Page 118 - Universo GalAxis Anual 2019
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ROBERTO CAUSO
ácida sensação de afogamento. Tossiu sangue para da máquina de Borkien tudo o que pudesse se referir ao
dentro da máscara. seu alias, mas também ao assunto weirdcraft e os crimes
Quando tentou removê–la, soube que não conseguia possíveis de Borkien de contrabando e evasão de divisas,
movimentar os braços. A queda ou... o projétil que ferira lavagem de dinheiro e até achaque e assassinato.
sua garganta talvez tivesse partido a sua espinha. Enquanto a busca e captura dos dados era realizada,
Tentou entender o que acontecera. Rebobinou os pen- ela, vestindo apenas a blusa colante que usava por baixo
samentos até o instante em que fora baleado pela pis- da jaqueta, fez uma varredura física na residência e nos
tola de Ulias. Um lampejo... uma forma escura por trás corpos dos dois mortos. Tinham seus documentos com
dele... passando da esquerda para a direita lá em cima eles — obviamente não anteciparam, ao sair de casa, ne-
no topo da escada... nhuma complicação maior. Certamente não esperavam
Darcale não sentia dor e foi grato por isso. Mas logo terminar mortos. Ela devolveu os documentos aos cor-
deixou de sentir qualquer coisa. pos, sem ler. Era contra tudo o que aprendera com Tera
Ele nem chegou a ver a maldita garota. e Tiago, mas não queria saber mais sobre suas vítimas.
* O acesso ao porão era bloqueado por uma porta blinda-
Shiroma viu as últimas bolhas de ar se formarem na da com fechadura eletrônica. A senha da fechadura era
pequena poça de sangue acumulada no colarinho aber- uma variação simples, que ela encontrou em menos de
to do homem. Ela desceu as escadas apenas para se dez tentativas. Antes de entrar, Shiroma lembrou–se de
certificar de que ele estava morto. Tirou a submetra- mais uma medida: tirou a blusa e a sacudiu com toda a
lhadora de suas mãos e subiu com ela para o escritório força, produzindo um estalo altíssimo e, com sorte, re-
de Torgo Borkien. movendo dela os restos da substância explosiva dos car-
O primeiro homem — Ulias, como o outro o tinha cha- tuchos. A cada balançada, ela recuava dois metros, dando
mado — fora morto perto da entrada. Um soco certeiro a volta na grande sala de estar. Antes de tornar a vestir
no peito tinha afundado o seu esterno o suficiente para a blusa, bateu com força nas próprias coxas, tentando se
impactar o coração, afortunadamente para ela, entre livrar de qualquer resto preso nas leggings que vestia.
uma batida e outra. Bastara para levá–lo à morte por A primeira coisa que notou ao entrar e acender as
parada cardíaca. Uma morte rápida e limpa, sem sangue luzes foram as facilidades de gravação de imagens e o
nem resíduos de armas de fogo. A maior dificuldade fora home theater muito bem instalado em um dos cantos. E
tirá–lo das vistas do seu camarada, levando–o escada então, nas paredes, os objetos de flagelação e tortura.
acima ao primeiro andar. Ela ainda tinha de montar uma Respirando fundo dentro da máscara, ela vasculhou o
cena que confundisse, o pouco que fosse, os investiga- que havia nos armários próximos ao home theater.
dores criminais. As unidades de registro estavam rotuladas por data.
Puxou Ulias do chão, carregou–o nas costas e o plan- Shiroma escolheu um certo período e instalou a primeira
tou, caído meio de lado, quatro ou cinco degraus acima na porta correspondente, do painel da tela. Com os dedos
de onde jazia o corpo espalhado do segundo homem. enluvados, o controle remoto nas mãos, ia passando em
Não havia estojo deflagrado — as armas eram de car- fast forward pelas cenas, trocando de arquivos um atrás
tuchos sem estojo. do outro, tentando não absorver os detalhes mas cin-
Em seguida, procurou o robô doméstico que tinha visto zelando–os de modo indelével em sua memória perfeita.
ao entrar, quando carregara Ulias nas costas. A pistola Era muito pior do que pensava. Fazia com que se sen-
ainda estava em sua cintura. Puxou–a e atirou no au- tisse exposta e vulnerável como raramente se sentira
tômato, mirando o local em que, ela sabia, estava o seu antes. Mesmo assim, forçou–se a ver todos os arquivos
computador central. Foi até a cozinha e voltou com algu- da primeira unidade, e então passou para a seguinte. No
mas facas, e, com uma delas, conseguiu abri–lo e remo- terceiro arquivo, reconheceu um homem com a fisiono-
ver dele todos os seus drives. Devolveu as ferramentas mia de Carlos Gilman Kurak, segundo as imagens públi-
improvisadas aos seus lugares na cozinha. Só então, ela cas que havia consultado. Não havia nada de ritual, na
plantou a arma vazia na mão morta de Ulias. tortura que ele sofria na tela gigante.
Rapidamente, voltou ao escritório. Passou uma hora Obrigou–se não apenas a assistir, mas a ouvir o que
vasculhando tudo. A senha do computador pessoal de Borkien e Reisbaum perguntavam a Kurak, e o que o
Torgo Borkien era a mesma do seu tablet, rapidamente homem respondia. Participando do interrogatório e in-
decifrada pelos sistemas da ciberjaqueta de Shiroma. A fligindo os ferimentos — até finalmente um deles dar o
capacidade de processamento da CPU da ciberjaqueta golpe de misericórdia —, havia dois homens mascarados.
era de padrão militar, o forro tinha quilômetros de um Tinham altura correspondente à dos dois que ela havia
material artificial que imitava eficientemente os metais de eliminado há pouco.
transição dos circuitos impressos, dando a ela a capaci- Por que Borkien guardaria os registros do seu crime?
dade de processamento de um supercomputador. E agora Ele o colocara no nível de todas as suas outras fanta-
Shiroma colocava os sistemas para procurar nos dados sias de tortura e dominação, realizadas com chicotes
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