Page 73 - Universo GalAxis Anual 2019
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Elevação,  e David Brin, em que civilizações avança-  que a evolução biológica poderia ser aplicada igual-
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                 das adotam seres não sencientes e os “elevam” como   mente às sociedades humanas.” Além disso, Spencer
                 espécie, tratando–os como seus servos ou associa-  argumentou que “as sociedades humanas, como as
                 dos, e não como competidores ou inimigos. Está clara   espécies biológicas, operam de acordo com princí-
                 a analogia com povos “clientes” ou proxies, parte da   pios de seleção natural, sendo governadas por com-
                 problemática  imperial e  colonialista de  europeus  e   petição e aptidão, e evoluem a partir de um estado
                 norte–americanos, e a subordinação político–cultural   indiferenciados (homogêneos) e primitivos, para um
                 de outros povos. Mas neste caso e dentro da lógi-  de diferenciação (heterogêneo) e progresso.”
                 ca de evitar a acesso de civilizações a uma perigosa   Essas reflexões possuem uma face cruel e deter-
                 hipertecnologia, tem–se a sugestão de uma subordi-  minista. Ainda na interpretação de Rutledge Dennis,
                 nação preventiva, no lugar do extermínio preventivo.   sobre os conceitos de Spencer: “Aqueles fracos ou
                 O espaço, no qual se projetam as espécies eleva-  mal–equipados demais para competir, ou aqueles
                 das, funciona, neste caso, como a modernidade que,   que não têm a disposição ou a capacidade para fazê–
                 no nosso mundo contemporâneo, está expressa no   lo, […] não deveriam receber um impulso artificial
                 contexto global de contínua demanda por integração,   para mantê–los no campo de batalha da Natureza. As
                 com o qual as culturas tradicionais ou divergentes   ideias de Spencer sobre a evolução e o funciona-
                 têm sido forçadas a se defrontar.        mento das sociedades humanas eram sustentadas
                                                          em conjunção com suas fortes crenças no governo
                   COOPERAÇÃO, COMPETIÇÃO E GUERRA        de laissez–faire e no individualismo.”
                   Não tenho muita simpatia pelo darwinismo social.   Por sua vez, John C. Greene (1963), historiador da
                 Em meu livro Ficção Científica, Fantasia e Horror no   ciência citado por Dennis e autor de Darwin and the
                 Brasil: 1875 a 1950 (Editora UFMG, 2003), não o abor-  Modern World View (1963), “associa Spencer mais
                 do como algo positivo, ao analisar a presença dessa   diretamente a ideias equiparadas ao pensamento
                 tendência de pensamento na FC americana do perí-  racista, ao notar que a crença de Spencer, de que
                 odo: “[O] reconhecimento [de uma] conjuntura [parti-  o conflito racial era a chave para o progresso social
                 cular brasileira] fundamenta a rejeição de conceitos   porque acarreta ‘um contínuo domínio dos menos
                 importados, como o darwinismo social, que ainda so-  poderosos ou menos adaptados pelos mais pode-
                 brevive como discurso ideológico nos países desen-  rosos ou mais adaptados, uma condução das va-
                 volvidos, mas um discurso que não tem providência   riedades inferiores para os habitats indesejados, e
                 quanto ao subdesenvolvimento. Para o darwinismo   ocasionalmente, um extermínio das variedades infe-
                 social, os países subdesenvolvidos não são mais que   riores’.”  Essa é, a propósito, a visão dramatizada em
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                 os perdedores da história em uma disputa determi-  O Mundo Perdido (The Lost World; 1912), de Sir Arthur
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                 darwinista social, e uma conjuntura de neocolonialis-  um platô amazônicos são exterminados pela equi-
                 mo — como vimos a respeito da FC brasileira do final   pe de heróis brancos, auxiliando os indígenas locais
                 do século XIX e início do século XX — salvo dentro de   (mais “modernos” que os hominídeos) em sua dis-
                 uma postura elitista interna ao país.” 9  puta. E igualmente por Monteiro Lobato no romance
                   O sociólogo afro–americano Rutledge M. Dennis   de FC O Presidente Negro ou O Choque das Raças,
                 faz, no artigo “Social Darwinism, Scientific Racism,   de 1926, com seu visor temporal que permite o tes-
                 and the Metaphysics of Race” (1995), um histórico   temunho das eleições presidenciais americanas no
                 desse conceito: “Embora Darwin se focasse prima-  ano 2228, marcadas pelo conflito racial.
                 riamente na evolução biológica de espécies animais   “O alarme de Spencer quanto à ameaça poten-
                 e quase nunca tratasse das consequências culturais   cial dessas variedades inferiores para a civilização
                 ou sociais dessa evolução para os humanos, outros,   ocidental foi uma consequência lógica do seu desejo
                 como Herbert Spencer, que primeiro cunhou a fra-  de promover uma sociedade de cidadãos intelec-
                 se ‘sobrevivência do mais apto’, argumentou que os   tualmente superiores”, prossegue Rutledge Dennis.
                 princípios darwinistas pretendiam apoiar o caso de   “De fato, o grande temor dele era o de que governos



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