Page 77 - Universo GalAxis Anual 2019
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rio, desde os tempos dos nossos ancestrais comuns   a sociedade dos Estados Unidos, “particularmente a
                 com chimpanzés, os humanos sempre guerrearam.   classe comerciante americana, como representativa
                 A outra posição defende que o conflito armado só   da ordem natural das coisas e exemplo vivo da tese
                 surgiu nos milênios mais recentes, quando mudan-  da aptidão de Spencer.” Ainda a respeito de Sumner
                 ças nas condições sociais forneceram a motivação e   e da tendência que ele veio a representar, Dennis
                 a organização para matar coletivamente.”   sentencia: “Quando as rígidas crenças políticas de
                   O argumento darwinista tradicional está embu-  Sumner são combinadas com sua visão da escra-
                 tido, é claro, na primeira postura. Alguns dos seus   vatura, o que emerge não é só uma postura anti–hu-
                 proponentes  atribuem  à  guerra  perdas  humanas   manista, mas também uma que promove indiferença
                 superiores a 25%, nas sociedades antigas: “Com   e crueldade social.” 25
                 perdas  dessa magnitude, argumentam psicólogos   O escritor americano de FC Poul Anderson (1926–
                 evolucionistas, a guerra serviu como mecanismo de   2001) divide o protagonismo da sua “história do fu-
                 seleção natural em que os mais aptos triunfam para   turo” entre o militar e agente secreto Dominic Flan-
                 conquistar companheiros e recursos.” Um des-  dry e o comerciante e aventureiro espacial Nicholas
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                 ses psicólogos, Bradley Thayer, explica a tendência   van Rijn. No livro O Viajante das Estrelas (Trader to
                 para a xenofobia e o etnocentrismo nas relações   the Stars; 1964), narrando aventuras de van Rijn,
                 internacionais a partir desse mesmo raciocínio. Não   Anderson inclui excerto de um texto fictício, Margem
                 obstante, as evidências arqueológicas tomadas glo-  de Lucro, que descreve em termos econômicos li-
                 balmente sugerem que as culturas guerreiras “se   berais o papel dos mercadores na sua Technic Civi-
                 tornaram comuns apenas nos últimos 10 mil anos   lization Saga: “Um truísmo, a estrutura da sociedade
                 — e, na maior parte dos lugares, muito mais recen-  é basicamente determinada por sua tecnologia. Não
                 temente do que isso”.  Se a guerra tem data de   em sentido absoluto — pois é possível que existam
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                 surgimento e depende de condições sociais de con-  diferentes culturas que utilizem ferramentas idên-
                 centração de recursos e de hierarquização social   ticas —, embora as ferramentas determinem as
                 nas comunidades (como os resultados sugerem), ela   possibilidades: impossível o comércio interestelar
                 não é um fato natural da condição humana, resultado   sem espaçonaves. Uma raça limitada a um planeta,
                 da evolução da espécie.                  que possua um grande conhecimento de mecânica,
                   É preciso reforçar que o pensamento darwinista   cujas máquinas básicas, de comércio e guerra, exi-
                 social enraizou–se de modo particularmente for-  jam, entretanto, um grande investimento de capital,
                 te nos Estados Unidos. Rutledge Dennis lembra que   tenderá, é inevitável, para o coletivismo, não importa
                 durante o período anterior à Guerra da Secessão,   o nome que ostente. A livre iniciativa necessita de
                 William Graham Sumner “foi o principal darwinista   espaço para manobrar.” 26
                 social da nação; ele também foi o primeiro sociólo-  A última afirmativa explica o interesse dos escri-
                 go da nação. Sumner adotou as ideias de governo de   tores de linha liberal econômica e libertariana pela FC
                 laissez–faire, seleção natural e sobrevivência do mais   espacial e pela ideia da expansão a outros planetas.
                 apto de Spencer e as aplicou à sociedade america-  O libertarianismo e o anarquismo podem ser teorias
                 na. Essencialmente, ele sustentava que o que é acaba   políticas interessantes em sua defesa da liberdade
                 representando o selo de aprovação da Natureza so-  como princípio maior, mas o estado mínimo ou au-
                 bre o que deve ser.”                     sente, num contexto de superpopulação e escassez
                   Essa posição de fundo basicamente conservador   de recursos, dá margem a agressão ao vizinho ou
                 foi usada por Sumner para justificar a escravatura:   ao meio ambiente em escalas que logo roubariam
                 “Sumner argumentava que, pela escravidão permitir   dessas opções qualquer aura de racionalidade ou
                 aos grupos superiores a liberdade para construir e   romantismo. No colonização de outros planetas, re-
                 desenvolver mais culturas refinadas, ela na realida-  torna–se a uma demografia rarefeita e, pelo viés da
                 de avançava a causa da humanidade [...].” Interes-  FC americana, ao romantismo do Oeste Selvagem.
                 santemente, para a nossa visada sobre personagens   Anderson desenha as condições (ficcionais) para
                 que vão de Rhett Butler a Han Solo,  ele enxergava   isso:  “A  automação transformou a manufatura  em
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