Tag Arquivo para ficção científica

Chernobyl

Roberto Causo discute a minissérie da HBO Chernobyl, grande ganhadora do Emmy 2019

 

CHERNOBYL

 

 

Eu tinha 20 anos, quando aconteceu o desastre nuclear de Chernobyl, uma palavra que entrou para a história do mundo. Me lembro do quanto ele foi discutido na imprensa, e de que até no Brasil houve repercussões, como o bloqueio da importação de leite em pó de países escandinavos, e a venda recomentada de iodo nas farmácias. Uma ninhada de gatos que foi parar lá em casa um ou dois anos depois foi batizada de “filhotes de Chernoby“, todos frágeis e estranhos, tendo sobrevivido apenas o Pirata, que nasceu sem o olho direito mas cresceu como um bicho extremamente determinado e agressivo, a ponto de espalhar os seus genes lesados por algumas gerações de gatinhos.

O assunto “desastre nuclear” já havia surgido no meu horizonte de interesses porque eu era fã de ficção científica há algum tempo em 1986, quando explodiu o gerador de Chernobyl, e o filme Síndrome da China (The China Syndrome) — ele mesmo inspirado em um acidente anterior na usina de Three Mile Island, nos Estados Unidos — havia chamado a atenção dos fãs de FC. Dirigido por James Bridge, o filme é de 1979. Mais tarde eu me corresponderia com o escritor americano de ficção científica Gene Stewart, cujo pai, segundo ele, teria morrido em consequência dos efeitos da radiação que escapou da usina americana.

Em Síndrome da China, uma dupla de jornalistas (Jane Fonda e Michael Douglas) investiga um incidente ocorrido na usina nuclear que eles visitavam, e com a ajuda de um funcionário da empresa que administrava a usina (Jack Lemmon), escancara o acobertamento do incidente. Em parte, portanto, a corrupção é o tema do filme.

Logo depois do desastre nuclear soviético, o escritor americano de ficção científica Frederik Pohl publicou o seu romance mainstream Chernobyl, em 1987, dramatizando os trágicos eventos.

Lembro que o Brasil possui usinas nucleares: Angra 1, 2 e 3 (esta, ainda em instalação). O país produz o complicado lixo nuclear, sempre difícil de dispor e acondicionar. Obviamente, considerando que desastres nucleares já aconteceram nos EUA, Ucrânia e Japão (Fukushima, em 2011), a presença dessas usinas inspira preocupação.

De fato, nós também já tivemos o nosso desastre nuclear — o do Acidente Radiológico de Goiânia em 1987, em que uma cápsula de césio-137 foi rompida a marretadas e o conteúdo brilhante usado como brinquedo por crianças e adultos. O nosso desastre é, desse modo, apropriadamente tupinipunk, quer dizer, redutor do glamour da alta tecnologia e expressão da ignorância do povão e da irresponsabilidade empresarial e governamental. Não é à toa que apareceu como datação do “Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira” do colega Ivan Carlos Regina, primeiro publicado no fanzine Somnium, em 1988.

É bem possível que um outro acidente tenha ocorrido ainda antes desse, pois eu soube por uma fonte próxima, que, quando ela era estudante de medicina, um dos seus professores, ele mesmo um dos nossos poucos especialistas nos efeitos da radiação no organismo humano, teria confidenciado que tratara um técnico atingido por vazamento em Angra.

Levei algum tempo para entender que as preocupações ambientais da minha juventude haviam evoluído para me tornar um socialista verde não-marxista. A “parte verde” faz de mim um opositor ao uso da energia nuclear, algo que tem sido a plataforma do Partido Verde mundo afora. No Brasil, o jornalista, ex-guerrilheiro e político fundador do Partido Verde no país, Alfredo Sirkis, satirizou o fetiche de potência sexual em torno da energia nuclear no seu romance tupinipunk Silicone XXI (1985).

Arte de capa de Benson Chin.

Eu mesmo, em minha noveleta tupinipunk “Vale-Tudo” (2010), tratei de uma sabotagem da Central Nuclear de Angra levando a uma crise ecológica e ao caos social no Sudeste Brasileiro, dando espaço para manobras políticas especialmente cruéis. Não é preciso, porém, apelar para uma  sabotagem de Angra para se apontar o quanto a energia nuclear é uma ideia ruim. Basta lembrar que este é um país que contingencia recursos da saúde, da educação, da defesa e da infraestrutura sempre que é conveniente. Onde estão as garantias de que os recursos para a manutenção das usinas e para a evacuação em caso de acidente não serão contingenciados? Além disso, lembrando do tema da corrupção em Síndrome da China, também aponto que a Eletrobras Eletronuclear já foi vítima da corrupção corriqueira entre agentes públicos e empreiteiras e fornecedores (como a Lava Jato explicitou). E ninguém se preocupou em garantir à opinião pública que a corrupção na empresa “criada em 1997 com a finalidade de operar e construir usinas termonucleares no Brasil” não afetou a segurança da operação das usinas existentes, nem se avaliou que riscos a corrupção pode ter trazido à sua manutenção.

 

 

A minissérie Chernobyl, criada por Craig Mazin e exibida pela HBO foi um gol de placa. Trouxe a polêmica de volta em uma produção com elementos estéticos de documentário e filme independente, com uma sólida atmosfera de horror que também parece  crua e naturalista. A produção foi elogiada pela crítica e há pouco, conquistou 10 Prêmios Emmy, inclusive o de Melhor Minissérie.

O primeiro episódio abre com um cientista russo cometendo suicídio no aniversário do desastre. A minissérie então mergulha num longo flashback que explica como esse cientista, Valery Legasov — interpretado pelo brilhante ator inglês Jared Harris —, foi parar no controle de danos do desastre de Chernobyl. Ao abrir a boca com alarme, durante uma reunião com o dirigente máximo da União Soviética de então, Mikhail Gorbachev (David Dencik), ele é selecionado para ir até a Ucrânia e avaliar in loco o tamanho da merda. A ordem improvisada dada por Gorbachev equivale a uma pena de morte. Depois de grudar no burocrata Boris Shcherbina (Stellan Skarsgård, em outra atuação primorosa), durante uma discussão, Legasov diz que ele próprio e Shcherbina estarão mortos em cinco anos. A grande questão naquele ponto era evacuar ou não a cidade ucraniana de Pripyat. A hesitação teria sido motivada pela intenção de evitar o pânico e a propaganda negativa que cairia sobre a União Soviética.

Várias falas, proferidas com espantosa ausência de cerimônia, proclamam a necessidade de manter a imagem do poderio tecnológico soviético, e o papel inerte da população. Para além da necessidade de promover a aura utópica da URSS, a produção investe no clima de paranoia estabelecido pelo regime. A todo instante, os envolvidos pesam suas falas perante a possibilidade de prisão e até mesmo de execução pelas autoridades acima deles na cadeia alimentar. O serviço secreto soviético, a KGB, é mencionada, e, já perto do final, Legasov é conduzido a uma entrevista com o chefe da KGB — em uma sala com paredes cobertas de ladrilhos e um ralo no centro, para, presumivelmente, escoar o sangue dos torturados.

Salta aos olhos, em primeiro lugar, as atuações mínimas e secas, extremamente competentes dos principais atores. E em segundo lugar, o tratamento naturalista da cinematografia e do estilo de direção. Em uma era dominada pelas supercâmeras digitais HD e por efeitos especiais gerados por computador que dão a tudo aquela pátina própria da estética dos videogames, é bom saber que o naturalismo ainda tem lugar, demonstrando a sua força expressiva. Em Chernobyl, essa qualidade sublinha a angústia das situações e ampara a cuidadosa reconstituição de época, meio ambiente e arquitetura da época. A série foi filmada majoritariamente na Lituânia, o que valorizou, com certeza, o tom documental da série, muito amparado pelo naturalismo.

Desse modo, o espectador observa primeiro o drama do combate ao incêndio que se seguiu à explosão do reator nuclear RBMK durante um teste. Mais tarde, à evacuação dos moradores da zona de exclusão estabelecida depois que a liderança soviética aceitou as dimensões do desastre. É especialmente interessante que um dos episódios mais escruciantes tenha sido aquele que acompanha uma pequena equipe de reservistas designados para exterminar animais domésticos deixados para trás com a evacuação. Mais uma vez, o naturalismo não apenas evita qualquer pieguismo de uma situação que o senso comum sugeriria ser tão menor do que o drama da perda do lar e do modo de vida dos cidadãos do lugar, como torna o episódio um dos pontos fulcrais da agressão nuclear à natureza e à vida. O ator irlandês Barry Keoghan — destacado antes por sua atuação no filme de guerra de Christopher Nolan, Dunkirk (2016) —, está ótimo em sua interpretação contida do jovem reservista Pavel, equilibrado pela performance mais expansiva do libanês Fares Fares, fazendo o veterano Bacho.

Quando a narrativa desemboca em um drama de tribunal, acompanhamos uma reconstituição factual e científica — outro fato espantoso, considerando o quanto as explicações científicas são evitadas pelo audiovisual mundo afora, mesmo em produções de ficção científica. Nesse ponto, com a reprodução das situações na sala de controle da usina, a dinâmica entre os técnicos se destaca tremendamente. Aí a série perdeu uma grande oportunidade de apresentar ao espectador mais dessa dinâmica, também científica em sua natureza. É claro, ela não poderia repetir as mesmas situações, mas ficamos sabendo que a personagem de Emily Watson, Ulana Khomyuk, é na verdade composição de vários cientistas que acompanharam o controle de danos da usina. Haveria aí espaço para mais dessa dinâmica instigante. A opção dos produtores deve ter buscado diminuir custos e tempo de exibição. Afinal, Chernoby foi exibido semanalmente entre os dias 6 de maio e 3 de junho de 2019, totalizando apenas cinco episódios.

Quanto ao drama de tribunal, ele atribui culpas e papéis individuais no desastre. O supervisor Anatoly Dyatlov (Paul Ritter) conduziu o teste forçando a barra para além dos limites de segurança e contra os alertas dos técnicos. Ele queria realizar o teste sem interromper o fornecimento de energia para indústrias locais, tendo em mente a promoção que receberia, se fosse bem sucedido. Mais tarde, segundo a minissérie nos conta, Dyatlov e seus superiores também subestimaram a quantidade de radiação que escapava do reator para a atmosfera. Burocratas manipulando dados para garantir objetivos pessoais e institucionais, sem muita consideração pelo povo ou pelo meio ambiente.

No seu depoimento final, durante o julgamento, o personagem Valery Legasov arrisca a vida para denunciar, perante as autoridades do regime, um fato simples: são as mentiras que levam ao desastre e às mortes. Além das maquinações dos burocratas, os problemas do reator RBMK já eram conhecidos previamente, mas os responsáveis pelo seu exame crítico temiam serem punidos pelo regime, e o abafaram. Certamente, o regime totalitário soviético era muito adepto da mentira. Afinal, aqueles ainda eram os tempos da guerra fria e sua intensa disputa ideológica entre comunismo e capitalismo. O desastre nuclear de Chernobyl e os custos empenhados no seu enfrentamento (cerca de 36 bilhões de dólares, na época), agregados aos custos da Guerra do Afeganistão (1979-1989), ajudaram a acelerar o fim da União Soviética em 1991.

 

 

A mentira como recurso de estado é uma constante e provavelmente nunca irá desaparecer. Nem por isso certas mentiras deixam de ser contraproducentes e lesivas em uma escala que determina a necessidade de serem combatidas, dentro e fora dos governos. Para além, portanto, do caráter histórico da minissérie Chernobyl, para quais questões contemporâneas podemos direcionar a sua mensagem contra a mentira sistemática das burocracias e dos governos, nesta nossa era da pós-verdade?

O desastre de Chernobyl foi uma catástrofe potencialmente global. A catástrofe global que já se apresenta em nosso momento é o aquecimento do planeta e o consequente agravamento do clima. O fenômeno tem sido negado por burocratas, cientistas e políticos. No Brasil, os meteorologistas mais ligados ao negacionismo do aquecimento global são os professores Luiz Carlos Molion e Ricardo Felício — um a serviço de interesses escusos do agronegócio, tendo aparecido várias vezes na BandNews afirmando saber mais que o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas; o outro, a serviço de uma visão desenvolvimentista apressada e irresponsável, afirmando não apenas saber mais, mas também que as conclusões do painel seriam um complô dos países desenvolvidos contra aqueles em desenvolvimento, como o Brasil, para mantê-los subordinados um argumento levantado também por Molion. É claro, eles não mencionam que o próprio Brasil faz parte do painel, assim como dezenas de outros países subdesenvolvidos — nem como, até hoje (o painel foi criado em 1988), ainda não apareceu ninguém de dentro denunciando o tal complô.

Tais impertinências foram extremamente turbinadas pelo governo americano sob a presidência de Donald Trump, ganhando muita força entre a nova direita internacional — segundo matéria recente da revista The Economist, por exemplo. Essa é outra prova de que os resultados do IPCC não são uma conspiração dos ricos contra os pobres, já que os Estados Unidos, que têm a negação do aquecimento global praticamente como política oficial do Partido Republicano, estão na linha de frente do negacionismo.

Por aqui, as mentiras são do tipo “o Brasil é o país que mais protege as suas florestas” e “o problema do meio ambiente no Brasil não é o meio ambiente rural, é o meio ambiente urbano”. No desastre de Chernobyl, cientistas suecos foram os primeiros não-soviéticos a detectar a precipitação de partículas radioativas jogadas na atmosfera pela explosão do reator, e forçando as autoridades soviéticas a admitir o acidente. Aqui, o governo brasileiro, falando contra a ciência brasileira, negou os dados levantados por sensoriamento orbital, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais a respeito do aumento das queimadas na Amazônia.

São mentiras que vão pavimentar a destruição e as mortes que virão inevitavelmente com o agravamento do clima. Relatórios do IPCC avaliam que o mundo sofrerá prejuízos de 54 trilhões de dólares até 2040. Os gastos com o desastre de Chernobyl, muito menores em ordem de grandeza, ajudaram a levar a União Soviética à banca rota e à sua queda. Os gastos mundiais com o aquecimento global podem muito bem derrubar o capitalismo internacional e as democracias que se beneficiam dele. Todos, não importando a ideologia, têm interesse em enxergar a verdade e combater a mentira.

—Roberto Causo

Temos 6 comentários, veja e comente aqui

As Lições do Matador no Multiverso Pulp da AVEC Editora

Em 4 de setembro de 2019, o editor Duda Falcão divulgou os contos selecionados para a antologia Multiverso Pulp 2: Ópera Espacial, a ser publicada oportunamente pela AVEC Editora. Entre os selecionados está “Garimpeiros”, e Roberto Causo, conto pertencente à série As Lições do Matador.

 

“Garimpeiros” abre um novo ciclo das aventuras do oficial Jonas Peregrino, nas Lições do Matador. O novo ciclo, chamado por Causo de “Serviço Colonial“, é anterior aos dois ciclos já existentes, Pré-Retração Tadai (desenvolvido com a publicação de romances) e Pós-Retração Tadai (desenvolvido com noveletas publicadas em diversas antologias). Em “Serviço Colonial”, Peregrino é um jovem segundo-tenente iniciando sua carreira como o faz-tudo da Capitã Margarida Bonadeo, comandante do destróier NLA-91 Noronha da Esquadra Latinoamericana Colonial.

As situações de “Garimpeiros” foram mencionadas em um flashback de Peregrino em Glória Sombria: A Primeira Missão do Matador (Devir Brasil, 2013). No conto, essas situações são desdobradas e dramatizadas em sua totalidade: um grupo latino-americano de mineradores de asteroides recebe a tarefa punitiva e potencialmente fatal de trabalhar em um asteroide próximo demais do vento solar emitido por uma estrela muito ativa. Eles pedem socorro, e o destróier Noronha responde ao apelo. A Capitã Bonadeo envia o Tenente Peregrino para avaliar a situação, no mesmo instante em que naves de uma potência rival surgem no sistema para bloquear qualquer ajuda. Peregrino é forçado a lidar com o pânico dos mineradores — e com a malícia dos seus dirigentes.

Arte de capa de Fred Macedo.

Causo já havia publicado uma história das Lições do Matador com Duda Falcão e seu colega editor da Argonautas Editora, Cesar Alcázar, “Tengu e os Assassinos” (2013), parte do Ciclo Pós-Retração Tadai. Essa noveleta saiu na antologia Sagas Volume 4: Odisseia Espacial, da Argonautas (ao lado), dentro de um projeto semelhante ao Multiverso Pulp de Falcão com a AVEC. Inicialmente, o criador do Universo GalAxis imaginava que o Ciclo Serviço Colonial fosse desenvolvido futuramente como histórias em quadrinhos, mas o surgimento do projeto Multiverso Pulp ofereceu uma oportunidade boa demais para dar início ao ciclo.

Os colegas de Causo no livro serão os escritores Caliel Alves, Diego Mendonça, Mélani Sant’AnaOtávio Definski, Rafael Da Silva Fontoura, Tarcisio Lucas Hernandes PereiraTassi ViebrantzTiago Rech e o próprio Duda Falcão. A relação completa dos textos selecionados para a antologia original Multiverso Pulp 2: Ópera Espacial você encontra aqui. Note a arte de capa de Fred Macedo, no melhor estilo quadrinhos de aventura e ficção científica, e com um traço fino que lembra o do mestre brasileiro Watson Portela e com o aspecto vintage do artista americano Michael Kaluta. Macedo foi o capista das antologias da série Sagas, na Argonautas.

 

 

Nova arte de Fred Macedo, num ensaio de capa usado na divulgação dos autores selecionados.

 

Sem comentários até agora, comente aqui!

Conto Futurista de Roberto Causo no “EstadãoQR”

O conto “No Santuário”, de Roberto Causo, foi publicado em julho de 2019 no site EstadãoQR de O Estado de S. Paulo (especificamente na seção “EurecaQR“) juntamente com seis destacados escritores brasileiros de ficção científica.

O convite para a publicação partiu do jornalista Felipe

“Como os autores de ficção científica brasileiros acham que será o futuro?”

 

Trata-se de um desafio muito interessante, que toca em uma das principais funções da ficção científica como gênero literário — provocar o pensamento do futuro. A introdução de Felipe Laurence e as chamadas para cada um dos contos estão aqui. Na página de cada conto há também o acesso para uma versão podcast. Há uma certa ironia no mote do projeto ter sido as “inovações tecnológicas da Quarta Revolução Industrial” e no fato de que os contos serem “lidos” por um conhecido software de voz.

A chamada para o conto de Causo, que imagina o futuro do Brasil em quinze ou vinte anos mas com um olhar firme sobre o presente, lê: “Duas pessoas muito diferentes, em termos políticos e sociais, se encontram em um espaço especial para descobrirem quais diferenças podem ser deixadas de lado num plano secreto para mudar o mundo e evitar o último estágio da automação.”

Leia um trecho de “No Santuário”:

Nathaima Flavre deixou a plataforma do Metrô Alto do Ipiranga e subiu três monótonos lances de escada rolante até a saída. Vinha da periferia de São Paulo, não conhecia o bairro. Sabia apenas que tinha mais de um quilômetro a percorrer, até chegar ao local da entrevista de emprego. Consultou as opções de transporte autônomo no seu smartphone.

Desde que ganhara corpo, desistira do Uber como opção. Tinha as formas de uma deusa africana, como os amigos diziam, e cansara do assédio dos motoristas. Verificou que havia muitos carros elétricos rodando no bairro. Poucos do tipo rat, mas preferia esperar o veículo sem muito acabamento e de menor pegada ambiental, do que os modelos futuristas cheios de plástico e pinturas custosas. O app sócio-ambiental SociAmb também lhe dizia quais grupos demográficos eram mais atingidos pela sua escolha. Ao não escolher o transporte com motorista, espetava os homens brancos entre 28 e 50, justamente o grupo mais conservador e reacionário.

Nathaima guardou o smartphone na bolsa e sorriu, não sem culpa. Sentia que agir como se pertencesse a um grupo de pressão sem de fato fazer parte de uma entidade organizada parecia diluir a força política dos seus atos. Cheirava ao simples ventilar de ressentimentos. Mas agir como uma força individual de correção não era exatamente o que se exigia da pessoa consciente?

Mais tarde, o carro chegou. Com piados digitais, estacionou do outro lado da rua. Nathaima conferiu o número, pintado na lateral e semi-encoberto por pichações, e foi até ele. Havia isso. Quando pior fosse a aparência de novo e bem-cuidado, maiores as chances do veículo ser alvo de pichação. Mas este rat em particular tinha as células solares descobertas e limpas, e pneus em bom estado. Ela entrou. Já tinha o smartphone na mão com os dados do endereço de destino. Pressionou aparelho contra o painel receptor e pôs o dedo no ícone de confirmar na touchscreen. Não gostava de comandos vocais — sentia-se uma tonta que falava sozinha. Seus pais diziam que a tia Sophie costumava falar sozinha porque nunca se adaptara à vida no Brasil e ao português. Nathaima não queria ser esquisita como a tia Sophie… O carro partiu.

Elétricos autônomos costumavam rodar a 15 % da velocidade limite. Na capota havia um pequeno painel de LED que informava isso aos outros veículos. Os mais apressados contornavam o rat com a buzina raivosa dirigida à passageira. Para não pensar no buzinado constante, ela usou o bluetooth para linkar o seu phone com a tela de brilho superior no painel do carro. Conferiu as notícias. Sua atenção maior foi para a cobertura dos trabalhos da Comissão da Verdade do Ecocídio de 2019 a 2024. A corrupção ativa do lobby ruralista era o foco. Impressionante, mas o patriarcalismo descarado pulsava em declarações muito repetidas pelos oligarcas rurais de que “a terra era deles e faziam o que queriam com ela”. “É minha pra botar fogo, se eu quiser…” “O direito à propriedade está acima das regulações…”

Felizmente, tanta arrogância só os fazia enrolar ainda mais a corda no pescoço. Pelo menos junto aos observadores internacionais e às ONGs da área, que exigiam cabeças e reparações. O confisco das terras desses autoritários seria o ideal, na mente de Nathaima e na de muita gente. A melhor reparação seria converter boa parte das terras confiscadas em reservas para sequestro florestal de carbono. Alguns ruralistas até confessaram que a agressividade do lobby naquele período negro da história do Brasil havia trazido uma insegurança jurídica insustentável para o setor, depois que o ecocídio fora confirmado pela ONU.

O especial foi produzido pela equipe do 9º Curso Estado de Jornalismo Econômico., parte de um programa que o Grupo Estado desenvolve para o treinamento específico para jovens repórteres.

A íntegra de “No Santuário” você acha aqui.

Sem comentários até agora, comente aqui!

“Mestre das Marés” É Finalista do Prêmio Odisseia

Aconteceu no dia 25 de agosto a cerimônia de revelação e entrega do Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica 2019, parte do evento que tem o mesmo nome e que acontece desde 2013 na cidade de Porto Alegre. O romance Mestre das Marés foi um dos finalistas da categoria Narrativa Longa Ficção Científica.

 

O encontro de autores e fãs de ficção científica e fantasia Odisseia de Literatura Fantástica foi criado em 2013 pelos escritores Duda Falcão, Christian David, Cesar Alcázar e Christopher Kastensmidt, inspirado no Fantasticon, de São Paulo, fundado pelo editor Silvio Alexandre. Sempre com uma aura democrática e aberta, a Odisseia já teve convidados internacionais e reúne gente do Brasil todo.

Neste ano, os organizadores decidiram criar um prêmio anual para a produção nacional de ficção especulativa, escolhendo o melhor dentre os inscritos, todos publicados originalmente no ano anterior. As categorias são várias e dão o melhor instantâneo possível dessa produção. O prêmio foi entregue no último dia (25 de agosto) da VI Odisseia de Literatura Fantástica.

Fotografia de Daniel Folador Rossi.

Mestre das Marés, o segundo romance da série As Lições do Matador, lançado em 2018 pela Devir Brasil, foi um dos três finalistas na categoria Narrativa Longa Ficção Científica. O autor Roberto Causo foi representado na cerimônia de entrega por sua agente literária, Gabriela Colicigno, da Agência Magh. O livro que ganhou nessa categoria foi o elogiado romance Corrosão, de Ricardo Labuto Gondim. Causo ficou muito feliz, de qualquer modo, com o status de finalista na primeira edição da nascente premiação.

Veja abaixo a lista de ganhadores e de finalistas (fonte: FCBlog).

 

Narrativa LONGA Literatura Juvenil
Ana Lúcia Merege – Orlando e o Escudo da Coragem – Editora Draco.
Juliana Feliz – As Cinzas de Altivez – Midiograf.
Miriam N. Dohrn – Detektis – SGuerra Design.

Narrativa LONGA Horror
Carolina Mancini – Nihil – Editora Estronho.
Danilo Correa – Sob a Escuridão – Cervus Editora.
Pablo Amaral Rebello – Peixeira & Macumba – Independente.

Narrativa CURTA Horror
Isabor Quintiere – Madres – Editora Escaleras.
André Balaio – O Lado de lá – Editora Patuá.
Marcelo Augusto Galvão – Sombras no Coração – Independente.

Narrativa LONGA Ficção Científica
Ricardo Labuto Gondim – Corrosão – Editora Caligari.
Luiz Mauricio Azevedo Silva – Pequeno Espólio do Mal – Editora Figura de Linguagem.
Roberto de Sousa Causo – Mestre das Marés – Editora Devir.

Narrativa CURTA Ficção Científica
Saulo Adami – A Invasão dos Macacos – Editora DTX.
Alexandre Veloso de Abreu – A Necronauta – Editora Scriptum.
Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira – Oneironautas – Editora Patuá.

Narrativa LONGA Fantasia
Paola Siviero – O Auto da Maga Josefa – Dame Blanche.
Simone Saueressig – De Ferro e de Sal – Independente.
Yasmim Naif Amin Mahmud Kader – Caçada às Estrelas da Noite: Sob o Céu da Noite Eterna I – Independente.

Narrativa CURTA Fantasia
Gabriel Cianeto – Oceano Sorvete de Uva – Editora Multifoco.
Deise Soares Ferraz de Vargas – A Ponte de Paladinos – Independente.
Marcelo Bighetti – Sacrifício Consumado – Independente.

Roberto Causo agradece a Gabriela Colicigno por representá-lo no evento, e a Daniel Folador Rossi pela autorização para o uso da sua fotografia.

Sem comentários até agora, comente aqui!

“Glória Sombria” Tem Edição em e-Book

Glória Sombria agora em versão e-book!

 

Arte de capa de Vagner Vargas

O primeiro livro da série As Lições do Matador recebeu em julho de 2018 a sua primeira edição eletrônica. Glória Sombria: A Primeira Missão do Matador mostra os passos iniciais do Tenente Jonas Peregrino na Esquadra Latinoamericana da Esfera, para onde foi transferido por interferência direta do Almirante Túlio Ferreira.

Chegando à Esfera, maior região em conflito da galáxia conhecida, Peregrino é encarregado de formar e treinar uma unidade secreta de operações especiais, que logo atrai a atenção hostil de autoridades que estão acima do próprio Almirante Túlio. Após resistir a uma primeira tentativa de invasão das instalações da unidade que ficaria conhecida como Jaguares, Peregrino e seus comandados recebem a sua primeira missão: preparar o terreno para uma grande operação militar que busca salvar uma colônia mineral estabelecida por uma civilização amiga, da aniquilação pelas naves-robôs dos misteriosos alienígenas tadais.

Glória Sombria: A Primeira Missão do Matador abre a série de space opera As Lições do Matador, e foi um romance finalista do Prêmio Argos de Literatura Fantástica, promovido pelo Clube de Leitores de Ficção Científica. A nova edição, pela Devir Brasil, mantém a bela ilustração de capa de Vagner Vargas, o mais experiente artista brasileiro de ficção científica, e corrige alguns problemas no texto da edição impressa, de 2013.

A edição em e-book está disponível na Amazon Brasil. Você pode ler uma prévia do livro aqui.

 

Sem comentários até agora, comente aqui!