Nelson de Oliveira é um dos escritores brasileiros mais renomados de sua geração — a Geração 90 —, autor de Subsolo Infinito, Babel Babilônia e Poeira: Demônios e Maldições, e duas vezes ganhador do Prêmio Casa de las Américas e do Prêmio da Associação dos Críticos de Arte. Nos últimos anos, tem se voltado para a ficção científica, escrevendo como “Luiz Bras” e assinando obras de relevância como a coletânea de histórias Paraíso Líquido e os romances Sozinho no Deserto Extremo e Distrito Federal. Oliveira tem acompanhado a evolução das séries Shiroma, Matadora Ciborgue e As Lições do Matador. De fato, não fosse por sua atuação como editor da antologia Futuro Presente e das revistas do Projeto Portal, talvez nenhuma das duas séries chegasse a existir. O texto abaixo é a introdução do livro de histórias Shiroma, Matadora Ciborgue (Devir; 2015).
Introdução
O conto “Rosas Brancas” foi um presente maravilhoso de Roberto de Sousa Causo para o nascente Portal Solaris (primeiro dos seis números do Projeto Portal). Esse conto dá início à arrebatadora série protagonizada por uma órfã — Bella Nunes — obrigada a crescer e sobreviver entre assassinos profissionais. Muito mais tarde, em sua primeira missão (“O Novo Protótipo”), Bella se transforma em Shiroma. Essa narrativa ambientada no bairro da Liberdade é uma de minhas prediletas. Enfim, tive a sorte de acompanhar, em primeira mão, o nascimento e o desenvolvimento de uma protagonista bastante incomum.
Na mesma época, a pesquisadora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília, divulgava seu estudo sobre o espaço social no romance tupiniquim, denunciando o nosso estereótipo de protagonista (homem branco, hetero, de classe média). Logo ficou claro que esse clichê ficcional também domina o conto brasuca. Shiroma veio combater essa tendência.
Shiroma é guerreira, mas às vezes aparece bastante fragilizada emocional e fisicamente, e esse é um ponto importante em toda a série. Isso humaniza a heroína ciborgue. E o recurso da concha do mar é genial. Suas aventuras nas Zonas de Expansão Humana são uma lufada de ar fresco no ambiente modorrento da literatura contemporânea. Shiroma é a contraparte necessária de Jonas Peregrino, outro importante protagonista criado pelo autor. Os dois habitam um universo físico e mental ampliado pela tecnologia mais inquietante. Mas vivem em planos opostos, apesar da sobreposição gravitacional. Shiroma e Peregrino são diferentes até na semelhança psicológica: ambos lidam com os conflitos morais mais complexos, quase indecidíveis.
A promessa de que um dia se encontrarão mexe com minha fantasia erótica. A matadora ciborgue e o comandante dos Jaguares:
amigos, antagonistas, amantes? Mal posso esperar.
Esta é uma coletânea densa, que merece mais de uma leitura. Reunidos, os onze contos que a compõem se iluminam, oferecendo muitas camadas secretas. Eles tecem ao redor de Shiroma um casulo de violência e nostalgia, uma jaula emocional cuja única chave pode estar nas lembranças despertadas por uma concha do mar.
—Nelson de Oliveira
São Paulo, outubro de 2015