Page 113 - Universo GalAxis Anual 2019
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PHOENIX TERRA
a touca de um dos bolsos e a vestiu, conferindo se os dentro do cérebro, mas não o suficiente para trair–se
cabelos, que chegavam perto dos ombros, estavam bem como uma ciborgue com a força de meia–dúzia de ho-
presos. Não queria nenhum fio solto indo parar dentro mens. Torgo Borkien desmoronou aos seus pés.
do veículo. Então, enfiou o tronco na cabine e puxou sua Ela rapidamente removeu de suas roupas a carteira, o
bolsa de viagem para fora. Abriu–a e conferiu, quase multifuncional de pulso e o cartão–chave de um flutuador.
com um gemido, que a concha ainda se mantinha intacta Levantou–se e afastou os olhos dele. Respirou fundo.
no estojo anti–impacto. Ainda tinha muito o que fazer. A primeira coisa foi pro-
Ainda em pé junto ao flutuador, Shiroma olhou para curar a sua cibermáscara, que vestiu imediatamente,
baixo. Avaliou a extensão dos danos causados pelo cho- depois de livrar o rosto dos esporos que haviam descido
que do aparelho. Já havia decidido que não usaria mais sobre ela. Em seguida, colocou a soqueira suja de san-
o Clear Wind, mas sob a cobertura da tenda ainda havia gue na mão direita do cadáver de Elayne Reisbaum, ape-
muito trabalho a ser feito. Arrastando a bolsa, voltou nas para confundir os examinadores forenses, que se
para onde Borkien e Reisbaum deveriam estar — per- aventurariam mais tarde em decifrar a cena do crime.
to da bancada de trabalho. Ela procurou até encontrar “E agora, o quê?”, ela questionou a si mesma. “Os robôs.”
ferramentas adequadas para o que tinha em mente. A Por sorte, os robôs haviam sido atingidos em cheio e
maior parte do trabalho arqueológico exigia ferramen- derrubados sob o peso total do Clear Wind. Do contrá-
tas delicadas, especialmente depois que o resultado das rio, ainda poderiam ter reagido. Mas sua situação — com
escavações já fora recolhido. Mas ela encontrou uma apenas as pernas metálicas aparecendo sob o volume do
faca resistente o bastante, uma pá de cabo de plastime- flutuador — obrigou Shiroma a mais esforços para des-
tal que serviria de alavanca, e um formão de ponta fina. locar o aparelho, apenas com a alavanca improvisada.
Quando voltou para junto dos corpos, voltou rasgando a Não eram robôs de padrão militar, por isso as caixas
cobertura e deixando a luz entrar. cranianas estavam esmagadas. As luzes de controle,
A primeira tarefa foi reaver o seu tablet. A segunda foi apagadas — não havia energia circulando, nem CPUs
revistar o cadáver de Elayne Reisbaum. Não foi fácil. O ativas. Foi fácil abrir as caixas com o formão e remo-
corpo estava imprensado entre o flutuador e o piso rí- ver as unidades centrais de processamento. E então o
gido da tenda. Teve de usar a pá como alavanca. Quando console de instrumentos. Examinou–os e não detectou
começou a sentir que o aparelho se movia, pensou que a nenhuma função de vigilância, mas mesmo assim re-
ferramenta iria se partir, mas ela resistiu. Shiroma tirou moveu as suas CPUs.
dos bolsos de Reisbaum uma carteira e um tablet, além Só então deixou a tenda desmoronada. Uma vez do
do par de soqueiras de tungstênio. lado de fora, olhou em torno. As luzes do acampamen-
“Borkien, agora”, disse a si mesma. Mas ao se virar to do sítio arqueológico haviam se apagado quando ela
para ele, viu o vulto atarracado do homem endireitar–se. desligara o console, mas os olhos especiais dela re-
“Ele não morreu com o impacto.” gistraram com nitidez absoluta os volumes das outras
Concluiu que, ao deslocar o flutuador, ela o tinha li- tendas e das torres, e mais além, a muralha de árvores
berado. Provavelmente o que o prendera fora menos o da colônia clonal, tudo em contraste com o pontilhado
peso do veículo e mais o do material retesado da co- semovente dos esporos. Em um canto à direita, notou um
bertura da tenda. Ele segurava o braço esquerdo junto flutuador solitário, pousado numa plataforma de plasti-
ao corpo e olhava em torno, aturdido. Sangue de algum metal vazado. Foi até ele e o abriu com o cartão–chave
ferimento atrás da cabeça havia escorrido para o seu de Borkien. As luzes internas se acenderam prontamen-
rosto e pescoço, enquanto ele estivera caído, e espo- te, e procedimentos de pré–acionamento se ativaram de
ros branco–amarelados começavam a se prender à pele modo automático, no painel de pilotagem.
ensopada de sangue. Mas ele não parecia ter sofrido Era um aparelho de quatro lugares, menor e mais leve
nada mais grave. do que o Clear Wind GLX. Shiroma sentou–se na posição
— Socorro... — balbuciou. do piloto, colocando a sua bolsa de viagem no assento ao
Shiroma balançou a cabeça e buscou no bolso inferior lado. Esvaziou nela os bolsos da ciberjaqueta. Em seguida,
direito da ciberjaqueta, uma das soqueiras de Reisbaum. examinou a parte de trás do flutuador. Havia um embrulho
Quando avançou na direção de Borkien, ele parou de comprido ali, no piso. Ela foi até lá, apanhou–o e exami-
olhar em torno e fixou os olhos nela. nou os rótulos impressos na embalagem. Era um saco de
Devagar, Shiroma se aproximou dele. material maleável, biodegradável e tratado com produtos
— Ajude–me... — o homem gemeu. químicos que iriam alimentar bactérias locais de Phoenix
E então olhou para baixo, para o objeto na mão enlu- Terra, acelerando o processo de biodegradação certifi-
vada de Shiroma. cada do conteúdo do saco. Um método para o descarte
— Não me... ambientalmente correto de resíduos biológicos exógenos.
Nesse instante, ela o atingiu na têmpora. O saco era grande o suficiente para que um corpo huma-
Forte o bastante para empurrar lascas de ossos para no coubesse nele com folga.
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