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Leituras de Dezembro de 2020

Depois de assinar com a Editora Bandeirola para escrever um guia de pesquisa e leitura de ficção científica brasileira, logo mergulhei na leitura do material que deve ser tratado no livro. Muitos desses trabalhos eu tenho comigo há décadas, esperando a chance de serem apreciados sistematicamente. Outros, reli buscando uma familiaridade maior. 

 

Espaço: Série Projeto Barnard, de G. Carmo. São Paulo: Ibrasa, 1984, 108 páginas. Texto de Orelha de Gumercindo Rocha Dorea. Arte de capa e ilustrações internas não creditadas. Brochura. Comprei este livro em Campinas, na saudosa livraria Papirus, provavelmente perto do ano de lançamento. Dei uma olhada, mas o guardei por achar que não seria do agrado. Chegou a hora de terminar a leitura e refletir sobre os objetivos de G. Carmo. Talvez típico de uma FC das décadas de 1960 e 70 no Brasil, este opúsculo em prosa poética empresta imagens e situações do gênero para expressar preocupação e desencanto com a humanidade. A narrativa, dividida em três “livros”, propõe ser o relatório de três ETs — os astronautas X1, X2 e X3 — vindos da Estrela de Barnard para investigar a Terra. Tratando (com algum conhecimento de ciência) da formação do universo, do Sistema Solar e da Terra como preâmbulos, discute, no primeiro livro, o amor; no segundo, a evolução humana e o seu fracasso ético; no terceiro, as mazelas sociais e a guerra. Há praticamente um parágrafo, numerado na lógica do relatório, por página. O cristianismo de Carmo aparece na página 73, em que o eu lírico pretende para si uma trajetória heroico-prometeana como a de Cristo: “pelo bem que fiz me condenaram à morte, em recompensa…” Em muitos momentos, o lado FC desaparece dos tópicos, ficando a poesia convencional:

 

“15. A estrelas estão no céu e as areias estão no mar… pode o tempo passar o tempo que quiser, mas nada há de mudar do céu que está na terra… pode o tempo mudar as minhas faces, pode o tempo mudar os arvoredos, pode o tempo mudar o curso d’água, mas não irá mudar o doce encanto, a loucura infinita de te amar… o teu amor tudo pode, pode criar o fascínio, pode criar a beleza, pode criar o mistério, amor que é amor tudo vence, todo constrói, tudo pode… amor que é chama invisível, amor que é flor tão suave, amor que é vida, emoção, amor que é noite de estrelas… que é poesia e canção.” —G. Carmo. Espaço: Série Projeto Barnard, página 37.

Mesmo sendo prosa poética singela e sem sofisticação, alcança uma certa força final pela eloquência e pelo sentimento. A elogiosa orelha de Gumercindo Rocha Dorea testemunha que ele ainda se associava à FC brasileira, antes de conhecer o Clube de Leitores de Ficção Científica em 1987 e retomar a publicação do gênero. Espaço tem como sequência Odisséia no Planeta Terra: Série Projeto Barnard 2 (1989) e Terra, o Planeta Poluído: Série Projeto Barnard 3 (1993). Uma trilogia que começou antes da Trilogia Padrões de Contato (1985 a 1991), de Jorge Luiz Calife, mas terminou depois.

 

Arte de capa de Graciela Rodriguez.

O Dia das Lobas, de Nilza Amaral. São Paulo: Editora Escrita, 1984, 70 páginas. Arte de capa de Graciela Rodriguez. Prefácio de Uilcon Pereira. Brochura. Outro livro da mesma época, do mesmo ano, que eu havia deixado passar. Esta noveleta venceu o concurso Prêmio Escrita de Ficção 1984, organizado pela editora de Wladyr Nader, autor da coletânea de FC Lições de Pânico (1968), lá atrás na Primeira Onda da Ficção Científica Brasileira. No ano anterior, Nader havia promovido o concurso Conto Paulista, que revelou outra autora de FC da Segunda Onda, Finisia Fideli, com o seu conto agora clássico, “Exercícios de Silêncio”. No júri do Prêmio Escrita 1984 estiveram o próprio Nader, o escritor Roniwálter Jatobá, muito ativo na época, e o professor de Filosofia Uilcon Pereira, então na Universidade de São Paulo. No prefácio “Milhares de Anos-Luz à Frente da Prosa Comercial”, Pereira louva o caráter vanguardista da narrativa.

O Dia das Lobas cairia bem no Ciclo ou Onda de Utopias e Distopias: trata de um futuro distópico em que existe apenas ensino à distância por meio de microcomputadores que também atualizam os membros da sua sociedade arregimentada quanto às leis sempre variantes, e no qual até mesmo as neuroses mais profundas estão articuladas aos interesses do Estado. No topo da pirâmide social — em que as classes parecem ser mais definidas por comportamento do que pela renda — estão os sociólogos, categoria que faz as vezes do sempre atacado tecnocrata das distopias brasileiras. Assim como em “O Casamento Perfeito” (1966), de André Carneiro, e em Adaptação do Funcionário Ruam, de Mauro Chaves (1975), os computadores estabelecem os casais. A ambientação é urbana, a história ocorre em um futuro indefinido, certamente próximo por todos os índices quotidianos reconhecíveis ao leitor. O texto tem formatação incomum, “experimental” ou “formalista”, com diálogos isolados na mancha de texto, e parágrafos ora com tabulação, ora sem (como em, por exemplo, Piscina Livre de Carneiro, livro de 1980). De saída, não acho que seja um recurso efetivo. O ponto de vista narrativo salta de um personagem a outro sem transições marcadas.

Uma mulher que se define como “loba” encontra um homem no metrô, e eles vão ao prédio dela. O contexto é de degradação ambiental e social, com um clima agravado — talvez herdado do anterior Não Verás País Nenhum (1981), de Ignácio de Loyola Brandão. O fato mais estranho desse futuro é um calendário em que as pessoas têm a liberdade de ventilar seu desassossego sob a forma de violência coletiva (clichê da ficção científica visto, por exemplo, no recente Uma Noite de Crime, filme de James DeMonaco lançado em 2013). Essa é a providência pública, mas há uma secreta: a “Organização” (o regime) separou uma espécie de reserva de caça e um dia licenciado para as “lobas” do título atacarem incautos pré-selecionados, no metrô da cidade. Os temas da violência e do sexo reprimidos também estão em uma jovem telepata que precisa se acorrentar para não dar vasão a esses fatores. O lado distópico é reforçado por um sociólogo ocupado em organizar para o Estado a campanha do “dia de matar bandido”. Uma novela com índices da ficção urbana que logo iria imperar na Geração 90 da ficção mainstream nacional: encontros e desencontros, sexualidade reprimida e violência, e alguma dose de absurdismo. Um texto melhor organizado teria ajudado, mesmo porque o leitor se acostuma com as idiossincrasias da diagramação e passa a ler sem estranhamento. No século 21, Nilza Amaral publicou Expulsão do Paraíso (2012).

 

A Grande Guerra Nuclear, de Mário Sanchez. São Paulo: Editora Lance, 1973?, 116 páginas. Brochura. Embora publicado no começo do Ciclo de Utopias e Distopias (1972-1982), A Grande Guerra Nuclear se conecta mais ao período anterior, a Primeira Onda. A preocupação com a Guerra Fria e a ameaça nuclear é característica do período, assim como o desejo de Mário Sanchez de explorar as convenções e o dialeto próprio do gênero. As mesmas preocupações fizeram parte da Onda de Utopias e Distopias, mas o aspecto pulp é diluído pelas estratégicas formais da ficção pop brasileira. Sanchez já havia publicado, em 1959, Além da Curvatura da Luz, obra de especulação filosófica. Assim como o fez José Maria Doménech T., em O Terceiro Milênio, Sanchez se associa ao futurista Alvin Toffler, pelo menos na orelha do livro, que também afirma: “Ninguém mais pode negar que a ficção científica entrou na vida de todos nós, com os computadores eletrônicos, reatores nucleares, mísseis espaciais. televisão, revistas e jornais.” A introdução, por outro lado, é quase um manifesto pacifista contra a ameaça da guerra termonuclear global entre as superpotências EUA e URSS.

Nessa novela, um “território” indeterminado (possível representação velada de Cuba) passa por uma revolução, e o seu grande líder barbudo abriga uma elite de cientistas determinada a impor a sua concepção de paz, depois de singrar os mares do mundo em uma espécie de Náutilus. Essa figura da elite de cientistas é anterior, óbvio, remontando talvez ao romance de H. G. Wells, The Shape of Things to Come (1933), filmado como Daqui a Cem Anos (Things to Come) em 1936 (direção de William Cameron Menzies). Na época da escrita do livro de Sanchez, a série alemã Perry Rhodan já havia apresentado uma “terceira potência” humana que põe em cheque a Guerra Fria e evita o conflito nuclear. Com Sanchez, a sociedade de cientistas rechaça a invasão de tropas patrocinadas por potências armamentistas, e, depois que o quadro geopolítico global se deteriora, tenta uma tecnologia de captura de mísseis atômicos no ar (o autor não compreendeu a tecnologia das ogivas múltiplas de reentrada, introduzidas em 1970). Mas os cientistas haviam construídos abrigos subterrâneos (como nos filmes de 007, caríssimas instalações secretas abundam sem deixar o menor rastro financeiro) e se refugiam nele com parte da população do país revolucionário, para ressurgir e repovoar a Terra, cem anos depois.

A narrativa, que é intermeada por poemas, tem muitos diálogos e o dispositivo didático de um repórter que chega aos cientistas ao investigar os segredos do regime revolucionário, para desaparecer da narrativa subsequentemente. Assim como Jeronymo Monteiro, o autor se dedica a uma crítica moralizante dos azares da humanidade, em uma época em que eles estavam escancarados, mas seu pacifismo não resiste ao impulso de dramatizar o apocalipse atômico. Não obstante as ingenuidades científicas, políticas e narrativas, o livro guarda uma certa energia pulp que faz o leitor chegar à sua conclusão.

 

Arte de capa de Chico Coelho.

Encontro Inesperado na Terceira Lua, de Rosana Rios. São Paulo: Editora Scipione, Série Diálogo, 2002 [1996], 112 páginas. Arte de capa de Chico Coelho, ilustrações internas de Getúlio Delphim. Brochura. Premiada autora de livros para crianças e roteirista de televisão, Rosana Rios é um dínamo prolífico e agregador, criadora do Grupo de Estudos de Literatura Fantástica. Aqui ela ataca com esta rara space opera sob a forma de uma espécie de “Romeu e Julieta no espaço”, dirigida ao leitor pré-adolescente. Curiosamente, seu livro também abre com um manifesto pacifista. Ela, porém, teve mais sorte no desfecho, talvez por ter se apoiado em toques de qualidade mítica, uma das suas especialidades como pesquisadora.

A história se passa em um sistema com 26 planetas, dois deles em perpétuo conflito, Argh e Zarg. Trata do jovem casal Ariel e Zahira, destinados a harmonizar as coisas. A narrativa alterna capítulos, quase sempre curtos, em primeira pessoa, ora na voz de Ariel, ora na de Zahira, com outros em terceira pessoa e compostos quase que apenas de diálogos. Os dois protagonistas se encontram quando a pesquisadora Zahira penetra em território arghiano. Ao invés de entregá-la às autoridades, o vigia Ariel passa a atuar com ela, depois que ela lhe conta sobre sua busca por dois braceletes lendários, de poderes curativos e que facultam aos seus usuários comandarem poderes fabulosos que os tornam capazes de se teletransportar de um mundo a outro. Enquanto o casal busca os objetos mágicos (ou hipertecnológicos), travam contato com outros povos e suas lendas e conhecimentos, orientados por uma antiga profecia, e são perseguidos pelas duas forças em conflito.

A autora criou uma história dinâmica e divertida, escrita com precisão e devendo algo ao filme épico de fantasia científica de Peter Yates, Krull, de 1983. As ótimas ilustrações em preto e branco de Getúlio Delphim, com traço enérgico e figuras elegantes como as de Alex Raymond, ampliam os conteúdos de FC e de referência. A capa de Chico Coelho não está à altura.

 

O Terceiro Milênio: Um Sonho no Espaço, de José Maria Doménech T. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2.ª edição, 1972 [1971?], 454 páginas. Prefácio de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão. Posfácio de Rose Marie Muraro. Brochura. Doménech Tarafa, pode muito bem ter escrito o primeiro romance brasileiro de FC hard, O Terceiro Milênio. Na Primeira Onda (1957 a 1972), autores como Rubens Teixeira Scavone e Jeronymo Monteiro tinham tentado, mas erraram no tom ou no conteúdo científico. O conteúdo e o projeto editorial — que incluiu duas edições em 1972, uma delas ilustrada e a outra pela Editora Vozes, conhecida pela sua linha de sociologia, outra pelo Círculo do Livro (1974), uma adaptação em quadrinhos pela EBAL, e publicação nos Estados Unidos e em Portugal (1975) — expressavam o projeto desse autor catalão radicado no Brasil de se alinhar ao futurismo de Isaac Asimov, Arthur C. Clarke (autores citados por ele na introdução) e de Alvin Toffler (a chamada da capa, “perspectiva de ficção científica para receber sem trauma o violento impacto do futuro”, inspira-se no conceito de Toffler do “choque do futuro”). Seu interesse pelo futurismo era antigo: sua tese “Oikospolis”, defendida em 1936 na Universidade de Barcelona, desenhava uma sociedade utópica do futuro.

A ambição, porém, é temperada por declarações como esta, no prefácio: “Este livro não é um tratado de futurologia e também não deve ser consultado como monitor científico, muito embora o que nele se descreve possa vir a acontecer em futuro mais ou menos próximo […].” Ao contrário da crítica à ciência embutida nas distopias inimigas da tecnocracia e do regime militar de então, o romance se alinha com a postura redentora de Asimov e Clarke, ao declarar: na “era supertecnológica que se aproxima em que todos os poderes” serão outorgados à humanidade, “inclusive o do controle remoto de sua própria genética, [haveremos de] galgar os últimos degraus que a separam ainda da plenitude total e da suprema felicidade, abolindo definitivamente da face da Terra a miséria, a ignorância, a doença e a maldade […].” Pesado em seu pendor ensaístico, o livro apresenta personagens e situações apenas no capítulo XVII, e a primeira linha de diálogo no capítulo XXXII. Propõe uma expedição extra-solar a vários planetas candidatos a colônia humana, dando pano para a comunicação de conhecimentos de astronomia e exobiologia. Mas a dilatação temporal faz com que a tripulação retorne — desapontada com os resultados — após uma avassaladora guerra nuclear, leitmotif herdado da Primeira Onda mas também na ordem do dia do novo momento.

O interesse da solução do autor está no retorno da tripulação levando-a a uma humanidade reformulada como sociedade de bem-estar e deleite. Mulheres liberadas, vivendo em uma colônia marciana, os recebem de braços abertos, situação que aponta para a revolução sexual. Por outro lado, se no ciclo chistoso de contos de FC do início do século 20 o recurso do “foi tudo um sonho” protege o autor da pecha de visionário louco, em O Terceiro Milênio (toda a exploração da guerra nuclear era um sonho do comandante da expedição extra-solar) ele mina o autor justamente da convicção do futurista.

Há pouco de Brasil no romance, e a ausência de um material subsequente pelo autor (o livro seria o primeiro de uma série) sugere que o seu projeto de assumir o manto de Asimov, Clarke e Toffler entre nós não progrediu. Seu vasto conhecimento científico-tecnológico e a propensão hedonista expressa nos capítulos finais encontram eco na figura de Jorge Luiz Calife, adepto da FC hard, autor de romances marcantes como Padrões de Contato (1985) e Horizonte de Eventos (1986), mais imaginativos do que a mera dimensão futurista e com um quê brasileiro, carioca, Bossa Nova, na proposição de uma sociedade espacial livre, amigável e harmoniosa.

 

A Cidade Proibida, de Álvaro Cardoso Gomes. São Paulo: Editora Moderna, 1997, 190 páginas. Prefácio de Carlos Felipe Moisés. Brochura. Tive aulas de Literatura Portuguesa com Álvaro Cardoso Gomes na FFLCH/USP. Era um professor meio áspero, com a mania de chamar os alunos de “mancebo” e as alunas de “santinha”… Não terminei o curso com ele. Mas fui atrás de adquirir esta novela, misto de FC e de ficção religiosa, e até peguei o autógrafo. Certamente, eu era melhor fã de ficção científica do que aluno.

No prefácio, Carlos Felipe Moisés associa o livro às HQs e RPGs, e aventa que seria “a primeira obra punkdark-gótica exclusivamente literária, em nosso idioma”. Se quis dizer algo próximo do cyberpunk, não se trata da primeira, evidentemente. De saída, a nota do autor diz que é um futuro distante, posterior a várias guerras nucleares e ao aquecimento global do planeta. Vivendo nesse cenário distópico, o protagonista sintomaticamente se chama Jó.

No plano do detalhe, a ambientação urbana e degradada lembra as imagens de Não Verás País Nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão. As encrencas de Jó começam quando ele aceita guardar um objeto de um “pássaro” (gíria para homossexual) alvo de um abaixo-assinado exigindo a sua expulsão do condomínio onde vivem os dois, e que Jó se recusara a assinar. Na sequência, é atacado pelo síndico, e mais tarde testemunha o pássaro ser assassinado. Na metrópole meio cyberpunk, com chuva ácida e tudo, outdoors convocavam o público a visitar “o País da Cocanha” — onde, em Blade Runner, eram as colônias foramundo. Jó se confessa a um padre cético, e então vai à torre da Golden Yoshitame Corporation, onde trabalhar em um laboratório. Lá, protege uma cobaia gigante à qual se afeiçoou. Libertar a cobaia expressa seus próprios desejos libertários, mas o enredo ainda não chegou ao seu núcleo. Isso ocorre quando Jó vai ao bairro oriental, travando contato com um samurai que é alvo do desejo velado de Jó por transcendência — ele busca o vislumbre de um “anjo” que o redima. Mas o que o samurai faz é tomá-lo por membro da gangue rival de Solozzo, e o conduz ao líder local da Yakuza. O texto inclui diálogos enigmáticos, uma jovem chinesa entregue a Jó, a revelação do interesse do chefão por um certo talismã, a fuga de Jó e a garota para os esgotos da cidade, onde o herói reencontra a cobaia libertada por ele. Desembocam nos braços da máfia, desta vez. Solozzo extrai deles os meios de invadir a fortaleza da Yakuza. Surge uma gangue de motoqueiros punks. A partir daí, a narrativa se aproxima do tupinipunk, com um festival sincrético que conta com a presença de um “Papa Dalai Olodum” e a busca por um orgasmo espiritual. Gomes sai momentaneamente do território de Brandão e entra no de Fausto Fawcett. Mais situações cyberpunk se alternam rapidamente, o texto apenas tocando a superespecifidade característica do subgênero, mantendo-se sempre ligeiro e alusivo ao transcendente — concentrado na figura do talismã, que não poupa o livro de um final pálido.

A Cidade Proibida é exemplo de cyberpunk não tupinipunk, juntamente com A Ordem dos Futuros (1993),de Ricardo Gouveia, um livro para o leitor jovem; Megalópolis (2006), de Júlio Emílio Braz (idem); Cyber Brasiliana (2010), de Richard Diegues; e Rio: Zona de Guerra (2014), de Leo Lopes. Melhor sucedido é Pantokrátor (2020), de Ricardo Labuto Gondim.

 

Arte de capa de Cirton Genaro.

Atentado em Itaipu, de Martins de Oliveira. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1983, 184 páginas. Arte de capa de Cirton Genaro. Brochura. Li esta novela para saber se ela se enquadrava no subgênero da FC conhecido como guerra futura (negativo), já que a premissa é a de um atentado terrorista na barragem de Itaipu, visando causar uma guerra entre Brasil e Argentina. A mesma premissa foi usada muito positivamente por Henrique Flory em sua noveleta de FC “A Pedra que Canta” (1991).

No meio da abertura política, o romance aborda dois complôs, um do comunismo revolucionário liderado por um militante brasileiro (talvez moldado em cima do famigerado terrorista internacional venezuelano Carlos, o Chacal), e o outro conduzido pelos linha-dura da ditadura militar de então. Por um lado, uma guerra entre Argentina e Brasil para desestabilizar e humilhar dois governos militares; do outro, a persistência da ditadura brasileira. O suspense em torno desses dois fatos negativos, separados pela linha ideológica que marcou a Guerra Fria, garante o interesse da leitura, apesar da falta de um herói central ou de interesse humano maior. É claro, com o fim da ditadura marcado para as eleições presidenciais de 1984, este romance de intriga política estava no calor do momento.

Médico de formação, Martins de Oliveira começou sua carreira em 1966 com Outono Vermelho, romance no mesmo gênero. Em 1982, publicou Os Vinte e um Dias de Outubro. O crítico e cientista político Marcello Simão Branco abordou Atentado em Itaipu no site Almanaque de Arte Fantástica Brasileira, achando-o interessante e coerente com o quadro político de então. Incluiu-o em sua lista de “Ficções da Abertura”, um conceito de 2013. O romance por certo chama a atenção pela premissa e pelo retrato político. É escrito com firmeza e uma prosa jornalística que nunca absorve o leitor, mas ao mesmo tempo se esquiva do recurso buscado pela maioria absoluta dos thrillers e romances de intriga internacional, que é o de não abandonar o olhar contemporâneo e “salvar o dia”, reestabelecendo o equilíbrio das coisas que a tensão do atentado ameaçava destruir. Trabalhando com um futuro brevíssimo, se podemos ver assim, Oliveira tem a coragem de, no fim do livro, acionar o detonador.

 

Arte de capa de Carlos Rocha.

Shiroma: Phoenix Terra, de Roberto Causo. São Paulo: Malean Studio/Selo Miskdo, 1.ª edição eletrônica, 27 de dezembro de 2020, 10.984 KB. Arte de capa de Carlos Rocha. Ilustrações internas de Eduardo Brasil. E-book Kindle. Graças ao fabuloso trabalho de Taira Yuji, a minha noveleta Shiroma: Phoenix Terra existe agora como e-book. A primeira narrativa do segundo ciclo das aventuras de Shiroma, ela já havia aparecido em março na revista Universo GalAxis Anual 2019. Shiroma, agora sem o jugo de Tera e Tiago, o casal que a havia raptado ainda criança, precisa de recursos financeiros. Ela já foi caçada pelo principal empregador de Tera e Tiago, a organização criminosa interestelar Associação Céu e Terra da Era Galáctica. A única estratégia de longo prazo que Shiroma enxerga é investigar essa organização e prejudicar ao máximo a sua capacidade de ação.

Ela vai ao planeta Phoenix Terra, na Zona 3 de Expansão Humana, para se consultar com Torgo Borkien, um especialista em arte xenoarqueológica, visando vender algumas das peças que encontrou no planeta renegado, que herdou com a morte de Tera e Tiago. Valiosas por expressarem o ápice tecnológico de uma misteriosa civilização perdida, essas peças do que tem sido chamado de weirdcraft podem alcançar um preço alto no mercado. Mas o que Shiroma encontra no estranho planeta Phoenix Terra é mais conflito e violência. Embutida no suspense e na aventura, há uma reflexão crítica sobre o mercado da arte. Destaca-se nessa edição de Shiroma: Phoenix Terra, a deslumbrante ilustração de capa de Carlos Rocha, as atraentes ilustrações internas de Eduardo Brasil, e a diagramação de Taira Yuji. Este último elemento prova que o e-book pode ser muito mais elegante e criativo do que temos visto nos últimos anos.

 

Arte de capa de Italo Bianchi.

A Filha do Inca, de Menotti del Picchia. São Paulo: Martins/Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, 1980, 254 páginas. Arte de capa de Italo Bianchi. Brochura. Esta é a minha segunda leitura de A República 3000 ou A Filha do Inca (1930), referência de romance de mundo perdido dentro da FC brasileira, sendo que a primeira foi na infância. Apresenta uma utopia supertecnológica e socialista literalmente circundada pela selva do Brasil Central, montada ali por refugiados da Ilha de Creta que chegaram ao continente milhares de anos antes dos portugueses. Protegida por um campo elétrico que mata todo que o toca, tenta controlar o passado aprisionando a princesa inca do título; e o futuro, por meio de uma emigração em massa para as estrelas, onde deverá fundar uma nova utopia. Os habitantes também existem em um estado intermediário — entre o ser humano e a máquina. São ciborgues de corpos metálicos de hélices integradas às costas, e um olho só na cabeça em formato de capacete.

A cidade perdida é descoberta por uma expedição brasileira, agredida por indígenas. O drama que se instala perante os sobreviventes, Capitão Fragoso e Cabo Maneco, é o do cativeiro e da morte, prisioneiros da terrível inflexibilidade dos cidadãos da república: também estão lá prisioneiros há séculos os membros da realeza inca Capac e Raymi — esta, chamada pelos locais de “o monstro”, e por quem Fragoso se apaixona imediatamente —, mantidos vivos e jovens há séculos pelos cidadãos como lembrete do seu triunfo sobre os nativos do continente. São descendentes diretos de Manco Capac, o fundador do império inca no século 13. Um erro de Capac, atrelado às grandes máquinas que suprem a república de energia e mantêm a fronteira elétrica, condena-o à morte. O arbítrio capital é racionalizado pelos cidadãos da república como um ato de respeito à cultura dos incas derrotados por eles, séculos antes. A Fragoso e Maneco caberá substituí-los como símbolo do triunfo e como mão de obra no controle das máquinas.

A ciência da República 3000 seria mil anos mais avançada do que a do restante da humanidade. É predominantemente elétrica, com a transmissão sem fio pelo ar por meio de ondas, e com processos, que chamaríamos de “parapsíquicos”, de visão e audição à distância que permitiam aos seus sábios se manterem inteirados dos conhecimentos internacionais. Além disso, realizavam uma espécie de comunicação e hipnose à distância, pela “telenergia, de irradiação pessoal”. Muitas histórias de mundo perdido podem ser apenas nominalmente FC, por imaginarem geografias ou processos históricos desconhecidos, mas todas estas especulações de superciência reforçam a inserção do romance dentro do gênero, por mais ligeiras que possam ser. Mais do que a tecnologia imaginária, enfoca uma questão central para a FC: a evolução humana. O darwinismo é mencionado pelos ciborgues da república, e os restos encontrados na barreira elétrica testemunham, de modo confuso e anacrônico, a evolução animal e humana no continente. Para além da evolução passada, o romance olha para a evolução futura dos ciborgues pós-humanos da República 3000. Estão à beira de uma descoberta que vai lhes permitir dominar a “energia pura” do universo e “condicionar a lei da gravidade”, facultando aos ciborgues emigrarem do planeta em uma grande arribação que fornece o deus ex-machina para a escapada dos quatro prisioneiros. Esse momento de clímax é efetivo, mesmo que enfraqueça a agência dos heróis — algo comum na ficção científica nacional do período, tendo como exceção o clássico 3 Meses no Século 81 (1947), de Jeronymo Monteiro, e o ótimo O Rei do Mundo Perdido (1933), de Hamilcar de Garcia.

A compressão evolutiva presente na visão do passado, materializada nos restos da barreira elétrica, ao mesmo tempo que é falha fornece um contraponto à compressão evolutiva da visão especulativa futura, que a revoada dos cidadãos da república representa. Na utopia dos cretenses isolados no Brasil, a evolução para longe da condição humana é presentificada, torna-se visível, e o salto evolutivo testemunhável. Trata-se, é claro, de um conceito de evolução intermediada pela tecnologia — algo que a FC internacional iria trabalhar incansavelmente na segunda metade do século XX, em especial após o advento do Movimento Cyberpunk na década de 1980.

 

Arte de capa de Lila Galvão Figueiredo.

Xisto no Espaço, de Lúcia Machado de Almeida. São Paulo: Editora Brasiliense, Coleção Jovens do Mundo Todo, 8.ª edição, 1972 [1967], 76 páginas. Arte de capa de Lila Galvão Figueiredo. Muito republicada na década de 1970 e 80, Lúcia Machado de Almeida (1910-2005) marcou época nos gêneros ficção de crime (O Escaravelho do Diabo) e ficção científica (Spharion) para crianças. Este Xisto no Espaço, sequência de Aventuras de Xisto (1957), uma fantasia, foi ganhador do Prêmio Jabuti. Nisso, chegou antes da FC nacional adulta.

Reizinho do planeta Terra, Xisto recebe uma mensagem com uma ameaça interplanetária: “CASO XISTO NÃO VENHA ATÉ MINOS, ATACAREMOS VOSSO PLANETA QUANDO ESTE SAIR DE SEU EIXO. INÚTIL REAGIR. RUTUS, O QUE NÃO TEM SANGUE, SENHOR DE MINOS.” Xisto e seu sidekick trapalhão Bruzo logo embarcam em um foguete, provido de um bom suprimento de pastéis de queijo (o favorito do herói). O início do capítulo II testemunha o quanto a mecânica do lançamento de foguetes haviam penetrado na cultura brasileira. Os heróis saem do alcance do Cinturão de Van Allen e cruzam nuvens de estrôncio-90 [sic], para pousar no planeta Nívea, que, obviamente, não faz parte do Sistema Solar e onde encontram insetos gigantes — como no conto de Lúcia Benedetti (que também escreveu para crianças), “Correio Sideral” (1961). Nesse mundo, conhecem Kibrusni, o invisível “menino do espaço”, parte de uma espécie que já nasce falando. O pai dele é o grande sábio local, que explica as coisas a Xisto, a respeito de Rutus e o planeta Minos. Nívea é atacado por uma arma biológica disparada por Minos, a “gelatina da morte”, que destrói boa parte da vida no planeta. Um momento apocalíptico — novamente, reflexo da ameaça nuclear de então.

Em Minos, enfim, Xisto e seus amigos encontram um morcego gigante, o raio da morte, e um mundo cinzento e morto. O contrário do jardim em ponto grande visto em Nívea. Eles também descobrem a verdade sobre o vilão Rutus — um homem artificial criado por dois cientistas locais, um anão e um altão, ambos focados em destruir a infância e dominar todos os planetas que puderem. Por trás do technobabble hiperativo e da ilogicidade que, dizem os especialistas, encanta as crianças brasileiras em nossa literatura infantil, a descrição de Minos e dos cientistas aponta para o mesmo temor da desumanização e da agressão à natureza e à vida promovidas pelo cientificismo, que marcou tanto da Geração GRD.

 

Quadrinhos

Sargento Rock: Entre a Morte e o Inferno (Between Hell and a Hard Place), de Joe Kubert & Brian Azzarello. São Paulo: Opera Graphica Editora, 2005, 144 páginas. Prefácio de Joe Kubert. Tradução de Roberto Guedes. Capa dura. Salvo erro de memória, adquiri há anos esta vistosa edição especial em uma das minhas visitas à loja Terramédia — hoje Omniverse Hobby Store. Quando eu tinha entre 11 e 12 anos, fui um fã do Sgt. Rock, incomum personagem de ficção militar da DC Comics. Ainda possuo meus exemplares do 1 ao 41, com algumas lacunas e várias duplicatas, da edição publicada no Brasil pela EBAL na década de 1970.

Lançado originalmente pelo agora extinto (em 2020) selo Vertigo, da DC, Entre a Morte e o Inferno dá oportunidade da arte solta e vibrante de Joe Kubert encontrar uma expressão nova. O roteiro de Brian Azzarello, porém, começa com um clichê da ficção militar (e da experiência militar americana na II Guerra Mundial), que me soou estranho às histórias do Sgt. Rock: a hostilidade dos veteranos às tropas de reposição. Outra coisa difícil para um fã do personagem é ver a Companhia Moleza (Easy Company, igual a da série Band of Brothers) contemplando crimes de guerra. Claramente, Azzarello busca o Santo Graal dos quadrinhos americanos, desde o advento do romance gráfico na década de 1980: a transformação dos quadrinhos em uma arte reconhecidamente adulta.

Nesta narrativa que persegue o mistério de um assassinato triplo no meio da guerra, e que inclui duas ou três sequências de várias páginas sem balões de diálogo, Azzarello foi claramente bem-sucedido. Personagens sombrios agem heroicamente ou testemunham o heroísmo de figuras antes apagadas, o amor possessivo emerge no meio do ódio entre combatentes, um estupro coletivo é lembrado, clichês marciais são tratados com devastadora ironia. E no auge do combate a Moleza tem que se virar sem o seu líder, ao mesmo tempo em que se reconcilia com a sua liderança moral. Com tantas área cinzentas na narrativa, Kubert, que também assina o prefácio, escolheu abrir mão da cor e desenvolver tudo com uma aguada em sépia — e preservando o vigor do seu traço. Uma linda edição, na qual faltou apenas um capricho maior na tradução, que comete vários falsos cognatos.

 

Outras Leituras

Scientific American Brasil Ano 19, N.º 212, outubro de 2020, Nastari Editores, 66 páginas. A Scientific American surgiu em 1845 e veio a adotar um modelo em que textos de divulgação científica são em geral escritos por cientistas, mas editados inhouse. A edição especial dos 175 anos da revista foi marcado pela coragem de avaliar os erros da publicação desde a época em que chauvinismo sexual e racial eram a norma, o darwinismo social saudado como natural e correto, e a eugenia era considerada um conceito positivo e politicamente desejável. Tais revisões acontecem na seção especial 175 Anos de Descoberta, que abre com o curto artigo “Reconhecendo os nossos Erros”, de Jen Schwartz & Dan Schlenoff. O próximo, “Nosso Lugar no Universo”, de Martin Rees, cobre a expansão do entendimento das proporções do universo, enquanto “A Nossa Origem”, de Kate Wong, faz o mesmo quanto ao conhecimento da evolução humana. “Os Piores Momentos da Terra”, de Peter Brannen, aborda as extinções em massa que atingiram o planeta no passado, e, fechando a seção especial, “Os Manipuladores a Informação”, de Naomi Oreskes & Erik M. Conway, trata da inovação tecnológica e seu impacto. Nas seções fixas, o ensaio “A Pesquisa e as Más Companhias”, de Naomi Oreskes, reconhece os erros do presente, tendo como estudo de caso o relacionamento infeliz entre o mercador de sexo adolescente Jeffrey Epstein e a Universidade de Harvard. O brasileiro Salvador Nogueira trata da possibilidade de haver vida em Vênus, a partir da controversa descoberta de fosfina na atmosfera do nosso vizinho mais próximo.

—Roberto Causo

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Leituras de Outubro de 2020

Mais space opera neste mês, e também a interessante experiência de ler o brasileiro Ivan Carlos Regina, um dos pilares da Segunda Onda da FC Brasileira, seguido do brilhante autor americano Harlan Ellison. Histórias em quadrinhos de super-heróis e de ficção de crime completaram a dieta de outubro.

 

Capa de Stephanie Marino.

O Par: Uma Novela Amazônica, de Roberto de Sousa Causo. São Paulo: Agência Magh, 1.ª edição eletrônica, outubro de 2020. Prefácio de Osvaldo Ceschin, posfácio de Roberto Causo. Arte de capa de Stephanie Marino. A primeira edição eletrônica da minha novela de ficção científica premiada no Projeto Nascente 11 (da pró-Reitoria de Cultura da USP) no ano 2000, saiu da pré-venda e foi distribuída pela Amazon em 9 de outubro.

A nova edição conta com o posfácio original do Prof. Osvaldo Ceschin, da Universidade de São Paulo, feito para a edição da Editora Humanitas em 2008. Além disso, apresenta um posfácio feito especialmente para esta edição da Agência Magh, com comentários meus sobre as questões da Amazônia Brasileira e sua mística torta junto aos militares e políticos nacionais.

A história acompanha um soldado que, após se indispor com os companheiros de armas, deserta e passa a vagar por uma Amazônia basicamente isolada do restante do mundo por uma estranha invasão alienígena. Após o encontro imediato com uma das naves alienígenas, ele testemunha o retorno à vida, da companheira morta em um acidente. Após muitas andanças do casal, o ápice da novela se dá quando eles vão parar em uma comunidade de pessoas que não atenderam à evacuação, ou que foram cooptadas para continuar trabalhando na floresta por um oligarca local, um predador da natureza crente nos clichês nacionais de progresso e prosperidade. O estilo é mais minimalista e áspero do que o meu habitual.

 

The Man-Kzin Wars, de Larry Niven com Poul Anderson & Dean Ing. Londres: Orbit, 1.ª edição, 1989 [1988], 290 páginas. PaperbackA série Man-Kzin Wars é o “universo de aluguel” de Larry Niven, pertencente ao seu universo ficcional e história do futuro “Espaço Conhecido” (Known Space). Mais explicitamente space opera, do que, por exemplo, o romance clássico Ringworld (1970), surgiu de um conto de Niven intitulado “The Warriors” (1966) . Na introdução desta que foi a primeira antologia original de histórias do rented universe, Niven conta que a ideia para ele surgiu em uma viagem de táxi partilhada pelo editor Jim Baen, da Baen Books, que a sugeriu a ele. Incluído na antologia, o conto de Niven fala do encontro de uma nave humana com os belicosos kzin — os gatões que aparecem na vibrante capa do artista não creditado da edição inglesa. O problema é que a humanidade havia abandonado as armas e os próprios instintos guerreiros, após algumas gerações de treinamento psicológico. Para que a tripulação sobreviva aos predadores alienígenas, ela precisa contornar seus bloqueios e improvisar uma arma efetiva, com a tecnologia existente a bordo.

“Iron” é a contribuição do veterano e renomado Poul Anderson (1926-2001), uma movimentada aventura de FC hard sobre uma expedição privada a um sistema planetário pobre em ferro e regido por uma anã vermelha que pode ser tão antiga quanto o universo. A história propriamente abre com o herói Richard Saxtorph sobrevivendo ao ataque de um kzin, em uma estação espacial humana reconquistada desses alienígenas. Ele e a esposa Dorcas comandam a expedição, que inclui um especialista em kzin e burocrata da exploração espacial, que insiste em acompanhá-los. Uma vez no sistema, eles se deparam com uma nave kzin e precisam dividir a tripulação. Alguns são capturados e interrogados, em uma intriga que inclui tortura e a traição do burocrata, um colaboracionista protofascista que admira a cultura de violência e autoritarismo dos aliens predadores. Em outra linha, um casal que descobre o amor refugia-se na superfície de um planeta, em que são prontamente ameaçados por uma massa de protoplasma — constituído de uma única molécula sedenta de metal, formada nos bilhões de anos em que o planeta coletou átomos simples no espaço intergaláctico. A volta por cima dos humanos sobre os kzin se dá com uma dramática atividade extra-veicular conduzida por Dorcas. Com 150 páginas, a novela de enredo complexo e rico resulta na leitura própria de um romance. A imaginação de Anderson está em grande forma aqui, em um texto empolgante que se lê como uma deliciosa mistura de FC antiga e moderna.

“Cathouse”, de Dean Ing, é a novela que fecha o livro, mais restrita na ambientação, igualmente interessante quanto a sua exploração do universo dos kzin: um etologista é feito prisioneiro pelos aliens e deixado em um estranho planeta — zoológico espacial com vários habitats lacrados por um campo de força. Naquele destinado aos kzinti, ele encontra um grupo deles preservado em um campo de stasis. Precisando de um colaborador, “descongela” uma fêmea que imediatamente dá em cima dele. A relação que se estabelece entre os dois é divertida e, ao mesmo tempo, alarga alguns dos sentidos da série: assim como em outros momentos do universo Known Space, de Niven, as fêmeas alienígenas são animalizadas. Mas Kit e as amigas que ela libera mais tarde do campo de stasis são de uma era anterior às manipulações dos machos da espécie, e reivindicam bastante. Tantas fêmeas em volta do humano permitem a brincadeira com o título (gíria para “prostíbulo” ou “zona”, como diríamos no Brasil), mas a verdade é que a história se concentra no humor e na aventura (quando os militares kzinti retornam ao habitat para dar um destino ao prisioneiro). Kit acaba sendo uma personagem especial. Gostei do livro como um todo.

 

Arte de capa de Jim Burns.

Night Train to Rigel, de Timothy Zahn. Nova York: Tor Books, 2006 [2005], 326 páginas. Arte de capa de Jim Burns. Paperback. Timothy Zahn, a quem já tive a oportunidade de entrevistar, é conhecido no Brasil pela Trilogia Thrawn, de romances originais atrelados a Star Wars, mas ele teve antes uma carreira associado à revista Analog. Cedo, fez a transição para a FC de aventura e space opera, mas uma série de space opera militar como a sua série Cobra (inédita aqui) não é necessariamente incompatível com a FC hard.

Antes de pegar a Trilogia Thrawn, resolvi ler este romance de conceito diferente, que brinca com o elemento mobilidade da space opera: a tecnologia que conecta os mundos de uma comunidade galáctica futura não são naves espaciais que viajam mais rápido que a luz, mas um trem que percorre um caminho entre as dimensões. Ao mesmo tempo, evoca as histórias de suspense do tipo Assassinato no Expresso do Oriente (1934), de Agatha Christie. A história, inclusive, abre como o protagonista Frank Compton, um agente secreto com um passado meio desastrado, tropeçando em um assassinato, antes de embarcar no trem interestelar. A sidekick de Compton é uma jovem especialista na cultura das Spiders que controlam o transporte. Também presente na arte de Burns na capa, o sujeitinho peludo à esquerda é um alienígena de uma cultura que tem a arma manual como símbolo social máximo (talvez um cowboy animalizado, para efeito de sátira ao apego americano pelas armas de fogo?). No comboio que não permite armas, eles usam réplicas inertes — exceto pelo fato de que atentados acontecem e investigações tentam descobrir quem deseja impedir o trabalho de Compton. A trilha leva à descoberta de um contrabando de caças estelares, para emprego em um conflito que deve ser evitado a todo custo. Nesse ponto, é preciso desembarcar do trem e chegar a algum lugar. Neste caso, um planeta em que existe um fungo inteligente e manipulador de vontades, a ameaça maior por trás do conflito. Outra ideia bem pulp, que remete àquela FC de aventuras da era de ouro da FC americana. A história só teria a ganhar se os protagonistas tivessem um pouco mais de vibração ou carisma, ou se a atmosfera de fato replicasse algo do charme do romance de Christie. Outra doação de Alfredo Keppler.

 

O Fruto Maduro da Civilização + O Éter Inconsútil, de Ivan Carlos Regina. São Paulo: Editora Patuá, Coleção Futuro Infinito, 2019, 220/364 páginas. Introduções do autor e de Karina Elizabeth Vázquez. Texto de orelha de Luiz Bras. Capas de Teo Adorno. Brochura. Ivan Carlos Regina é uma das figuras centrais da Segunda Onda da FC Brasileira. Sócio fundador do Clube de Leitores de Ficção Científica, foi muito ativo no fanzine Somnium. Publicou profissionalmente pela primeira vez na antologia de Gumercindo Rocha Dorea, Enquanto Houver Natal… (1989), com “Pode Acontecer com você na Noite de Natal”. Mais tarde, Dorea incluiu a sua coletânea O Fruto Maduro da Civilização (1993), com 19 textos, na mesma coleção Ficção Científica GRD. O livro ressurgiu em 2019 como parte deste volume completado por O Éter Inconsútil, a segunda coletânea do autor. Em nenhum lugar do novo livro há a menção da sua publicação anterior pelas Edições GRD — exatamente o tipo de coisa que tem enfurecido Dorea ao longo de seis das suas nove décadas de vida.

O Fruto Maduro da Civilização abre com o “Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira” (primeiro publicado no Somnium em 1988), texto que merece ser sempre revisitado para um entendimento da Segunda Onda e do tupunipunk (cyberpunk tupiniquim). Com sua evocação de misticismo hindu e de uma contracultura nacional, “Ananda: O Homem que Purpurava” é um dos contos do livro que também se qualifica como tupinipunk. Assim como o conto-manifesto “O Caipora Capira”, importante para entendermos como as ideias do manifesto casam com a proposta estilística e as intenções satíricas do autor, além das suas influências modernistas e tropicalistas. No plano do estilo, é um dos mais ousados de um livro de narrativas experimentais e intenções vanguardistas. Os premiados “Pela Valorização da Vida” e “A Derradeira Publicidade do Hebefrênico Alfredo” são alegorias modernistas da alienação das relações e da comodificação da vida humana que ampararam manipulações consumistas que vão além da publicidade. Num plano oposto ao da denúncia aberta, narrativas anedóticas como “O Tempo É um Carrasco Impiedoso” satirizam as formulações mais clichês da FC anglo-americana, outro tópico do manifesto. “Solange Súcuba Salva Sibarita Sexual” e “O Robô que Era Chato de se Ouvir e Todo Mundo Evitava sua Frequência” são poemas rimados, muito sarcásticos, e a poesia também invade outros textos, como “T-Vírus”. Fecha o primeiro livro o notável “O Fruto Maduro da Civilização”, mais curto que a média e extremamente contundente na denúncia do homem moderno e sua falta de volição e degradação física causadas pelo nosso estilo de vida. Eu o incluí na minha antologia Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica: Fronteiras (Devir Brasil; 2010).

A introdução de Karina Vásquez, da University of Alabama, em O Éter Inconsútil, vincula a abordagem de Regina ao neobarroco latino-americano e elogia a sua postura crítica. A coletânea traz 31 textos, um punhado visto antes em antologias. É interessante que, décadas depois, haja remissões claras a textos anteriores: “O Filho do Caipora Caipira” e “Ananda Comes Back”, além de “A Volta do Robô que Era Chato”, em diálogo com aquelas primeiras explorações fundadoras do Movimento Antropofágico da FC Brasileira. “Pequena História do Passado”, do mesmo modo, torna a explorar uma escala de neurose como definidora da experiência da modernidade vista antes em “A Derradeira Publicidade do Hebefrênico Alfredo”. A tendência anedótica e o melodrama pós-modernista reaparecem em “Amor de Lata Não Mata”, em que um robô desorientado vira babá de bebês na nave colonizadora que inesperadamente os gerou a partir do seu banco de embriões. “Balada do Cárcere de Celulose” é uma novidade: conto mainstream, curto, intimista e sombrio, ensaio de uma voz narrativa sólida e livre de experimentalismos. “Pode Acontecer com você na Noite de Natal” está neste livro, assim como “Rosa dos Ventos de Luz” (1998), este um conto ufológico, delicado, místico e, novamente, resgatando uma contracultura nacional expressiva, pacata e associada a uma das influências de Regina: a Tropicália (também presente em obras tupinipunks como Silicone XXI, de Alfredo Sirkis). “A Oportunidade Perdida por uns É a Oportunidade Ganha por Outros” é outra narrativa irônica, menos experimental ou formalista, na qual se expressam melhor influências como Robert Sheckley e Philip K. Dick. Algo semelhante se dá com “Aliens Deliriuns”, “Amarelo e Vermelho” (combinando FC da Golden Age com medicina alternativa, e dedicado à escritora Finisia Fideli), “Jairzinho” e a assemblage “Letters from Tomorrow”, colagem de vários textos, alguns vistos previamente. “Negro Laranja” é outra novidade: irônico conto de fantasia, com direito a um cerco medieval e a dragões, também em primeira pessoa como outras narrativas no livro. “O Último dos Bagos Roxos” incorpora outros procedimentos ao arsenal pós-modernista de Regina: o sexo explícito e a prosa brutalista de “mundo cão”, em uma caracterização de mesquinha figura política (tomada a partir de uma expressão “folclórica” de Fernando Collor de Mello) que remete tanto à ficção pop nacional da década de 1970, e à atual ficção pós-Mensalão de desencanto político e social. A brincadeira com o sexo também está em “O Centro Estelista”, uma sátira sexual de “Flores para Algernon” (1959), de Daniel Keyes, e mais um exercício de irreverência e iconoclastia (outro tópico do manifesto). “Ressuscitol”, escrito como uma bula de remédio, retorna à veia experimentalista e irônica, assim como “Clonaram el Rei” — um sketch de ventriloquismo com diálogos rimados. Destaques do livro são “Sete Vezes Homem, Sete Vezes Besta”, outra assemblage que explora fragmentos de épocas e lugares diferentes no mundo, e “Manduruvá É o Pai de Todos”, talvez delírio paranoico do narrador, mas com imagens inquietantes que reforçam a condenação comum em Regina, dos descaminhos da sociedade. Paradoxalmente positivo, “MOMA: Minha Organização Mundial de Animais” dá voz a sete espécies da Terra, o Homo sapiens sendo só uma delas, e termina com um comentário metaficcional que ampara outro ponto comum no autor: a conclamação para a mudança. Um favorito, “Teviterone” também é metaficcional e com uma sugestão de auto-refente (além de um toque de paródia do V’ger de Jornada nas Estrelas: O Filme): um poeta em futuro próximo acaba encontrando um robô-redator automático, o The Writer One, programado para escrever pulp fiction barata e que, ao ganhar consciência, assume uma prosa existencialista, com o poeta assumindo o seu manto de pulp writer depois da eutanásia do aparelho. Está lá com peças metaficcionais que expressam a tensão entre o enfoque modernista e o popular entre nossos autores de FC: “Pequenas Histórias do Tempo” (1994) e “Paperback Writer” (1994), de Braulio Tavares, e “Director’s Cut” (2008), de Fábio Fernandes.

Regina deu a entender que a trajetória do protagonista de “Teviterone” seria semelhante à sua, da prática poética radical, vanguardista, a uma abertura ao narrar mais natural, e realmente me encantou a emergência de uma prosa literária sólida, brasileira, elegante e inteligente presente nesse e em outros contos. Mas não se deixe enganar — em O Éter Inconsútil ainda há muito experimentalismo e os elementos buscados por ele desde a década de 1980, expressos no “Manifesto Antropofágico”. Um dos principais lançamentos de 2019 e o resgate da obra de um autor que merece consideração crítica aprofundada e maior reconhecimento.

 

Arte de capa de Bob Pepper.

Ellison Wonderland, de Harlan Ellison. Nova York: Signet, 1974 [1962], 178 páginas. Arte de capa de Bob Pepper. Paperback. Esta é uma das primeiras coletânea de contos de Ellison, doada por Alfredo Keppler. Na introdução, o renomado autor inglês, muito vinculado à televisão e ao cinema, conta que foi para Hollywood com uma mão na frente e outra atrás, e a venda deste livro teria sido um refresco necessário naquele momento. Lembra ainda como uma resenha de Dorothy Parker na The New Yorker alterou o rumo de sua carreira. São 16 histórias de FC e fantasia pulp publicadas em revistas menos conhecidas, como Fantastic Universe, Rogue Magazine, Infinity Science Fiction, Science-Fantasy Magazine e Space Travel Magazine. Umas poucas apareceram em Amazing Stories e If: Worlds of Science Fiction — testemunho, na verdade, de um autor prolífico e singular.

Na primeira história, “Commuter’s Problem”, um cara comum da nossa realidade, meio sem opções na vida, começa a enxergar uma outra realidade que se cruza com a nossa, seguindo as pistas que aparecem e indo parar em um outra planeta que usa secretamente o nosso como colônia de férias e válvula de pressões sociais. Ao ser descoberto, é que os seus problemas começam — para não ser morto, precisa convencer as autoridades locais de poderia ter lugar nessa outra sociedade. “Do-It-Yourself” tem uma mulher insatisfeita fazendo uso de uma empresa especializada em eliminar cônjuges, por meio de um kit entregue a domicílio. Um conto meio Além da Imaginação, com tipo de conceito visto em Richard Matheson e Stephen King, explicitando a falta de valores da sociedade moderna. “The Silver Corridor” apresenta outra empresa especializada em morte — a organização de duelos, neste caso —, mas no futuro. Os duelistas são dois cientistas rivais em um jogo de xadrez mortal, numa história de imagens inquietantes, com um final irônico e violento. “All the Sounds of Fear” tem um ator de imersão como protagonista, um homem que vai parar em um sanatório mental, culpado de um crime de morte. É uma história de horror sobre dissociação de identidade. “Gnomebody”, por sua vez, é um conto de humor — sobre um gnomo atrapalhado e de sotaque irlandês, é claro. “The Sky Is Burning” é uma FC de fim de mundo, com alienígenas que vem morrer na Terra, perante o fim do universo — escrita com seriedade e brevidade. Ambientado em uma nave espacial, “Mealtime” é bem mais irônico, sobre um planeta como aquele de Poul Anderson em “Iron”, que rejeita os humanos da sua tripulação, como alimento — contraponto a toda uma conversa de chauvinismo humano, de alguns deles. Em “The Very Last Day of a Good Woman” um sujeito descobre que o holocausto nuclear vem aí, e vai à caça de uma mulher, que encontra em um bar, resultando em um final estranhamente terno, e irônico, é claro. “Battlefield” mostra um futuro em que as guerras são disputadas na Lua. As descrições épicas e tecnológicas mascaram a verdadeira natureza, mesquinha e pequena, do conflito, em outro conto que satiriza valores distorcidos. Em “Deal from the Bottom” um prisioneiro no corredor da morte aguardando sua execução, faz um incomum trato com o diabo. “The Wind Beyond the Mountains” é uma FC de exploração espacial com tripulantes de uma nave que se aproximam demais do alienígena que capturaram para levar à Terra, na esperança de justificarem o seu empreendimento exploratório. “Back to the Drawing Boards” narra como um robô abusado em seus direitos acaba adquirindo o suficiente para comprar o governo da Terra e virar o jogo — história com reviravolta final, como várias outras no livro. “Nothing for my Noon Meal” é outra FC sobre húbris e de como a aventura humana em outro planeta não triunfa. Mais curto, “Hadj” tem um sentido semelhante, quando uma delegação da Terra vai ao planeta dos Mestres do Universo. “Rain, Rain, Go Away” tem um burocrata massacrado às voltas com um novo dilúvio. Fechando a coletânea, o ambientado em Marte “In Lonely Lands” é mais filosófico.

Além de Robert Sheckley e Philip K. Dick, Harlan Ellison é outro autor que partilha uma identidade programática com o nosso Ivan Carlos Regina, na crítica mordaz aos azares humanos, sem se esquivar de um certo moralismo incisivo e necessário.

 

Duelo dos Mundos, de Paul Koenig. Rio de janeiro: Tecnoprint, Série Futurâmica N.º 1, s.d., 140 páginas. Livro de bolso. Na grupo do Facebook “Edições de Ouro-Tecnoprint“, Pedro Lucas Silva Santana levantou a possibilidade deste livro ter sido escrito por um brasileiro, sob pseudônimo. Dioberto Souza invocou Quim Thrussel, um especialista em quadrinhos e edições populares nacionais, muito ativo na blogosfera e no Facebook, e este me pediu para opinar. Como eu tinha o livro aqui, doado pelo filho do escritor da Primeira Onda, Clóvis Garcia, resolvi ler e tirar a prova. O livro apresenta um futuro em que a humanidade, pela aplicação do ensino hipnótico e de uma língua universal criada artificialmente, apresenta-se política e culturalmente unificada. O meio de transporte interplanetário são discos voadores e a civilização humana é ameaçada por naves marcianas esféricas, situação de guerra interplanetária que ecoa, inclusive no título, a novela de H. G. Wells, A Guerra dos Mundos (1897). O enredo envolve o herói, um agente secreto chamado Meneson, sendo capturado pelos marcianos e conhecendo uma garota chamada Mari Silvan, para participar marginalmente de um deus ex-machina apocalíptico — que torna inútil toda a missão do herói, de fundamentar a construção de um raio da morte chamado “calorato”; a humanidade queda sob o controle marciano. O objetivo dos alienígenas: usar os humanos como cobaias em um experimento de aceleração evolutiva da mente, o que soa surpreendentemente positivo. Em toda a novela, a ação é confusa e a ciência ginasial ou ausente.

Não há menções a Koenig nas enciclopédias de FC anglo-americana e francesa mais conhecidas, e a internet não revela nada. A principal pista de que se trata de pseudônimo de um autor brasileiro está no artifício de, na sua variação do esperanto, terminar os nomes masculinos substituindo (ou somando) alguma sílaba ou letra final pela desinência “-on”, e os femininos por “-an”. Desse modo: Meneson (Meneses?), Pradon (Prado), Machadon (Machado), Campon (Campos), Nuneson (Nunes), Teleson (Teles) e Silvan (Silva). Segundo o Catálogo de Ficção Científica em Língua Portuguesa: 1921-1993 (1994), de R. C. Nascimento, Paul Koenig também é autor de Os Piratas de Vênus, na mesma coleção. Um brasileiro publicado na Série Futurâmica, com o seu próprio nome, foi Orígenes Lessa, com A Desintegração da Morte. Também foi publicado na Coleção Fantastic, da mesma Tecnoprint/Ediouro.

 

Quadrinhos

Arte de J. Scott Campbell & Tim Thowsend.

Marvel Saga: Espetacular Homem-Aranha: A Vida e a Morte das Aranhas, de J. Michael Straczynski (texto) & John Romita Jr. (arte). Barueri-SP: Panini Comics, 2020, 232 páginas. Arte de capa de Scott Campbell & Tim Thowsend. Capa dura. No terceiro volume da coleção dedicada à passagem de Straczynski pela Marvel, Peter Parker sonha com o Dr. Estranho — que o informa das consequências do seu encontro anterior com uma aranha mítica, em outra dimensão. Ele mal tem tempo de respirar, e surge uma espécie de vespa negra com forma de mulher e chamada Shathra, para matá-lo, forçando-o a lutar e a fugir. A criatura assume a identidade de uma jovem chamada Sharon, que se dedica a difamar a figura do Homem-Aranha, afirmando-se uma ex-amante dele. Com esta situação base, o autor não só expande a sua nova mitologia do herói, como explora a questão contemporânea da difamação e da sede de fofocas dos tabloides — impressos ou televisivos. Os toques de Straczynski são sempre fabulosos, como o Aranha detonado pela vespa indo se refugiar em uma exposição de “aracnomania” num museu de história natural. Quando o empresário Ezekiel Sims intervém, a aventura vai parar na África, em uma alusão à deusa-aranha Anansi, aquela mesma do romance de Neil Gaiman, e, na mitologia de Straczynski, a origem das características do Homem-Aranha.

Em outra aventura presente no volume, Peter vai a Los Angeles atrás de Mary Jane, mas se depara, ainda no aeroporto, com uma encrenca de muita ambiguidade moral envolvendo o Dr. Destino e o Capitão América. Logo depois, a história “O Escavador” combina um monstro mutante com a máfia italiana, em mais um roteiro divertido e inteligente, que parece muito verdadeiro em suas reflexões sobre crime e família, nas mãos de Straczynski — que é de Nova Jersey, não esqueçamos. Muito bom.

 

J. Kendall: Aventuras de uma Criminóloga N.º 148. São Paulo: Mythos Editora, setembro/outubro de 2020, 258 páginas. Tradução de Júlio Schneider. Brochura. Na primeira história deste volume duplo, “Carne de Açougue”, desenhada por Ernesto Michelazzo, a criminologista Julia Kendall atende ao apelo de uma amiga de infância, abusada fisicamente pelo marido açougueiro. Contudo, o caso logo se transforma em uma investigação de assassinato, que revela a vida dupla do marido e um inesperado e trágico triângulo amoroso, que, como de hábito nesta série, expressa uma ironia cortante quanto à violência, e sonda o caráter surpreendente e inesperado da vida.

“Atrás das Grades”, desenhada por Antonio Marinetti, faz a heroína se infiltrar, sob disfarce de prisioneira, em uma penitenciária para desbaratar as atividades da viúva de um chefão das drogas. Isso acontece depois que uma corajosa detetive disfarçada é morta ao ser descoberta. Em conjunto, as duas narrativas exploram a capacidade da mulher de cometer crimes, mas carregando consigo questões e dramas próprios da condição feminina — incluindo momentos de lesbianismo e da problemática da prisioneira que é mãe. Se a primeira história aborda a carência de valores da classe média, a segunda desce ao submundo da mulher no crime. Os escritores Giancarlo Berardi e L. Calza e Maurizio Mantero incorporam a reflexão social na sua ficção de crime com ambiguidade e inteligência, fazendo, por exemplo, uma abusiva carcereira salvar o dia.

Roberto Causo

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35 Anos do Universo da Tríade, de Jorge Luiz Calife

Em janeiro de 1985, a Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro, lançou o romance de ficção científica Padrões de Contato: Trilogia Padrões de Contato 1, de Jorge Luiz Calife — a mais longeva série de space opera e FC hard do Brasil, existindo há 35 anos.

 

Arte de capa de Ingrid Von Steurer & Gilberto Zavarezzi.

Romance ágil e desenvolvido com elegância, pleno de sense of wonder, explorando o tema do primeiro contato com uma super-inteligência alienígena, com conhecimento científico e tecnológico sólido e uma rica história do futuro como pano de fundo, Padrões de Contato teve um grande impacto na jovem comunidade brasileira de ficção científica. Influenciada por figuras de peso da ficção científica hard como Arthur C. Clarke e Larry Niven, a obra de Calife parecia moderna, otimista e visionária ao leitor brasileiro. Com esse romance tratando da integração da humanidade à Comunidade Galáctica e das intervenções da superinteligência conhecida como Tríade, ele meio que atualizou agudamente a FC brasileira, quanto ao idioma próprio do gênero. Ao mesmo tempo, o formato episódico do romance (um fix-up de narrativas inéditas selecionadas por Calife ao longo dos anos), com grandes lapsos temporais e alternâncias no elenco de personagens. soava ousado e dinâmico.

A qualidade da especulação científica e tecnológica, e a elegância da narrativa, transformou Calife em um colaborador privilegiado de revistas masculinas como EleEla e Playboy, levando repetidamente a FC nacional às suas páginas de papel brilhante.

Arte de capa de Nelson Lopes.

Logo depois, em 1986, a Nova Fronteira lançou Horizonte de Eventos: Trilogia Padrões de Contato 2, uma aventura de foco mais estrito e com mais suspense e ação, retratando como a Comunidade Galáctica se vê ameaçada por alienígenas belicosos que põem em cheque a sua utopia hipertecnológica. Das obras de Calife, é a mais integrada à space opera, e a que mais questiona a viabilidade da sua sociedade cósmica bem resolvida, democrática e hedonista — talvez seguindo a deixa de histórias de Larry Niven como “The Warriors” (1966), parte do seu universo Tales of Known Space.

Ao contrário de Padrões de Contato, possui um arco narrativo mais uniforme e tenso. Horizonte de Eventos, mais bojudo que o primeiro livro, também oferece pela primeira vez uma alegoria satírica do Brasil dos anos da ditadura militar, ainda tão vívidos na memória em 1986, com a nave de gerações B.R.A.S.I.L., vagando perdida há séculos no espaço e vítima de um golpe paramilitar — um anacronismo tão grotesco na Comunidade Galáctica, quanto os alienígenas invasores nictianos.

Publicado apenas em 1991, Linha Terminal: Padrões de Contato III saiu pelas Edições GRD de Gumercindo Rocha Dorea, fechando a trilogia com o retorno a um formato mais breve, repleto de homenagens a filmes e livros da FC internacional, e agregando viagens no tempo que conduzem o leitor ao reencontro de uma personagem desaparecida no primeiro livro, Michelle Darrieux, e à revelação das inteligências por trás da Tríade, os djestares.

No mesmo ano, Calife também publicou o conto “A Sereia do Espaço” na Isaac Asimov Magazine: Contos de Ficção Científica N.º 20, levando, com ele, o Universo da Tríade aos leitores da revista. Outros contos desse universo ficcional chegaram ao século 21 aparecendo na primeira coletânea do autor, As Sereias do Espaço (2001), pela Record, e, no mesmo ano, na revista Quark, fundada por Marcelo Baldini, e em antologias como Como Era Gostosa a Minha Alienígena! Contos Fantásticos Eróticos (2002), editada por Gerson Lodi-Ribeiro. Em 2012, a Devir Brasil incluiu uma cronologia do Universo da Tríade na segunda coletânea de Calife, Trilhas do Tempo, com introdução do escritor Clinton Davisson.

Arte de capa de Vagner Vargas.

Graças ao interesse do editor Douglas Quinta Reis (1954-2017) a Devir também reuniu os três romances previamente publicados, no primeiro volume “omnibus” da ficção científica brasileira, Trilogia Padrões de Contato (2008), com introdução de Marcello Simão Branco, outro admirador da obra de Calife, e capa e ilustrações internas de Vagner Vargas.

Em 2010 a Devir Brasil publicou o romance Angela entre dois Mundos, também com capa de Vargas, e quarto romance do Universo da Tríade. Ambientado antes da protagonista central do universo, Angela Duncan, ter se tornado imortal por graça da Tríade, envolve a busca da heroína por sua mãe, desaparecida no espaço, juntamente com a tripulação e os outros passageiros de uma luxuosa astronave de cruzeiro.

A ficção científica hard é aquela mais adepta de temas científico-tecnológicos, e embora ela tenha existido na década de 1970 e começo da de 1980 no Brasil — em obras de José Maria Doménech T., Gerald C. Izaguirre, Fausto Cunha e Fabrizio Pugno —, o Universo da Tríade de Calife se destaca — a ponto de Gerson Lodi-Ribeiro chamá-lo de “Pai da FC Hard Brasileira”.

Jornalista científico com longa passagem, na década de 1980, pelo Jornal do Brasil, Calife também foi autor do livro de não ficção Espaçonaves Tripuladas: Uma História da Conquista do Espaço (2000), escrito com Cláudio Oliveira Egalon e Reginaldo Miranda Júnior.

Antes que se falasse em empoderamento feminino e representatividade de gênero na ficção científica brasileira, a literatura de Jorge Luiz Calife no Universo da Tríade priorizava protagonistas femininas. Além de Angela Duncan, outras personagens importantes imortalizadas pela Tríade são Luciana Villares e Dafne Duncan, neta de Angela e dona de um destino trágico. Charmosas e distantes, juntas elas meio que expressam não apenas o poder e o mistério femininos, mas algo dos mistérios do próprio universo.

—Roberto Causo

 

Arte de capa de Vagner Vargas.

 

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Leituras de Janeiro de 2020

Em janeiro, eu me dediquei a terminar alguns livros que havia iniciado e que estavam meios soltos pelo apartamento. Entre eles, antologias de histórias de ficção científica, um romance de FC hard e um ensaio em forma de livro, que repercutiu sobre o mundo da FC.

 

Narrativas Fantásticas do Malleus Maleficarum ou O Martelo das Feiticeiras: Manual Inquisitorial de Caça às Bruxas, Paulo Soriano, ed. Itabuna-BA: Mondrongo, 2019, 76 páginas. Tradução de Paulo Soriano. Brochura. Paulo Soriano é um dínamo baiano voltado para o conto fantástico clássico e o horror, também embaixador cultural não oficial do Brasil junto à Galiza. No finzinho de 2019, ele lançou este livro muito bonito na apresentação gráfica, e surpreendente como proposta e no conteúdo. Nele, Soriano reúne trechos do infame Manual Inquisitorial de Caça às Bruxas em que o fantástico estão presentes de forma narrativa, com traduções dele próprio. O “manual” é de fins do século 15…

A primeira coisa que salta aos olhos é como se verifica, por comparação, o quanto a narrativa de horror e do conto fantástico bebe dessa fonte. Entre os feitos das feiticeiras estão transformar um marinheiro em asno, bruxas que colecionam pênis dos desavisados, impotência masculina induzida por feitiço (há uma constante aí?), um padre enfeitiçado que se recupera pelo exorcismo de um bispo cego, um lenhador aloprado que escapa da punição por ter atacado uma mulher, colocando a culpa em bruxas que teriam assumido a forma de gatos. A atribuição de infertilidade ou problemas gestacionais às bruxas parece ter sido comum, com várias narrativas a respeito. A ideia da cópula do diabo e da sedução de outras seguidores do demônio também. Em uma narrativa, as bruxas causam lepra. “O Bispo Enfeitiçado” é uma das narrativas mais reveladoras dos dois pesos e duas medidas da mentalidade da época: um bispo assume uma amante (contra a norma do celibato), ficando doente pouco depois. Desencantado, procura uma “anciã” (outra bruxa?) que faz um contrafeitiço, afirmando que quem o enfeitiçara primeiro iria morrer. Quem morre é a amante dele, que retorna feliz para as suas obrigações clericais, sem que ninguém questionasse os seus pecadilhos. Clérigos são muitas vezes tanto vítimas quanto salvadores, atestando a importância que se davam na época. Soriano coligiu ele mesmo as histórias e as traduziu muito bem do inglês e do espanhol. O livro que ele produziu pela Mondrongo é bonito, com um design sugestivo. O livro de onde elas surgiram é uma obra terrível. Um grande exercício de fake news que, assim como as dos nossos dias, mobilizou as populações a atos violentos ancorados na ignorância, e à suspeita contra os vizinhos. Um muito obrigado a Paulo Soriano pelo seu trabalho de nos trazer essas narrativas, assustadoras até pela realidade da “caça às bruxas” que inspiraram. O horror e a vida real nunca estão muito longe, no século 15 ou no 21.

 

Arte de capa de Gregory Bridges.

Year’s Best SF 9, de David G. Hartwell & Kathryn Cramer, eds. Nova York: EOS, 1.ª edição, 2004, 500 páginas. Arte de capa de Gregory Bridges. PaperbackNo mercado de língua inglesa, são comuns antologias dos melhores do ano, recolhendo histórias de todas as fontes: revistas, antologias originais e sites, fornecendo ao leitor um apanhado do que se passa no campo e fornecendo aos autores uma oportunidade de distinção. Esse segmento vem lá da década de 1970, já foi mais forte mas ainda está valendo. David Hartwell foi um editor e antologista muito importante, desencarnado em 2016 em um acidente doméstico. Sua série Year’s Best SF, editada com Kathryn Cramer, sua esposa, foi longeva (de 1996 a 2013). No período em que saiu este livro, o mercado para narrativas curtas passava pela transição para as revistas digitais.

Este volume que recupera textos de 2003 inclui, num fato raro, duas histórias traduzidas, uma argentina e outra espanhola. Foram extraídas da pioneira antologia Cosmos Latinos: An Anthology of Science Fiction from Latin America and Spain, editada por Andrea L. Bell & Yolanda Molina-Gavilán. Essa antologia incluiu histórias dos brasileiros Jeronymo Monteiro, André Carneiro e Braulio Tavares, mas Hartwell & Cramer preferiram selecionar histórias da argentina Angélica Gorodischer e dos espanhóis Ricard de la Casa & Pedro Jorge Romero. Outros nomes presentes em Year’s Best SF 9 incluem alguns gigantes como Octavia E. Butler, Gene Wolfe, Joe Haldeman, John Varley e Gregory Benford, além de autores que estavam se destacando naquele momento, como Charles Stross e Cory Doctorow — este, com dois romances publicados pela Editora Record no Brasil, e cuja história “Nimby and the Dimension Hoppers” espanta pelo estilo descolorido. Hartwell se vinculava muito à FC hard, e a sua série de antologias dos melhores era marcada por pouca coisa borderline e uma adesão mais estrita aos parâmetros da FC como gênero. Na introdução, ele declara:

“Este livro está cheio de ficção científica — cada história no livro é claramente isso e não algo diferente.” —David G. Hartwell & Kathryn Cramer. Year’s Best SF 9.

Os editores destacam a presença da novela “The Albertine Chronicles”, do escritor mainstream Rick Moody, que eu conhecia da edição da revista McSweeney’s editada por Michael Chabon focada em pulp fiction, e uma novela que falhou em me cativar. (Moody é autor de Ice Storm, romance de 1994 que virou filme de Ang Lee em 1997.) As histórias que mais apreciei na antologia foram algumas das mais simples em termos narrativos: “The Waters of Meribah”, do inglês Tony Ballantyne, acompanha um jovem desfavorecido em um habitat artificial, escolhido como cobaia para um experimento cósmico; e “Annuity Clinic”, de Nigel Brown, outro inglês, sátira com um fundo de “domínio dos robôs” sobre um futuro em que a direita conseguiu dar cabo do socializado sistema de saúde britânico, obrigando os idosos a venderem partes dos seus corpos para conseguirem manter alguma condição de vida. O assunto sombrio é desenvolvido em situações singelas que desembocam em um final gelante.

 

Arte de capa de David Mattingly.

Marooned on Eden, de Robert L. Forward & Martha Dodson Forward. Nova York: Baen Books, 1.ª edição, 1993, 372 páginas. Arte de capa de David Mattingly. Paperback. O escritor de FC Gerson Lodi-Ribeiro me presenteou com este romance de FC hard em algum momento da década de 1990. Faz parte da série Rocheworld, que apresenta um planeta binário de contato, e como eu propus algo semelhante no meu Glória Sombria: A Primeira Missão do Matador (2013), resolvi dar uma olhada agora para aprender mais a respeito. O romance, porém, se passa em outro planeta de um sistema complexo, que inclui aquele binário de contato (que figura tão proeminentemente na bela capa de David Mattingly). Apenas o substancial anexo técnico ao final do livro, disfarçado de relatórios de missão, traz informações sobre a estranha geometria planetária.

Uma equipe transnacional está no sistema investigando os seus diversos planetas. Uma delas desce até Zuni, lua de um gigante gasoso, sofrendo uma pane ao amerrissar e ficando náufraga por tanto tempo, que relacionamentos conjugais se estabelecem e o acontece primeiro contato com alienígenas locais — plantas inteligentes. A vida comunitária firmada no lugar leva, em conjunto com uma absurda suposição da inteligência artificial que os acompanha, a uma situação de reprodução coletiva que é a principal complicação do romance. Os humanos no local são acompanhados por um conjunto de alienígenas marítimos inteligentes, herdados do livro anterior da série, Ocean Under the Ice (1993), também escrito com a esposa de Robert Forward, Martha (note que na capa a editora enganou-se quanto ao nome dela, grafado como “Margaret”). Quem narra a maior parte das aventuras em Zuni é Reiki LeRoux, de origem japonesa e com uma dicção algo estereotipada, registrada em seu diário. O lugar em que se refugiam é um pequeno arquipélago, capaz de suprir a maior parte das suas necessidades de abrigo e alimentação, e indutor de uma vida simples de cooperação comunitária — daí a presença do conceito do Éden. No fundo, aquele pendor tão americano para o exílio e a colonização, ancorado na história do país, e que Stephen King satirizou em Dança Macabra (1981) como o “Espírito Pioneiro”. Trata-se, porém, de uma versão sem esse ranço, celebrando a vida simples e humana, em um romance modesto e descomplicado, mas agradável. Robert L. Forward (1932-2002) foi escritor e cientista (físico), e os livros 2, 3 e 4 da série Rocheworld foram escritos com a esposa Martha e a filha Julie.

 

Detalhe de outra arte de David Mattingly para Ocean under the Ice (1994), livro 4 da série Rocheworld.

 

 

Arte de capa de Bob Warner.

Far Frontiers, de Martin H. Greenberg & Larry Segriff, eds. Nova York: DAW Books, 1.ª edição, 2000, 310 páginas. Arte de capa de Bob Warner. Paperback. No começo do século, a tradicional DAW Books, fundada pelo editor de FC Donald A. Wollheim e especializada nesse gênero e na fantasia, publicou uma série de antologias originais editadas por Segriff & Greenberg e também por John Helfers & Greenberg. Eu consegui no Sebo do Farah, de São Paulo e que não existe mais, as seguintes: Star Colonies (2000), Guardsmen of Tomorrow (2000), Future Wars (2003) e esta Far Frontiers. Todas abrigam temas tradicionais da ficção científica, vinculados à aventura.

Estão no livro Robert J. Sawyer, Kristine Kathryn Rusch, Lawrence Watt-Evans, Julie E. Czerneda, Andre Norton e Jane Lindskold. Contudo, as histórias que mais gostei foram escritas por Kathleen M. Massie-Ferch, Alan Dean Foster e Robin Wayne Bailey. “Traces”, de Massie-Ferch, é uma noveleta sobre uma cientista dedicada que, em um contexto de exploração espacial mas dentro de um regime fundamentalista religioso, encontra uma rocha que não deveria estar naquele sistema estelar, importada ou exportada por uma civilização alienígena. Como isso ela incorre um dogma severo, e se vê na mira de um oficial político. A história é narrada com solidez, delicadeza e a perspectiva de uma mulher determinada que não alijou nem a maternidade nem o idealismo científico. A minha outra preferência pessoal é “Chauna”, de Foster, conto em um centenário ricaço persegue com fundos pessoais uma lenda que leva à descoberta de uma forma de vida estelar antes ignorada. Um tratamento de temas antigos dentro da FC, mas realizado com um genuíno sense of wonder. Finalmente, a terceira é “Angel on the Outward Side”, de Bailey, outra noveleta, mas uma movimentada space opera à lá Star Wars com elementos de mundo perdido saídos quase que diretamente de Ela (1887), de H. Rider Haggard, e que encanta pelo despego com que se atira à aventura e ao melodrama. A ilustração de Bob Warner na capa é uma arte digital de ficção científica militar, não necessariamente a expressão mais característica do tema.

 

Arte de capa de Richard Powers.

The Art of Richard Powers, de Jane Frank. Londres: Paper Tiger, 2001, 128 páginas. Prefácio de Vincent Di Fate. Esboço biográfico de Richard Gid Powers. Arte de capa de Richard Powers. HardcoverRichard Powers (1921-1996) foi um artista de galeria, surrealista e abstrato, que produziu muitas ilustrações editoriais, especialmente de ficção científica e horror. No campo da FC ele foi marcante, ganhando reconhecimento duradouro e criando tendência. No Brasil, foi muito apreciado pelos editores Gumercindo Rocha Dorea e Fausto Cunha, na Primeira Onda da FC Brasileira, e influenciou capas do artista Eddie Moyna publicadas na Coleção Ficção Científica GRD, de Dorea.

No prefácio, o também artista de FC e historiador do campo Vincent Di Fate, autor do monumental livro de arte Infinite Worlds (1997), aponta Powers com uma das três maiores influências sobre esse campo (as outras sendo Frank R. Paul e J. Allen St. John). O primeiro capítulo é um esboço biográfico, muito pessoal, escrito por Richard Gid Powers, filho do artista. Ele narra, por exemplo, pesquisas de texturas e atmosferas em uma ilha no Maine e nas florestas do Estado de Nova York, as agruras da vida do artista e as suas principais exposições, e seu ódio ao político Richard Nixon e aos radicais chics da década de 1970. Jane Frank, uma conhecida colecionadora de arte de FC (com o marido Howard Frank), entra com seu texto apenas no capítulo 2, discorrendo sobre o abstracionismo surrealista de Powers, sua presença na ilustração editorial do macabro ou do horror, e a diversidade de estilos dele, dentro do surrealismo, e as suas explorações técnicas dentro dessa escola. Para a arte de FC, ele trouxe formas orgânicas, oníricas em diálogo com os ícones do gênero, transformados por texturas inquietantes — máquinas com uma pátina orgânica e organismos com texturas minerais ou metálicas, figuras humanas despersonalizadas como manequins e estranhos efeitos etéreos diluindo formas reconhecíveis. Powers, como muitos artistas, encantou-se com a possibilidade de produzir um discurso visual coerente e narrativo, que ele chamou de “Mundo de fFlar”, com direito a um manifesto satírico. O livro encerra com trechos de entrevistas e um checklist de capas de livros — Powers realizou mais de 1400 em vida. Um livro fabuloso, que enriquece muito o entendimento de sua arte peculiar, e valoriza a posse dos livros com as suas ilustrações.

 

The Two Cultures, de C. P. Snow. Cambridge/Nova York: Cambridge University Press, Série Canto, 1996 [1959, 1964, 1993], 108 páginas. Prefácio de Stefan Collini. Trade paperbackLançado em 1956 pelo romancista e físico inglês C. P. Snow (1905-1980), o “Debate das Duas Culturas” ainda é lembrado como uma referência importante, dentro do campo da ficção científica. O fosso entre os intelectuais literários e a cultura científica foi apontado por Snow em um artigo e mais tarde na palestra “The Two Cultures and the Scientific Revolution”, depois publicada em livro. Esta edição inclui não apenas a palestra original, mas um texto de 1963, “The Two Cultures: A Second Look”, em que ele analisa o que teria mudado no interim. Nos meus estudos ao longo dos anos eu havia lido a introdução extensa de Stefan Collini (que por si só já vale a leitura) e a palestra de Snow, só agora lendo essa última parte. Interessa notar que, no Brasil e sem conhecimento das ideias de Snow, o nosso André Carneiro havia tratado, em termos semelhantes, das diferenças entre os intelectuais tradicionais e a cultura científica, no seu ensaio pioneiro Introdução ao Estudo da “Science Fiction” (1967).

Snow argumenta que há uma divisão entre as duas culturas, a partir de um diagnóstico da dominância modernista sobre o discurso intelectual no Ocidente. A divisão impediria que a revolução científica e seus benefícios fossem democratizados, em especial a industrialização. A maior parte do problema estaria nos intelectuais literários, chamados por Snow de “luditas naturais” e “esnobes”. F. R. Leavis, o árbitro do bom gosto literário e campeão da causa da alta cultura como refinadora da civilização escreveu respostas enfurecidas contra Snow, que escreveu:

“Eu acredito que toda a sociedade ocidental esteja sendo dividida, cada vez mais, em dois grupos polarizados. […] [E]m um polo temos os intelectuais literários, que, incidentalmente enquanto ninguém olhava, passaram a se referir a si mesmos como ‘intelectuais’, como se não existissem outros. […] [N]o outro [polo] os cientistas. Entre os dois um abismo de incompreensão mútua […].” —C. P. Snow, The Two Cultures.

Snow confronta o pessimismo do primeiro polo, com o otimismo do segundo. A saída para o dilema é repensar a educação. O livro dedica muito à comparação entre o sistema educacional britânico e o americano, o russo e o alemão. De fato, é estranho como as populações desconhecem que ciência e tecnologia constituem as bases da vida humana moderna, parecendo sublimá-las em objetos de consumo e extensões high-tech de uma comunicação mesquinha do nível das ruas. Agora, com a chegada ao poder de grupos anticiência e do retorno do país a um estado de fornecedor de matéria-prima e de produtos agropecuários, a advertência de Snow devia calar entre os brasileiros. Escrevendo há quase 60 anos, Snow acertou ao prever que a próxima revolução estaria no terreno da computação e da automação, mas seus receios quanto à China não se confirmaram mesmo no seu tempo de vida — e hoje nós vemos o país asiático na fronteira desses campos. Ao afirmar que não parecia haver lugar em que as duas culturas se encontrassem ele também pode ter errado, já que a ficção científica oferece um campo possível para esse encontro. Após o fenômeno dos tigres asiáticos e da China como a segunda economia do mundo, os conselhos de Snow quanto às necessidades de levar a revolução científica aos pobres parecem muito enfraquecidos. Hoje, talvez ele nos falasse sobre como o abismo entre as duas culturas e a ignorância científica enfraqueceria nossas chances de enfrentar os desafios da crise climática e da extinção em massa de flora e fauna. Ameaças tão grandes ao futuro da humanidade quanto a tensão nuclear entre Ocidente e Oriente, no seu tempo.

 

Arte de capa de Ron Lesser.

The Quick Red Fox, de John D. MacDonald. Greenwich, Connecticut: Fawcett Gold Medal, 1964, 160 páginas. Arte de capa de Ron Lesser. Paperback. Assim como muitos escritores de ficção de crime, MacDonald tem o seu detetive titular de uma série, Travis McGee. Este é o meu primeiro contato com o detetive peripatético, já que não atua em uma única área, viajando bastante. A história começa em Miami, onde McGee vive em um barco. Ele é contratado pela estrela de Hollywood Lysa Dean para recuperar umas fotos comprometedoras de uma orgia da qual ela teria participado. Para isso, o relutante McGee tem que fazer par com a assistente pessoal da estrela, a competente Dana Holtzer. Eles passam a viajar juntos na trilha dos chantageadores, e desenvolvem um interesse amoroso um pelo outro — como em On the Run, que já comentei aqui. Dana trabalha duro para manter um marido comatoso que requer cuidados médicos constantes, um toque melodramático mas interessante, definidor da personagem. Também é interessante e divertido que, fingindo serem um casal, os dois desenvolvam uma dinâmica bem humorada de marido e mulher — violando a noção de que esse tipo de coisa diminuiria o herói másculo.

A investigação leva o casal, de uma jovem institucionalizada por excesso de drogas, até as altas rodas. No percurso, descobrem que a maior parte dos participantes da orgia foram mortos. No final da linha, McGee encurrala uma beldade assassina, mas comete o erro de dar-lhe as costas e paga um preço — assim como Dana. Hospitalizada com uma concussão, ao recobrar os sentidos ela não tem mais os mesmos sentimentos pelo detetive particular. Em grande parte, o trajeto do herói é pontuado pelo encontro com o que poderia ser chamado, usando a terminologia de hoje, de uma “feminilidade tóxica”. O autor oferece a masculinidade centrada do herói e a feminilidade responsável de Dana como contrapontos. Focada no fecho do romance, onde Lysa tenta se oferecer a McGee para economizar o pagamento pelos seus serviços, a ilustração de capa do prolífico Ron Lesser diz tudo: a “disponibilidade” dela, o seu desarranjo e  surpresa com a reação dele.

 

Quadrinhos

Arte de capa de Jae Lee & June Chang.

A Casa dos Sussurros Volume Um: Poder Apartado (House of Whispers Vol. 1), de Nalo Hopkinson (texto) e Dominique “DOMO” Santon (arte). Barueri-SP: Panini Brasil 2019, 194 páginas. Tradução de Érico Assis. Arte de capa de Jae Lee & June Chang. Esta HQ de uma série patrocinada por Neil Gaiman, “O Universo de Sandman”, é, até onde eu saiba, a estreia no Brasil da escritora afro-canadense de origem caribenha Nalo Hopkinson, de boa reputação no mundo da FC e fantasia e língua inglesa. Algo a celebrar.

O álbum abre com ocorrências sangrentas no plano dos sonhos, mas logo salta para a cidade de New Orleans, onde uma família afro-americana incomum é apresentada (o pai é um homem gay com casamento homo-afetivo e a filha mais velha namora uma garota). Ali também vemos entidades do sincretismo afro local se relacionando — incluindo uma figura de Iemanjá que, na última página do livro, aparece, salvo engano, desenhada por ninguém menos que Bill Sienkiewicz, com a fisionomia de Hopkinson.

O ponto focal da história, que dá direito a cenas de mediunidade afro, trata de como o sobrinho dessa figura foi soltar no mundo o flagelo pandêmico de uma praga de zumbis. Inicialmente, me soou como uma concessão aos modismos do cinema, até que me lembrei de que o zumbi como monstro moderno da ficção de horror surge justamente da cultura afro-caribenha. A autora mantém a tensão entre o que ocorre no nosso mundo e o que tem lugar nos diversos mundos sobrenaturais invocados pelo Universo de Sandman e pela cultura afro. Achei apenas que a parte ambientada no mundo “real” saiu perdendo. Embora a arte seja um pouco incerta, há muito o que elogiar nesta história rica e original, cuja solução aguarda um segundo volume.

—Roberto Causo

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Leituras de Dezembro de 2019

O ano fechou com muita leitura de ficção científica ecológica e de outros tipos, e de obras que aproximam ficção mainstream e ficção de gênero, além de um interessante livro de não ficção sobre cinema de FC.

 

Arte de capa de Marty Blake.

A Friend of the Earth, de T. Coraghessan Boyle. Nova York: Viking, 1.ª edição, 2000, 272 páginas. Arte de capa de Marty Blake. Hardcover. Conheço o respeitado autor mainstream T. Coraghessan Boyle da revista The New Yorker. Ele já apareceu no Brasil com o romance América (The Tortilla Curtain; 1995). Este A Friend of the Earth é uma ficção científica, por ser ambientado em futuro próximo no qual o crise climática vai com ventos de furacão. Um militante conservacionista rememora as encrencas do passado, enquanto administra o zoológico particular bancado por um astro da música pop. Há algo de Bruce Sterling — autor de Tempo Fechado (1994), romance cyberpunk sobre o agravamento do clima — na premissa, na linguagem elaborada e no protagonista idiossincrático. De fato, Boyle tem um texto que, felizmente, escapa da tendência ao minimalismo. Mas foi a primeira vez que me recordo de ter encontrado tantos momentos de hiper-realismo que terminam sendo chatos.

O presente da narrativa é o ano 2025, em plena crise climática, mas o romance frequentemente retorna aos anos 1980 e 1990, quando o herói, Tyrone Tierwater, era um militante ambientalista radical, envolvendo a filha Sierra nas suas aventuras. Os capítulos do presente são narrados na primeira pessoa, os do passado, na terceira, reforçando a noção subjacente de que Tierwater reavalia a sua vida a partir de uma distância temporal e existencial, já que ele agora tem mais de setenta anos de idade e se depara com o ressurgimento de sua ex-esposa e ex-colega militante, Andrea. De fato, nas duas vozes o romance acaba sendo mais um exame da personalidade irascível do herói, do que um mergulho multifacetado ou aprofundado do ambientalismo e conservacionismo americanos (que ele pouco detalha), com muitos momentos patéticos e outros ferozmente irônicos. Chamado pela imprensa de “Homem Hiena” por ter colocado a filha em risco, Tierwater é tratado como um cara irado e confuso, que encontrou na causa uma válvula para a raiva indefinida que sente contra a sociedade. Não é dos protagonistas mais instigantes e seus traços de personalidade pouco ressoam com o assunto ambiental. Mais que isso, a abordagem do romance se ressente da sugestão implícita de que apenas alguém profundamente ressentido teria tamanha dedicação a uma causa que se revela, na própria lógica do romance, a mais importante em um mundo que afunda rapidamente num estado ainda mais deplorável de existência.

 

Arte de capa de Fernando Costa.

Os Filhos do Rio, de Paulo Condini. São Paulo: Carthago & Forte Editoras Associadas, 1994, 240 páginas. Arte de capa de Fernando Costa. Brochura. Acho que foi Gilberto Schoereder, autor do guia Ficção Científica (1987), que me indicou este livro do jornalista e editor Paulo Condini, com passagens pela Folha de S. Paulo, pelo Diário Popular e pela Editora Melhoramentos. Eu o peguei no Dia da Ficção Científica Brasileira (11 de dezembro, data de nascimento do prolífico pioneiro da FC nacional, Jeronymo Monteiro), exaltado por uma postagem de Nelson de Oliveira no Facebook. Ganhador do prêmio de ficção da Associação Paulista dos Críticos de Arte de 1994, o livro de Condini é um romance curto que lembra em tom e em tema a FC do nosso Ciclo de Utopias e Distopias (1972 a 1982). Imagina, em denúncia adequada também ao momento atual, a Amazônia transformada, no século 25, em deserto. Essa imagem também dá o tom de A Porta de Chifres, de Herberto Salles, um romance de 1986. A população sobrevivente de índios e caboclos, chamada de “remanescentes” pela burocracia do futuro, concentra-se em reservas ou “núcleos”. Um homem caminha sozinho, partindo do seu núcleo, em direção ao mar. Chama-se Mucura e é movido por um impulso pessoal misterioso, fato estranho que chama a atenção da liderança de um outro núcleo, cuja fronteira ele atravessa inadvertidamente. Também alerta uma dupla de burocratas localizados em um centro urbano moderno. Nesse segundo núcleo, Mucura conhece Anaí, uma jovem com cheiro de mel com quem forma um relacionamento.

Uma outra linha narrativa acompanha um dos burocratas localizado bem longe dali, Rodrigues, metido em uma intriga com um colega rival, e que passa a se interessar pelo destino daqueles remanescentes esquecidos. Em uma ação acelerada perto do fim, ele descobre a verdade sobre eles e a conjuntura do mundo — o que resta das elites e do seu aparelho de estado está pronto para abandonar a Terra e seguir para mundos ainda saudáveis localizados em um sistema planetário a seis anos-luz do nosso. Semelhante ao que acontece, digamos, em Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (Do Androids Dream of Electric Sheep?; 1968), de Philip K. Dick. É claro, os sempre dispensáveis remanescentes serão deixados para trás, sem auxílio ou supervisão.

A investigação de Rodrigues levanta fatos histórico-jornalísticos colados no texto, bastante contemporâneos e com algum foco na problemática brasileira da devastação ambiental. De maneira um tanto confusa, ajudam o leitor a entender como fomos do início da década de 1990 até o século 25. Os Filhos do Rio flerta com a solução incomum de transformar o burocrata em herói, também ele envolvido em uma situação de descoberta do amor romântico, assim como a de Mucura e a bela Anaí no deserto amazônico. Mas Condini se esquiva dessa solução, com a tônica dos paralelismos indo para a impotência melancólica, os dois casais tropeçando em mesquinharias políticas e sociais, conservando um mínimo de impulso utópico nos seus destinos.

 

O Ovo do Tempo, de Finisia Fideli. Pontes Gestal, SP: Plutão Livros, Coleção Ziguezague, 1.ª edição eletrônica, dezembro de 2019 [1994], 477kb. Prefácio à coleção por Ana Rüsche. Finisia Fideli, minha esposa, começou a publicar contos de ficção científica em 1983, com o clássico “Exercícios de Silêncio”, um dos finalistas do concurso Conto Paulista da Editora Escrita. No fim da década ela fez uma pausa, vindo a retornar apenas em 1991, com o gozador “Quando É Preciso Ser Homem”, na Isaac Asimov Magazine N.º 21 e na antologia O Atlântico Tem Duas Margens: Antologia da Novíssima Ficção Científica Portuguesa e Brasileira (1993), organizada por José Manuel Morais para a coleção portuguesa Caminho Ficção Científica. Esta noveleta de viagem no tempo/dinossauros apareceu na antologia Dinossauria Tropicália (1994), que organizei para as Edições GRD de Gumercindo Rocha Dorea.

Uma das marcas da Finisia como autora dessa fase, conforme assinalado inclusive por M. Elizabeth Ginway, é a protagonista feminina ponderada, firme de caráter e de uma certa espirituosidade e disposição aventureira dirigida ao enfrentamento de mistérios e fatos insólitos — como a heroína do mais sombrio “A nós o Vosso Reino” (1998). A protagonista de O Ovo do Tempo, Mariana, adquire um geodo muito especial, que parece se comunicar exclusivamente com ela. O objeto a leva a uma aventura na zona rural do Rio Grande do Sul, com direito à entrada em uma caverna misteriosa e um momento de viagem no tempo. Uma outra das marcas de Finisia é uma certa jovialidade feminina, bem marcada no final da noveleta, que reaparece agora como parte da notável iniciativa da Plutão Livros do editor André Caniato, a Coleção Ziguezague, que publica em e-book tanto novidades quanto obras significativas do passado da FC brasileira, contando com um inspirado e informativo prefácio para a coleção como um todo, escrito por Ana Rüsche. Entre os títulos já publicados estão novas edições do romance clássico de Jeronymo Monteiro, 3 Meses no Século 81 (1947), e da coletânea pioneira de Dinah Silveira de Queiroz, Eles Herdarão a Terra (1960).

 

Forbidden Planet, W. J. Stuart (Philip MacDonald). Nova York: Bantam Books, 1956, 184 páginas. Paperback. Este é o romance tie-in do filme do mesmo título, Planeta Proibido em português, que eu li em preparo para a minha participação no Cine Clube Sci-Fi do Centro de Pesquisa e Formação do SESC São Paulo. Foi uma leitura prazerosa e surpreendente, considerando que W. J. Stuart, pseudônimo do roteirista e escritor de ficção de crime Philip MacDonald, foi engenhoso no modo como estruturou o romance. As situações são acompanhadas por três personagens diferentes, que narram, cada um, em primeira pessoa: o Major C. X. Ostrow, médico de bordo da nave exploradora C-57-D; o Comandante J. J. Adams; e o Dr. Edward Morbius.

A astronave  é desviada para o planeta Altair-4, onde deve fazer contato com os remanescentes de uma malograda expedição científica. É lá que se encontram Morbius e sua filha, Altaira. O cientista recebe os seus salvadores com frieza e os alerta de que não devem pousar. Quando os homens insistem, ele envia Robby, um poderoso robô, para recebê-los. Os motivos do alerta e das reticências de Morbius são um mistério que vai sendo desvelado aos poucos. A revelação inclui o fato de ele ser detentor de uma tecnologia superior à conhecida. Uma parte mais dramática está nos ataques fatais promovidos por uma espécie de monstro invisível. Enfim, Morbius revela ter acesso à tecnologia dos Krells, alienígenas que uma vez controlaram Altair-4, mas que agora estão desaparecidos.

Tanto filme quanto livro desenvolvem por meio de ícones da FC um argumento evolucionário, preocupação muito própria do gênero: o disco voador e o robô apontam imediatamente para uma tecnologia superior à nossa, assim como conceitos radicais como a viagem e a comunicação mais rápidas que a luz. Quando a tecnologia dos Krells, capaz de multiplicar a inteligência e criar matéria complexa pela força do pensamento, é visualizada, ela imediatamente se mostra ainda mais distante em uma linha de evolução civilizatória. A escala é, talvez, “stapledoniana” (referência ao autor britânico Olaf Stapledon), e inteiramente fascinante. Assim como a conclusão e as revelações em torno do “Monstro do ID”, em uma “mensagem” que se casa perfeitamente com a era das maravilhas sombrias do pós-guerra, que incluíam grandes avanços nos transportes, na medicina e na computação, mas também a ameaça das armas nucleares. A sabedoria científica e o poder técnico avançam de maneira desigual, em relação ao avanço moral da espécie. Os Krells fatalmente carregaram com eles, na sua utopia técnica, um inconsciente tão primitivo e violento quanto o Dr. Morbius — e nós mesmos. Algo do mise-en-scène e dos McGuffins lembra Jornada nas Estrelas, e é sabido que Planeta Proibido foi uma influência sobre a criação de Gene Roddenberry. O filme foi consideravelmente além daquilo que o cinema de FC de então era capaz de realizar. A par com isso, o livro de Stuart vai, tanto na estrutura quanto na atenção aos detalhes, além do que se esperaria de um simples romance atrelado ao filme.

 

Patrulha para o Desconhecido, de Roberto de Sousa Causo. Pontes Gestal, SP: Plutão Livros, Coleção Ziguezague, 1.ª edição eletrônica, dezembro de 2019 [1991], 519kb. Prefácio da coleção por Ana Rüsche. Posfácio do autor. No posfácio deste e-book da Plutão Livros, recordo as situações em torno do Prêmio Jeronimo Monteiro, realizado em 1990-91 pela Isaac Asimov Magazine, e que resultou na minha colocação em terceiro lugar e a publicação desta noveleta de ficção científica no número 14 da revista. Esse foi o primeiro concurso nacional de histórias de FC, recebendo 444 trabalhos de 17 estados brasileiros. Roberto Schima ficou em primeiro lugar, com o conto “Como a Neve de Maio”, e Cid Fernandez em segundo, com a noveleta “Lost”, uma space opera. Outros trabalhos que foram submetidos ao Prêmio Jeronymo Monteiro acabaram aparecendo nas páginas da revista, embora como submissão direta, sem vinculação com o concurso. Os jurados foram Jorge Luiz Calife, José dos Santos Fernandes e Luiz Marcos da Fonseca, então presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica.

Em Patrulha para o Desconhecido, que tem aqui a sua primeira publicação em livro — e a sua primeira republicação desde que apareceu na IAM — uma patrulha de pracinhas brasileiros se depara com uma aldeia isolada nos Apeninos, durante as operações da Força Expedicionária Brasileira na Itália, como parte dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. É um lugar habitado por uma estranha população silenciosa, que os brasileiros resolvem proteger quando, na mesma ocasião, surge ali uma força de soldados alemães. A noveleta ganhou o Prêmio Nova de Melhor Ficção Curta Nacional no ano seguinte.

 

Arte de capa de Charles Andres.

The Bruiser, de Jim Tully. Nova York: Bantam Books, 1946 [1936], 294 páginas. Arte de capa de Charles Andres. Paperback. É duro de acreditar, mas os esportes já foram um gênero literário, com revistas pulp próprias, de contos e romances serializados. Mais tarde, acabou reabsorvido pelo mainstream — mas sobrevive como gênero no mundo vibrante da cultura popular japonesa, aparecendo em mangás e animes. Essa tensão entre o mainstream e a percepção de gênero já estava presente na era das pulp magazines. Ernest Hemingway, por exemplo, conta que foi convidado para aparecer nas revistas especializadas depois de publicar contos sobre esportes, mas recusou pra não ficar marcado. Na lógica da ficção de gênero, é fácil ver nas diversas modalidades desportivas os subgêneros desse gênero maior.

O boxe é o meu esporte favorito, e ao longo dos anos li histórias sobre ele escritas por Hemingway, Jack London, Arthur Conan Doyle, John O’Hara, Thom Jones, Joyce Carol Oates, Ignácio de Loyola Brandão, Henrique Matteucci, Lucius Shepard e vários outros, tendo até publicado o meu próprio: “O Bêbado de Pancada” (na revista Playboy N.º 255, com o título de “A Moça que Veio Depois do Último Round”, 1993). Mas como seria ler um romance de boxe da época das revistas pulp? A resposta veio quando achei num sebo da vida este The Bruiser, cuja edição de 1946 coloca o livro bem no início da paperback revolution, mas que teve edição em capa dura de 1936. Tudo indica que não foi serializado antes disso, fato que me pareceu raro até eu descobrir que Tully já era um nome importante da literatura americana, quando o livro saiu pela primeira vez. Sua vida é a de um homem de origem pobre, filho de emigrantes, com passagem por orfanato e pela vagabundagem pelas estradas de ferro — situações que dramatizou em seus romances —, até se tornar um respeitado colunista de Hollywood (coisa rara) e um romancista de sucesso.

Arte de capa de Fred Rodewald.

A competente arte de capa de Charles Andres não tem uma técnica apurada, mas tem boa atmosfera e uma composição de movimento contido que casa bem com o conteúdo do livro: o louro troncudo avança dentro do golpe desferido pelo adversário para aplicar um “direto de oito polegadas”. Técnica perfeita. A arte da edição original em hardcover, feita por Fred Rodewald (1905-1955 — artistas pulp morriam cedo…), também é básica e bonita, extraindo sua força da angulação das figuras.

Na abertura do livro, um rapaz branco e um negro enfrentam um dia chuvoso, numa série de pequenas situações que hoje seriam vistas  politicamente incorretas — talvez até abafando junto a um leitor judicioso demais, a profunda solidariedade existente entre eles. Ambos vivem na estrada, pegando carona em trens de carga, uma atividade sempre reprimida com violência (quem se lembra do filme de Robert Aldrich, O Imperador do Norte, com Lee Marvin e Ernest Borgnine?). O jovem negro é um lutador chamado Torpedo Jones, mas a história acompanha o outro, Shane Rory e como ele foi construindo uma carreira usando um truque ou outro — como forjar clippings de jornais sobre suas “vitórias” — para conseguir lutas em diversos pontos dos EUA. Chama a atenção de um treinador veterano que o prepara, em termos técnicos e empresariais, para ser um pugilista de melhores oportunidades.

Sua escalada inclui uma refrega especialmente dura com Torpedo Jones, também transformado em lutador de classe mundial. A certa altura Rory sofre uma derrota e uma mandíbula quebrada, e conhece um lutador que esteve no topo mas hoje sofre sequelas cognitivas. Isso assusta Rory mais do que tudo. Meio que atordoado, volta para a estrada e para as suas origens, reencontrando-se com a filha do homem que lhe deu uma primeira chance de trabalho, antes de ele cair na estrada. O amor se infiltra em sua vida, e é duramente reprimido pelo empresário. Retornando ao camp em que treinava, Rory se dedica à retomada e à luta pelo título, sem saber que, tendo acompanhado o seu dilema, um jornalista especializado arranjou o reencontro com a garota. Essa é a principal reviravolta do romance, seguida de uma segunda — Rory declara imediatamente que vai pendurar as luvas. Cede o título ao amigo dos tempos de vagabundagem, o negro Torpedo Jones. Nem sei se as regras do boxe da época permitiam ao campeão abdicar em nome de um colega específico, mas Jones devia estar no topo do ranking da categoria. De qualquer modo, o mito da “grande esperança branca” (expressão criada anos antes por Jack London) é atenuado em Bruiser, assim como o do sonho americano e do self-made man. Rory conseguiu o que queria mas preza a sua massa cinzenta e o trabalho honesto o suficiente para voltar à fazenda da amada. Jim Tully lutou boxe como peso leve, mas eu suspeito que o jornalista sentimental (outro clichê enfraquecido: o jornalista cínico) é mais o seu alter ego do que o vitorioso Rory. Parte do encanto do boxe vem de possuir uma história que os fãs costumam conhecer, das suas vinculações proletárias, e de uma espécie de autodisciplina de constituição do corpo e da mente que não tem formulação filosófica, mas que está lá. Tudo isso Tully evoca com um estilo despretensioso que alterna, num ritmo todo próprio, uma prosa telegráfica de jornalismo esportivo com diálogos extensos ou descrições elaboradas, quase poéticas, que surpreendem pela emoção que despertam. Os poucos especialistas em sua vida e obra veem em Tully o precursor do estilo hard-boiled, antes dos suspeitos usuais: Dashiell Hammett e Hemingway. Uma descoberta.

 

Campeão mundial dos pesados, Jack Dempsey teve revista com o seu nome, aqui publicando Robert E. Howard, que teve uma série de histórias sobre boxe centrada no Marinheiro Costigan. A capa mostra a versatilidade do artista Earle K. Bergey (1901-1952) que pintou pin-ups e fez muita arte de ficção científica.

 

Art de capa de Ron Manoney.

Tad Williams’ Mirror World, anônimo, ed. Nova York: HarperPrism, 1.ª edição, 1998, 170 páginas. Arte de capa de Ron Mahoney. Hardcover. Mais um livro da linha “Illustrated Novel” (romance ilustrado) da HarperPrism, que soava mais como pitching para conceitos que pudessem se tornar properties substanciais no cinema, TV ou jogos. Nem por isso deixou de trazer resultados interessantes e sugestivos. Tad Williams é o autor de O Trono de Dragobone (The Dragonbone Throne), romance de alta fantasia publicado no Brasil pela Editora Siciliano em 1989 — bem antes da fantasia alavancar o mercado editorial. Este Mirror World é baseado em uma série de quadrinhos escrita por ele e publicada nos States pela TechnoComics. Talvez por isso muitas das situações pareçam remeter a fatos anteriores. O livro foi adquirido na saudosa Terramédia, antes de ela se tornar a Omniverse.

A premissa é a da descoberta de um mundo que se comunica com o nosso através de portais transpostos por indivíduos especialmente selecionados por suas capacidades físicas, mentais e paranormais induzidas por uma tecnologia biológica. A seção “Biotrooper Dossier” traz a descrição daqueles que figuram no livro, sob forma de fichas que convidam a imaginar esse universo ficcional desenvolvido como videogame ou RPG. Como acontece no outro “romance ilustrado” que já comentei, Margaret Weis’ Testament of the Dragon, há no livro uma novela, uma noveleta e um conto, intercalado com seções explicativas, tudo bem ilustrado. Escrita por Mark Craighbaum, “Mirror in Time” abre o livro, ilustrada por Ron Mahoney, artista cujos desenhos têm, em geral, mais força que suas pinturas. A novela coloca o herói Dancer contra um colega biotrooper de outros carnavais, alguém que perdeu o controle dos seus dons paranormais e se tornou um tirano, com o interesse amoroso de ambos imprensada entre eles. A força da narrativa de Craighbaum está no seu poder descritivo e na dinâmica dos relacionamentos.

“Serpent in the Garden” foi escrito por John Helfers e ilustrado por Robin Cline, um virtuoso do grafite que produziu artes monocromáticas consistentes e sedutoras. A história começa com um jovem sendo resgatado da tortura do regime, para, aos poucos, reencontrar-se com sua condição de biotrooper e ajudar a comunidade que o abrigou a livrar-se de um colega animalizado e homicida. A cadência narrativa é mais lenta e o foco está na comunidade. Também ilustrado por Cline, “Childhood’s End”, escrito por Michelle West, parece se nutrir do mesmo foco da história anterior, para tratar, com mais sentimento, de uma figura estranha em outra comunidade. É obviamente um biotrooper que também perdeu seu sentido de missão, e precisa controlar seus impulsos violentos a fim de proteger as crianças que o encantaram e que representam sua inocência perdida, e o seu lugar na comunidade. “Pilgrim’s Progress”, a seção final, finge ser um diário de explorações, com direito a anotações e desenhos de naturalista (não creditados). Como nada que é tecnológico ou artificial pode passar pelos portais (até mesmo obturações e implantes odontológicos), o que temos efetivamente em Mirror World é uma fantasia de transferência ou de portal.

 

Screening Space: The American Science Fiction Film, de Vivian Sobchack. New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 3.ª edição, 1999 [1997, 1980], 346 palavras. Trade paperback. M. Elizabeth Ginway inspirou-se muito neste livro da estudiosa de cinema Vivian Sobchack, então na University of California em LA, para escrever o seu Ficção Científica Brasileira: Mitos Culturais e Nacionalidade no País do Futuro (2004). Publicado o seu livro, Libby me presenteou com o seu exemplar do livro de Sobchack. É, na verdade, a edição aumentada de The Limits of Infinity: The American Science Fiction Film (1980), reescrito depois que a autora entrou em contato com o trabalho do crítico marxista Fredric Jameson. Eu já o vinha consultando ao longo dos anos, mas agora resolvi ler tudo, para me preparar para a conversa no Cine Clube Sci-Fi do Centro de Pesquisa e Formação do SESC, coordenado por Sabrina Paixão. Forbidden Planet, o assunto da atividade, está até na capa do livro.

No primeiro capítulo, Sobchack traça as fronteiras do gênero a partir de definições propostas por escritores, editores e críticos do cinema de FC. Também discute a aproximação, tão própria do cinema americano, entre os gêneros horror e ficção científica, vistos por ela como expressão de uma perturbação da ordem natural (o horror) e de uma perturbação da ordem social (a FC). O insight é interessante e a autora o explora com consistência admirável, ao discutir um rol impressionante de produções e argumentar que muitos filmes de monstro são mais propriamente filmes de FC. O segundo capítulo trata do que as imagens da FC expressam, ângulo que oferece muito da crítica específica de cinema, com ideias que Libby Ginway certamente explorou na sua argumentação sobre a iconografia da FC. Na mesma linha, o capítulo seguinte explora o fator som nos filmes. Extenso, o último capítulo é um adendo a esta edição. O título, “Postfuturism” (pós-futurismo), e o texto exploram o embricamento entre a projeção ficcional do futuro da tecnologia, a presença da tecnologia na realização dessa projeção nos filmes, e a presença da tecnologia nas nossas vidas. É o capítulo mais influenciado por Jameson, e há de se lamentar que Sobchack sentiu a necessidade de imitar o estilo retorcido dele. O livro foi um intenso regresso a muita coisa que vi na infância e adolescência (os últimos filmes que ela aborda estão na era de ouro dos anos 1980), estimulado pelas muitas fotos em preto e branco com comentários agudos e pertinentes, e iluminado por um conhecimento erudito e arguto sobre a sétima arte.

—Roberto Causo

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