Page 111 - Universo GalAxis Anual 2019
P. 111
PHOENIX TERRA
Borkien levantou a mão esquerda, pedindo paciência. — Não banque a espertinha, garota — Reisbaum disse.
— Ele facilmente poderia bater novos recordes de valor Borkien adiantou–se e quase se colocou entre as duas.
— declarou. — Alguns dos meus clientes possuem acer- Fazia um gesto de conciliação com braços abertos.
vos com nível de coleções de museu, e em alguns casos, — Calma, Elayne. Chegamos a um ponto em que a jovem
um orçamento maior do que a maioria dos museus ofi- tem direito a uma resposta. — E para Shiroma: — A se-
ciais. Mas eles se interessariam apenas se existisse um nhorita Reisbaum é uma associada de longa data. Par-
pouco mais de contexto sobre as peças que você mos- tilhamos um estilo de vida em que um habilita o outro a
trou, Doris. Até aqui, esses objetos que têm sido chama- obter o que deseja.
dos de weirdcraft são um mistério, e mistérios trazem — Você, pessoas que se sujeitem a certas práticas de-
uma certa insegurança aos investidores. O que podemos gradantes — Shiroma disse. — E ela, o dinheiro que você
saber sobre sua procedência, sobre as intenções por paga por isso.
trás dos procedimentos de produção dos objetos? Borkien balançou a cabeça, em seguida gesticulou em
Shiroma reconhecia a ganância por trás da expressão torno, para os robôs e para Reisbaum.
profissional de Borkien. — Já sabemos que você fez alguma pesquisa para
— Com essas informações, o senhor acha que os pre- além da planetologia de Phoenix Terra, antes de vir para
ços seriam realmente substanciais?... — perguntou, em cá. Mas acha que o moralismo pode livrá–la desta situ-
voz baixa e juntando as mãos enluvadas. ação? — inquiriu, e então citou: — “A moralidade é uma
— Muito mais do que isso — ele exclamou. — Como eu fraqueza da mente...”
disse, o potencial é alcançarmos valores inéditos. Espe- — Arthur Rimbaud — ela disse.
cialmente se tivermos uma narrativa interessante, tal- Borkien passou por ela e desapareceu atrás do corpo
vez dramática, por trás dos objetos. Uma narrativa com avantajado de Reisbaum, para remexer algo dentro de
evidências, é claro. Não estamos falando de fabricarmos uma das bandejas. Retornou com a mão direita fechada.
uma história nem de apresentarmos mais uma teoria. Atirou o punhado de terra na bancada ao lado de Shiroma.
— Talvez eu não possa fornecer evidências, Doutor — Acha que é disso que se trata? — disse. — De chão?
Borkien. Da existência básica dos povos? Da poeira do tempo e
Ela calou–se, porque o homem estava se colocando do fracasso das ideias? Não. O campo das artes é o
em pé. Atrás dele, Elayne Reisbaum adiantou–se. Com campo da excepcionalidade. Em termos de comporta-
um gesto da mulher, os dois robôs também deram um mento, sexualidade e adesão ao senso comum. E mes-
mecânico passo adiante. mo à autoridade. E já que você conhece Rimbaud, “o
— Você precisa — Torgo Borkien disse. Ele então sorriu poeta se torna um visionário por uma longa, ilimitada
sem alegria. — As somas de que falamos estão acima e sistematizada desorganização de todos os sentidos.
de qualquer outra consideração. Não posso deixá–la sair Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura;
daqui, sem tirar de você tudo o que sabe sobre a origem ele investiga a si mesmo, exaure em si mesmo todos
dos objetos. os venenos e preserva sua quintessência. Indizível tor-
mento, em que ele precisará da maior fé possível, uma
3. força sobre–humana, em que se torna todos os homens
como o grande inválido, o grande criminoso, o grande
— Vou pedir que entregue o seu tablet para a senhorita amaldiçoado... e o Supremo Cientista! Pois ele alcança
Reisbaum — Borkien disse. o desconhecido! Por que tem cultivado a sua alma, já
Shiroma obedeceu, em silêncio resignado. Reisbaum rica, mais do que qualquer um!” Ele também disse que
apanhou o aparelho também sem dizer nada, e recuou “a vida é uma farsa que todos temos de representar”.
um passo para examiná–lo. Seus polegares se agitaram Mas não aqui. Aqui nós teremos a verdade, minha pe-
sobre o teclado. quena Doris. Porque aqui, minha querida Elayne e eu não
— Ela não se comunicou com ninguém, desde que saiu temos limites.
de Eporia — sentenciou. Atirou o aparelho sobre a ban- Borkien gesticulou em torno.
cada a seu lado. Shiroma só balançou a cabeça, sem tirar os olhos dele.
— Muito bem — Borkien disse. — Vamos ter a nossa — Eu sinto uma atitude de petulância nessa garota,
conversa séria então, Doris. Torgo — Reisbaum disse, endireitando o corpo e exibin-
— Deixe–me perguntar antes — e Shiroma apontou do os punhos. — E não gosto disso. Deixe–me dar uma
para Elayne Reisbaum —, por que você precisa de uma amostra grátis a ela, e tenho certeza de que ela vai abrir
dominatrix com soqueiras de aço, para esta conversa? bem a boca depois.
Reisbaum endireitou o corpo e tirou as mãos dos bol- Shiroma olhou da mulher para o homem. A vida é uma
sos. Em seus punhos, as soqueiras de tungstênio brilha- farsa que todos temos de representar... A frase girava
ram com as cores do arco–íris. Shiroma tinha percebido em sua mente.
o volume pesado, nos bolsos da jaqueta da mulher. — Eu vou lhe contar o que quer saber, Doutor Borkien
111