os dois heróis intervém e são capturados pelos fanáticos de Gerrera. Como resultado, saem do planeta com mais três recrutados: Chirrut, seu guarda-costas Baze Malbus (Wen Jiang) e o piloto desertor do império, Bodhi Rook (Riz Ahmed).

O grupo incrementado vai ao planeta rochoso Eadu, onde estão os engenheiros criadores da Estrela da Morte. Ali ocorre uma sequência debaixo de chuva, envolvendo os heróis, Galen Erson e o ambicioso oficial do império Orson Krennic (Ben Mendelsohn). Não há uma razão plausível para a sequência ao ar livre, exceto permitir a tensão entre o movimento de Jyn para chegar até seu pai, e a ordem recebida por Cassian de eliminar Galen assim que possível (no caso, com Cassian atuando como franco-atirador).

Krennic é o único vilão novo do filme, mas sem carisma ou personalidade. Darth Vader e Moff Tarkin também aparecem no filme — o primeiro interpretado por dois atores diferentes (Spencer Wilding & Daniel Naprous), e o segundo recriado digitalmente. Os dublês de corpo que fazem Vader não têm a força nem a presença ou a qualidade sombria que David Prowse imprimiu no Vader da primeira trilogia; um deles dá passinhos laterais, quando se detém atrás de Krennic… James Earl Jones volta a emprestar sua rara voz de baixo, para o personagem. Já Tarkin, interpretado em 1977 pelo agora falecido Peter Cushing, funciona melhor como personagem digital do que a Princesa Leia (a aparência de Carrie Fisher sendo rejuvenescida pelas IGPs), mas não menos vesgo…

A equipe de heróis acaba voltando à lua Yavin, onde se encontra a base rebelde secreta. Lá, mais uma vez o espectador é exposto à miopia tática e ao espírito burocrático da sua liderança. Certamente, o desejo de relativizar o heroísmo dos rebeldes faz parte das intenções do filme. Mas depois de descobrirmos, com os episódios I, II e III, que os jedi não eram mais que um bando de burocratas sonolentos, por que descobrir que os generais da Aliança seguem padrão semelhante deveria trazer algo de impactante à nossa visão da série?

Star Wars sempre foi uma space opera mais focada no exótico do que no seu lado militar. Mas Rogue One é mais space opera militar do que outra coisa. Essa proposta se configura com mais força no terço final do filme, ambientado no planeta Scarif, onde o grupo liderado por Lyn vai tentar se apossar dos planos da Estrela da Morte, guardados em uma espécie de arquivo imperial protegido por um escudo energético que envolve o planeta.

O primeiro Guerra nas Estrelas tinha várias sequências inspiradas em antigos filmes de guerra. Quando o Millennium Falcon “escapa” da Estrela da Morte, sua luta contra uma esquadrilha de caças Tie lembra uma Fortaleza Voadora combatendo Messerschmitts na Segunda Guerra Mundial. Do mesmo modo, os caças X e Y lutando em torno da Estrela Morte reproduzem cenas do filme A Batalha da Inglaterra (1969). Já o truque de lançar um míssil de prótons no exaustor da base imperial lembra as situações do filme Inferno nos Céus (1964), em que bombardeios De Havilland Mosquitos têm de atacar um depósito alemão de combustível para os foguetes V2, enfiado entre os paredões de um fiorde… Mas a sequência final de Rogue One parece inspirada na recente minissérie O Pacífico — ela mesma monótona e impertinente.

Certamente, o exótico também ficou de fora, eu creio, em razão da estranha inabilidade de Gareth Edwards. Planetas, E.T.s, artefatos, espaçonaves… tudo parece descolorido e desperdiçado. É claro que Edwards tem o direito e a liberdade de trazer outro tom e outro estilo à franquia. Mas é bom lembrar que George Lucas temperou o exotismo de Guerra nas Estrelas com um estilo naturalista e casual. Essa sempre foi uma marca de Lucas, de THX 1138 (1971) a Loucuras de Verão (1974), seus primeiros sucessos, mas que ele foi perdendo por causa das demandas estáticas da tela verde… Nada impediria Edwards de estudar essa combinação preciosa e bem-sucedida no passado, e trazê-la para o seu filme. Difícil entender por que ele não conseguiu chegar perto do melhor do que Lucas pôde realizar. Também é curioso que o roteirista Tony Gilroy (famoso pela série Bourne) possua a mesma marca de casualidade e naturalismo, ainda que em uma modulação diferente. É uma qualidade rara e extremamente interessante para o cinema de ficção científica, mas também ausente ou aguada, em Rogue One

Apesar de todas as minhas críticas, a sequência final — com ações em terra e em órbita — é dinâmica e bem orquestrada. Alcança um clímax emocional após o outro, demonstrando que seus personagens superficiais de algum modo calam no espectador. Culmina com uma eletrizante cena em que testemunhamos uma aterrorizadora ação de Vader em combate em ambiente fechado. Essa última cena deve se acoplar, em termos de continuidade e de emotividade, à fabulosa sequência de abertura de Guerra nas Estrelas. Mas a rigor, não o faz.

Do mesmo modo, a rigor, Rogue One não se conecta às melhores características de Guerra nas Estrelas. Salvo pelo desenho de produção mais moderno, por essa sequência com Vader mencionada acima, e pelo robô K-2S0 (Alan Tudyk) e sua personalidade divertida e dedicada, o filme também não traz novos pontos de interesse.

–Roberto Causo

 

Meus Filmes Favoritos de 2016

Não fui ao cinema tanto quanto gostaria — cinema nunca é demais! — em 2016, mas de qualquer modo, segue a minha lista dos melhores filmes do ano.

  1. Animais Fantásticos e Onde Habitam (fantasia, dirigido por David Yates)
  2. A Chegada (ficção científica, dir. Denis Villeneuve)
  3. Sully: O Herói do Rio Hudson (suspense, dir. Clint Eastwood)
  4. A Qualquer Custo (ficção de crime, dir. David Mackenzie)
  5. Capitão América: Guerra Civil (ficção científica, dir. Irmãos Russo)
  6. Star Trek: Sem Fronteiras (ficção científica, dir. Justin Lin)
  7. Doutor Estranho (fantasia, dir. Scott Derrickson)
  8. Poder e Conspiração (mainstream, dir. James Vanderbilt)
  9. Rogue One: Uma História Star Wars (ficção científica, dir. Gareth Edwards)

    O pôster de Animais Fantásticos e Onde Habitam.

Claramente, em minha opinião e em termos de qualidade, não foi um bom ano para as grandes franquias de space opera ou de super-heróis. O destaque da ficção científica foi um raro filme de primeiro contato com alienígenas, A Chegada, inteligente, sutil e muito bem dirigido. Porém, Animais Fantásticos e Onde Habitam excede em todos os componentes de produção e direção, que nos colocam na Nova York de 1926, transformada pela magia. Sem ser pretensioso, é um encantador convite ao maravilhamento lançado em uma época em que esse sentimento tão essencial para a condição humana parece impossível perante as muitas crises que atingem o planeta. Nesse sentido, o filme também emenda uma crítica ao American way of life, resgatando a aura dos antigos filmes de Frank Capra (Aconteceu Naquela Noite, O Galante Mr. Deeds, Do Mundo Nada se Leva, A Mulher Faz o Homem, Adorável Vagabundo…) nos quais, em meio ao cinismo da vida moderna, é preciso encontrar força de caráter e solidariedade. Parece uma crítica sob medida para a América que Donald Trump quer criar.

–Roberto Causo

 

 

Minhas Melhores Leituras de 2016

Ser um prestador de serviços editoriais significa que nem sempre você pode dedicar seu tempo a ler o que gostaria, e ser um escritor dedicado a um universo de space opera significa concentrar suas leituras nesse subgênero de interesse. Eu certamente gostaria de acompanhar todo o campo da ficção especulativa com maior afinco e diversidade. Relaciono 12 indicações, de 50 livros lidos no ano.

  1. Fool’s Assassin: Book I of the Fitz and the Fool Trilogy, de Robin Hobb (alta fantasia). A melhor autora de fantasia da atualidade retorna pela segunda vez ao universo da Trilogia do Assassino (como foi batizada no Brasil). Fitz é um dos meus personagens favoritos em toda a fantasia.

    Arte de Ursula Dorada

  2. A Bandeira do Elefante e da Arara, de Christopher Kastensmidt (fantasia heroica). O americano Kastensmidt, que vive no Brasil, está mudando a cara da fantasia brasileira com a série A Bandeira do Elefante e da Arara, plasmada num romance fix-up movimentado, romântico, divertido e que apresenta um Brasil Colônia mágico cheio de monstros.
  3. The Lost Gate, de Orson Scott Card (fantasia contemporânea). Li pela terceira vez o volume inaugural da série estrelada pelo mago de portais Danny North, e o romance que transita entre o aqui e o agora e um mundo mágico não perde a magia.
  4. The Operators: The Wild and Terrifying Inside Story of America’s War in Afghanistan, de Michael Hastings (não-ficção, reportagem). Livro escrito com ironia pelo jornalista da Rolling Stone que encerrou a carreira do General Stanley McChrystal. Oferece uma janela assustadora para as altas rodas políticas e militares na era da “guerra contra o terror”. Hastings morreu violentamente, em circunstâncias suspeitas.
  5. The Swerve: How the World Became Modern, de Stephen Greenblatt (não-ficção, história). Livro ganhador do Pulitzer, sobre o tratado clássico de filosofia natural que, no Renascimento, apresentou ao mundo o pensamento científico:  A Natureza das Coisas, de Lucrécio.
  6. Cuckoo’s Egg, de C. J. Cherryh (ficção científica). Mistura fascinante de FC de aventura e FC antropológica, é um dinâmico romance curto escrito no estilo telegráfico de Cherryh, com alguns pontos de contato com O Jogo do Exterminador, clássico de Scott Card. Um dos romances de FC da década de 1980 que não pude ler quando garoto.
  7. Uma Criança Única, de Guojing (fantasia para crianças). Uma tocante história em quadrinhos sem texto, que nos leva à fumacenta China e o seu difícil relacionamento com a infância.
  8. E de Extermínio, de Cirilo S. Lemos (ficção científica steampunk). O segundo romance de Lemos, a revelação da Terceira Onda da Ficção Científica Brasileira, é uma movimenta aventura envolvendo retrofuturismo, história e política brasileira.
  9. O Teorema das Letras, de André Carneiro (ficção científica, coletânea). O primeiro livro póstumo de Carneiro é o seu quinto livro de histórias, com um “ensaio canonizador” do Prof. Ramiro Giroldo.
  10. Samaritan, de Richard Price (mainstream/ficção de crime). Li este romance duas semanas antes da estreia da minissérie The Night Of, da HBO, escrita por Price. Os dois trabalhos têm a mesma característica e explorar a posição precária da solidariedade humana no mundo moderno.
  11. The Dervish House, de Ian McDonald (ficção científica). Durante os primeiros anos deste século, McDonald se dedicou a um dos projetos literários mais interessantes da FC: abordar o futuro próximo das economias emergentes do Terceiro Mundo, países como Índia, Brasil e Turquia. Este, claro, é ambientado na Turquia. Pena que o enredo simplista não esteja no nível do rico estilo de McDonald.
  12. Bilac Vê Estrelas, de Ruy Castro (ficção científica humorística). Esta novela é uma FC ambientada no Brasil do século XIX envolvendo personagens e projetos aeronáuticos que existiram de fato, mas que aqui atraem a ganância de estrangeiros.

Aqui também, a fantasia superou a ficção científica. Robin Hobb (Megan Lindholm) é o máximo, embora às vezes arraste demais o desenvolvimento dos seus romances. Por escrever space opera militar, é de se esperar que eu leia alguma não ficção sobre o assunto. O livro de Michael Hastings é bem escrito, revelador e, por tratar da “guerra contra o terror”, ainda se encontra na ordem do dia. Também tenho encontrado muita inspiração em livros de arte de FC, e em 2016 apreciei em especial The Art of Halo 5: Guardians, com designs incríveis gerenciados pelo artista francês Sparth; e Frank Kelly Freas: As He Sees It, de Frank Kelly Freas & Laura Brodian Freas, nem tanto pelas ilustrações, mas pelo texto divertido e com grande insight sobre o fandom americano de FC. Não li tanta FC e fantasia brasileira em 2016, quanto gostaria (além dos listados, li três outros). Cirilo S. Lemos e Christopher Kastensmidt estão na pequena lista de autores da Terceira Onda da FC Brasileira que é obrigatório acompanhar. Espero ler mais brasileiros em 2017.

–Roberto Causo

 

 

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Novidades no site de Vagner Vargas

O início de 2017 traz novidades no site pessoal do nosso parceiro de criação e webdesigner Vagner Vargas.

 

A revista francesa Galaxies N.º 34 trouxe ilustração de capa de Vagner Vargas e um perfil do artista.

Tenho insistido que Vagner Vargas é o melhor artista brasileiro dedicado à ficção científica. Um ilustrador completo, domina figura humana, design técnico, paisagem e atmosfera. Em 2015, ele teve um perfil publicado na revista francesa Galaxies N.º 34 (que apresentou um dossiê sobre a ficção científica brasileira). O site atualizado traz ilustrações feitas por Vagner para livros de mestres da FC nacional e internacional, como Arthur C. Clarke, Bruce Sterling, Jean-Pierre Laigle, Jorge Luiz Calife e Orson Scott Card.

Entre as novidades estão ilustrações feitas para as capas dos romances de ficção científica hard Evolução e O Elo (lançados em 2015), de Henrique Flory; uma atmosférica arte para um conjunto de cards lançado pela Devir Brasil com o tema “zumbis”; deslumbrantes trabalhos pessoais com algo de surrealista; e a adorável arte digital que eu reproduzo abaixo. Ela será capa da antologia Possessão Alienígena, organizada por Ademir Pascale, e inspirou o meu conto de Shiroma, Matadora Ciborgue, “Os Fantasmas de Lemnos”.

Possessão Alienígena trará contos de vários autores brasileiros, todos ilustrados por Vagner, que é também autor de uma série de imagens em preto e branco incluídas no livro. Essas imagens perturbadoras compõem a narrativa visual da invasão biológica do corpo humano por uma entidade alienígena. No site, o visitante encontra um exemplo dessas imagens.

Note ainda, no site, as ilustrações de capa dos livros Glória Sombria e Shiroma, Matadora Ciborgue, e outras artes feitas por Vagner Vargas para o Universo GalAxis.

–Roberto Causo

 

 

Arte: Vagner Vargas

Possessão Alienígena. Arte: Vagner Vargas

 

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