Page 24 - Universo GalAxis Anual 2019
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ANÁLISE
O Universo GalAxis E O PROJETO
LITERÁRIO DE ROBERTO CAUSO
O Professor Ramiro Giroldo, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, escreve sobre o Universo
GalAxis dentro da produção de ficção científica e fantasia do seu criador.
Como o Universo GalAxis agora completa dez
A produção de Roberto de Sousa Causo é consis-
RAMIRO GIROLDO tente: além de manter uma periodicidade constante, anos de existência com muito fôlego ainda guarda-
um feito no tão problemático mercado editorial bra-
do, é o momento de observar como as narrativas
de Shiroma e Jonas Peregrino (os grandes prota-
sileiro, delineia um projeto temático e estilístico de
gonistas desse universo ficcional) podem ser lidas
contornos identificáveis. Transita com desenvoltura
pela ficção científica, pela fantasia e pelo horror (os
à luz da produção de Causo como um todo, podem
três pés da ficção especulativa, segundo categori-
zação adotada pelo próprio autor, lembremos) sem
“de Roberto de Sousa Causo”. Como essa é uma
proposta e tanto, que só pode ser plenamente rea-
abandonar a consistência desse projeto. ser enriquecidas pela percepção de que são obras
Quando se menciona um projeto lizada a longo prazo, aqui vão ser apenas sugeridas
como esse, não há o interesse de assi- algumas linhas–mestra recorrentes — de maneira
nalar de maneira taxativa a intencionali- descompromissada e provisória.
dade do autor. Ou seja, notar a presença Salta aos olhos, já em uma primeira leitura, o
de um projeto não equivale a propor que teor aventuresco: em histórias dotadas de bastante
o autor elaborou intencionalmente uma movimento, os personagens invariavelmente lidam
espécie de “plano de ação” que precisa com ameaças à vida deles e de outros. Se ronda
ser cumprido por cada nova obra, e nem essa espécie de narrativa o perigo de enfraquecer
que cada nova obra é aprioristicamente a caracterização diante do ritmo dos eventos que se
planejada como parte do projeto. Quan- sucedem às vezes vertiginosamente, aqui esse ris-
do se fala em “projeto estético ou ar- co é evitado: o leitor é guiado com naturalidade por
tístico”, chama–se atenção justamente situações que se complicam em direção ao clímax, e
para a consistência das opções criati- cada virada do enredo é acompanhada por reações
vas do autor. verossímeis.
Foto: Pedro Rosa Dois universos ficcionais de grande expres- Como toda narrativa de eventos bem–sucedida,
são criados por Causo, casos únicos na literatura no Universo GalAxis encontramos protagonistas
brasileira, servem de exemplo: o Brasil mítico das que não apenas reagem aos estímulos externos,
histórias de “borduna e feitiçaria” da Saga de Taja- mas agem. O herói de ação, afinal, só se apresenta
rê;* e o Universo GalAxis. Em ambos, uma tradição de fato como uma força atuante no mundo que o
literária estabelecida — respectivamente, a espada cerca quando é capaz de tomar a iniciativa de ma-
e magia e a space opera — se vê lida a partir de um neira que só ele seria capaz. Nas histórias de Shiro-
ponto de vista diferente — é um ponto de vista que ma, é claro que o primitivo desejo pela autopreser-
pode, como muitos outros, ser chamado de “brasi- vação serve como impulso inicial, mas os caminhos
leiro”. Isso também vale para suas obras de horror, por ela escolhidos são originais e inconformistas; e
A Corrida do Rinoceronte (2006), Anjo de Dor (2009) Jonas Peregrino sempre se mantém justo e firme
e Mistério de Deus (2017), bem como para o restante em seus propósitos mesmo quando os arredores
de seu bastante volumoso corpo de trabalho. parecem exigir o contrário. Ainda que matizados de
* Composta, até o momento, das histórias presentes nos livros A Sombra dos Homens (Devir Brasil; 2004); Duplo Fantasia
24 Heroica (Devir Brasil; 2010) e Duplo Fantasia Heroica 2 (2011), ambos com Christopher Kastensmidt.