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Perry Rhodan Faz 60 Anos

 

PERRY RHODAN FAZ 60 ANOS

 

Arte de capa de Eduardo Brasil.

A série mais antiga de ficção científica em atividade no campo da literatura, a mega space opera Perry Rhodan foi criada por K. H. Scheer e Clark Darlton (pseudônimo literário de Walter Ernsting), dois autores alemães de FC. Teve como primeiro episódio Unternehmen Stardust — ou “Missão Stardust” —, lançado em 8 de setembro de 1961 com uma tiragem de 35 mil exemplares. Hoje, Perry Rhodan já ultrapassou os 3100 episódios em seu país de origem, e completa seis décadas de existência.

 

 

A estreia de Perry Rhodan em 1961. arte de capa de Johnny Bruck.

Segundo A. J. Thalberg, no artigo “La saga de Perry Rhodan”, a gênese da série se deu ao final de 1960, quando Scheer (1928-1991) e Ernsting (1920-2005), então já conhecidos no campo da ficção científica alemã, conversavam no terraço do apartamento de Ernsting em Irschenberg, na Alta Baviera, tendo a visão dos Alpes diante deles. Posteriormente, ao apresentar os planos surgidos do seu brainstorm ao editor Kurt Bernhardt, da Pabel Verlag de Munique, a dupla de escritores foi surpreendida pela exigência de Bernhardt de que Perry Rhodan fosse publicada em episódios semanais.

De volta a Irschenberg, Scheer e Ernsting desenvolveram um planejamento que incluía a concepção de personagens e contextos. Ainda segundo Thalberg, “os personagens secundários apareceram e desapareceram”, e citam uma irmã de Perry, Cora Rhodan, que nunca foi vista, assim como o seu fiel amigo Robert Molldick, que acabou como apenas um rascunho do que seria Reginald Bell (nascido “Bull”, na cabeça dos autores alemães, mas alterado para “Bell” pelos responsáveis pela edição americana), companheiro de Rhodan desde o início da série. Quanto ao herói, teria nascido em 8 de junho de 1936, em uma pequena cidade do Meio-Oeste americano (o que foi alterado mais tarde para Connecticut, na Costa Leste).

A série logo passou a ser escrita por uma equipe de autores — na prática conhecida como “mundo partilhado” ou shared world —, com muita alternância ao longo dos anos. Logo de cara, para atender à exigência de periodicidade semanal, foram contratados quatro outros autores além dos dois “pais” da série. De início, os mais vistos foram o autor de FC hard Kurt Mahr (1936-1993) e seus colegas W. W. Sholz (1925-1981) e Kurt Brand (1917-1991). A resposta do público foi entusiasmada, fazendo valer o investimento da Pabel Verlag. Scheer e Ernsting foram recompensados não apenas pelo “entusiasmo” de Bernhardt, mas também pela longevidade da série — eles supunham que ela duraria no máximo trinta ou cinquenta episódios!

Desde o início, Perry Rhodan busca se renovar a cada novo ciclo de cinquenta ou cem episódios, separado dos outros por lapsos temporais, tecnológicos e estratégicos — algo que, por outro lado, chocou alguns leitores, como Forrest J. Ackerman, o responsável pela edição americana da Ace Books. O fio da meada é a persistência de Rhodan e de um grupo cada vez menor de auxiliares, todos agraciados com a imortalidade relativa após uma quest até o Planeta Peregrino, ainda no primeiro ciclo. É claro, temas, situações e desenvolvimentos são continuamente recuperados e retrabalhados. Juntos, os ciclos compõem uma inigualável história do futuro, que trata do lugar da humanidade no universo, como força renovadora a serviço de superinteligências promotoras de equilíbrio e evolução. É claro, a divisão em ciclos também é uma estratégia comercial, permitindo a leitura de um ciclo publicado no presente, sem que o leitor sinta que perde alguma coisa importante ou essencial.

Dentro dessa lógica, um enredo detalhado é preparado anualmente, cobrindo os eventos de todo um ciclo. Isso se dá após reuniões anuais, em que os autores discutem que desenvolvimentos a série deverá apresentar. Um redator compõe então o roteiro de cada episódio, de modo que os escritores possam trabalhar em paralelo. O primeiro redator foi K. H. Scheer, de 1961 a julho de 1979, quando passou a função a um outro membro da equipe, William Voltz.

A primeira tradução de Perry Rhodan foi para o hebraico. Arte de Johnny Bruck para o segundo episódio, A Abóbada Energética.

Para The Encyclopedia of Science Fiction (1979), editada por Peter Nicholls, “quando todas as traduções são incluídas, então [Perry Rhodan] tem mais leitores do que qualquer outra coisa dentro da FC”. Em sua versão de 1993, The Encyclopedia afirma que a série “é na verdade lida, segundo pesquisas, por leitores de todas as idades, tanto homens quanto mulheres”. Quando o texto menciona traduções, refere-se ao fato de que Perry Rhodan logo se internacionalizou. Curiosamente, segundo a Wikipedia, “a primeira língua para a qual Perry Rhodan foi traduzido foi o hebreu. Em 1965, o primeiro de quatro episódios apareceu em Telavive — levada a Israel, imagina-se, por emigrantes falantes do alemão — em uma tradução pirata (também usando as ilustrações de capa originais, sem permissão), e que, por razões desconhecidas, parou antes da publicação da quinta.” Os editores alemães só ficaram sabendo disso anos depois, de modo que a interrupção não se deu por razões legais.

Desse modo, a primeira tradução oficial foi a francesa, em 1966, em edições lançadas pela tradicional editora Fleuve Noir como parte da sua coleção Anticipacion. No mesmo ano, também encontrou edição na Bélgica, em edições da Marabout. Os livros belgas usavam as traduções da Fleuve Noir e faziam parte da coleção Poche 2000, dirigida por Jean-Baptiste Baronian. Publicada como livros de bolso, reunindo dois episódios em cada volume. Estas foram as primeiras publicações oficiais de Perry Rhodan fora da Alemanha. A essa altura, ela já estava estabilizada como publicação seriada no seu país de origem, com quase 200 episódios já impressos — o bastante para interessar editoras estrangeiras, apresentando-se como um sucesso comercial e com um volume que garantiria um empenho editorial. Fleuve Noir também publicou a série-irmã Atlan.

 

A primeira presença brasileira de Perry Rhodan, em edição da Coleção Galáxia 2000.

É bom lembrar que o primeiro livro de Perry Rhodan visto no Brasil foi Operação Astral, lançado em 1968 como parte da Coleção Galáxia 2000, das Edições O Cruzeiro. Esse livro foi uma tradução da versão francesa de Jacqueline H. Osterrath, Opération Astrée, publicada pela Fleuve Noir. Mais tarde, como uma série propriamente, Perry Rhodan seria lançada pela Ediouro.

Mundo afora, a série ganharia outros mercados, com desempenhos irregulares, nos anos seguintes à estreia das edições francesa e belga: uma edição holandesa foi iniciada em 1967. Em 1969, ela chegou aos Estados Unidos, sempre um fato notável, considerando o quanto a ficção científica local é autossuficiente, naquele país. Wendayne Ackerman, esposa de Forrest, fazia as traduções para edição da Ace Books, e um brasileiro de origem austríaca, Norbert F. Novotny, colaborou com textos extras (a edição admitia contos e até seriados de space opera americana clássica). O experiente capista e quadrinista Gray Morrow fez as artes de capa, mais ao gosto do americano e muito reproduzidas no Brasil pela Ediouro — embora não todas. Uma outra edição, também pela Ace, foi agraciada com ilustrações de George Wilson, um prolífico capista de revistas em quadrinhos. Na Inglaterra, a Futura lançou em 1974 a série com vistosas ilustrações de Chris Foss, Peter Jones, Peter Elson, Bob Layzell, Colin Hay e outros mestres da revolução britânica na arte de FC. As iniciativas não foram muito longe, embora nos EUA a série tenha insistido em edição semiprofissional, num formato mais próximo do alemão — o Heftromane (de 15 x 22,5 cm e 64 páginas).

A edição japonesa, ainda em circulação, começou em 1971, publicada pela Hayakawa, uma editora muito importante para a ficção de gênero no pós-guerra, no formato bunko (15 cm x 10 cm) típico do mercado de literatura popular no Japão. Qual um Johnny Bruck japonês, o artista Takashi Yorimitsu fez todas as capas, de 1971 a 2009… No País do Sol Nascente, a série já passou dos mil episódios, em volumes duplos.

 

O artista Ryo Kudou assumiu as ilustrações de capa da edição japonesa da Hayakawa a partir do número 368, de janeiro de 2010.

 

Atualmente, Perry Rhodan é publicado no Brasil pela SSPG Editora, de Belo Horizonte, em um projeto encabeçado pelo editor Rodrigo de Lélis desde 2001, com um hiato entre 2007 e 2014 — quando a empresa retomou a série, por sugestão da a editora alemã Pabel-Moewig Verlag KG, eles haviam iniciado a publicação da série a partir do episódio 650, chegando ao 1090. Hoje, explora a série como e-books e em vários ciclos, em frentes de publicação iniciadas com os episódios 537 (de onde a Ediouro havia parado), 1800, 2700 e 3000 (também em livros de papel).

Segundo César Maciel, assistente editorial e divulgador da SSPG, atualmente Perry Rhodan é publicado no Brasil, Holanda, Japão e República Checa. Sem dúvida, essa penetração internacional robustece a esse mundo partilhado como uma marca global. Desse modo, e em conjunto com a sua longevidade e dimensões de fato estelares, a curiosidade do público em torno dele faz com que algum leitor em algum lugar esteja tomando contato com ela, muitos se fidelizando em alguma medida, no processo. Falta um impacto no mundo do audiovisual, para que Perry Rhodan seja ainda mais turbinado.

 

Arte de capa de Dirk Schulz & Horst Gotta.

Enquanto isso não acontece, a Pabel-Moewig Verlag KG lançou um reboot da série, reiniciada tomando o nosso futuro próximo (e não aquele de 1961) como ponto de partida. Chamou-se Perry Rhodan NEO, é publicada como paperbacks ou livros de bolso, e o número 1 foi lançado em 16 de agosto de 2013. Com o reboot, a editora alicerça não apenas a cooptação de um novo público, mas também futuras adaptações audiovisuais, agora livres do contexto retrô da série original. Já alcançou a marca dos 260 volumes, e é publicada também no Japão (com capas no estilo mangá) e nos Estados Unidos.

Para o aniversário comemorado em setembro de 2021, foi lançada na Alemanha uma simpática edição de jubileu, Perry Rhodan Sonderband (“edição especial”), republicando Missão Stardust, de K. H. Scheer, o primeiro episódio da série, acompanhado de uma variedade de conteúdo suplementar, incluindo uma reprodução fac-similar da primeira sinopse, depoimentos do atual coordenador de redação, Klaus N. Frick, retrospectiva da primeira exposição de Perry Rhodan, e um suplemento de 16 páginas com muitas ilustrações.

No Brasil, as redes sociais têm sido o local das celebrações, com muitos memes e postagens, muitas delas disparadas pelo superfã rhodaniano Dioberto Souza em grupos como “Perry Rhodan Brasil”, “Perry Rhodan Covers” e “Perry Rhodan – Brasil”, todos no Facebook. Um destaque foi a live do fã-clube de Star Trek Nova Frota, “60 anos de Perry Rhodan“, com Israel Fick como anfitrião e participações de Cesar Maciel e dos fãs Nando Silva e Ivo Heinz.

 

Esta edição especial de jubileu celebra o marcante aniversário da série. A arte de capa de Dirk Schulz empilha alguns dos personagens mais marcantes, destes 60 anos de publicação continuada.

 

Por sua vez, a SSPG resolveu voltar ao início de tudo, também republicando Missão Stardust tanto em e-book como em papel — produzindo, pela primeira vez em todos estes anos em que Perry Rhodan foi publicado no Brasil, começando lá no longínquo 1967 ou ’68, uma ilustração de capa realizada por um artista brasileiro. O escolhido foi o artista digital Eduardo Brasil, associado ao Desire Studios de Taira Yuji. A ilustração mostra Rhodan em um traje espacial de 1971, deparando-se com a agigantada nave arcônida em pane no lado oculta da Lua. A editora mineira não vai ficar só nesse volume, prometendo disponibilizar novamente todo o clássico primeiro ciclo da série, para os leitores brasileiros.

A nova edição traz ainda ilustrações internas de Tadeu Brum Costa e textos suplementares tanto de César Maciel quanto de Rodrigo de Lélis, que declarou no editorial:

“Com sua estrutura de episódios agrupados em ciclos, a série oferece um constante ponto de reinício a cada estreia de ciclo. E a trajetória da SSPG Editora até este momento em que leva aos leitores este volume especial, após mais de seiscentos episódios futuros publicados pela editora em diversas fases da série (tendo chegado até mesmo ao longínquo N.º 3000) constitui o retorno ao ponto em que tudo começou: o antológico episódio n.º 1, que abre uma sequência de publicações que vê à sua frente uma esteira de aventuras quase a perder de vista, cujo ‘marco zero’ todos os leitores têm agora a oportunidade de conhecer — ou de revisitar.” —Rodrigo de Lélis.

Uma afirmação que define um projeto editorial, mas que também expressa, com clareza cristalina, qual é o segredo por trás da longevidade de Perry Rhodan, a maior série de ficção científica do mundo.

Roberto Causo

 

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