Page 119 - Universo GalAxis Anual 2019
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PHOENIX TERRA
de mentirinha, cordas e mordaças aplicados contra os
moços e moças entregues a ele por Reisbaum. Talvez
assistisse a gravação de vez em quando, ou com fre-
quência, para reviver o prazer sentido durante a des-
truição daquele homem. Certamente, não esperava que
a justiça chegasse a ele. E de fato, a justiça da sociedade
legal não havia chegado.
Shiroma removeu o dispositivo do painel e subiu com
ele até onde jazia o cadáver de Ulias. Depositou o dis-
positivo em sua mão livre. Em seguida, de volta ao es-
critório, examinou o que a CPU da ciberjaqueta havia
desencavado. Salvou o que lhe pareceu interessante
para examinar mais tarde, em busca de alguma vanta-
gem que pudesse utilizar, e apagou todos os rastros de
suas comunicações com Borkien. Em seguida, desativou
todo o sistema de vigilância da casa e apagou todos os
registros de três dias locais.
Quando deixou a casa, o vento balançava os galhos das
árvores e a precipitação de esporos havia triplicado de
intensidade, flutuando em sua direção como as cinzas de
uma queimada distante. Parada diante do flutuador de
Elayne Reisbaum, Shiroma estendeu a mão e deixou que
os esporos se acumulassem em sua palma. Com o vento,
eles se moviam entre os dedos como se fossem vivos.
Com sorte, a polícia veria o ocorrido na casa como uma
luta entre dois homens pelos segredos arrancados dos
porões do passado de Torgo Borkien. Com sorte, para as
autoridades seria mais interessante anunciar o fim do
mistério sobre o desaparecimento de Carlos Kurak, do
que deslindar os dois pares de mortes ocorridos cen-
tenas de quilômetros um do outro. Talvez a International
Eporia University, que empregava Borkien, pressionas-
se para que o caso não fosse levado adiante — um de
seus quadros mais destacados, morto em uma possível
queima de arquivo, com outra figura suspeita, parte do
submundo mais degradante de Phoenix Terra.
Shiroma virou a mão, deixando os esporos flutuarem
ao vento. Olhou em torno, notou o lento alvorecer de
Phoenix Terra brilhando no horizonte. Tudo o mais pa-
recia em paz e o cometa não estava visível, talvez oculto
entre nuvens.
O que era esse lugar, esse planeta? O que era essa es-
tranha infecção? A cibermáscara pesava em seu rosto, PHOENIX TERRA
em sua cabeça, em sua nuca como um elmo importado
diretamente da Idade das Trevas. Não... não era a más- disponível na
cara, mas todas aquelas imagens, uma nuvem escura
pairando sobre ela.
Shiroma só removeu a máscara quando estava no ar,
pilotando o flutuador de Reisbaum rumo a Eporia.
Suas faces estavam cobertas de lágrimas.
—Para Levy Menezes (1922–1991),
André Carneiro (1922–2014) e
Nelson de Oliveira (1966– ): escritores e artistas.
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